30 setembro 2022

Capitalismo, meio ambiente e as florestas “inventadas”

O economista Claudio de Moura Castro trata do grave problema do desmatamento no Brasil, que leva à redução das chuvas, do volume de água dos rios e ao aquecimento do ar. Sendo assim, os vários atores da sociedade devem tomar a tarefa de frear tais desastres. Ele pontua que o Estado não dispõe dos recursos necessários para tal. Mas a sociedade pode se mobilizar. Precisamos desmatar mais? Na verdade, estima-se que o país tenha 18% de sua superfície composta de terras agriculturáveis, sem contabilizar as áreas cobertas por florestas. Apenas 7% são utilizadas. Com essa abundância, a produção agrícola pode triplicar, sem que se corte uma só árvore.

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O desmatamento é um problema grave no Brasil. E tem como consequências a redução das chuvas, do volume de água dos rios e o aquecimento do ar. A tarefa de frear esses desastres cabe a vários atores na sociedade. 

Não é plausível imaginar que o Estado disponha dos recursos necessários para tal. A sociedade civil pode mobilizar as gentes, gerar boas ideias e promover iniciativas engenhosas e produtivas. Mas isso é insuficiente.

A gigantesca tarefa de replantar o que foi perdido está além das forças desses dois atores. Como consequência, ou o setor privado planta ou pouco vai acontecer.

Para que do setor privado venha a solução, há dois condicionantes. O primeiro é o retorno do investimento. O segundo é que as iniciativas sejam também boas para o meio ambiente. O cerne da questão é que reproduzir a composição de uma floresta nativa é um péssimo negócio. Sendo assim, jamais acontecerá na escala esperada. Eucaliptos (e pinus) trazem retornos econômicos e são aceitáveis para o meio ambiente (desde que não se cortem florestas nativas para sua plantação). Mas são uma solução apenas parcial.

Impasse? Assim estamos hoje. Porém, os avanços tecnológicos e a criatividade estão começando a gerar resultados promissores com o que chamamos de “florestas inventadas”, por não existirem espontaneamente na natureza. Há várias fórmulas e os experimentos se revelam economicamente satisfatórios.

O tema do presente ensaio é explorar o potencial dessas inovações para impulsionar o reflorestamento pelo setor privado. Será possível repetir nas florestas a admirável revolução do agronegócio brasileiro? 

Richard F. Burton embarca em Sabará

Transcorre o ano de 1867. Chega a Sabará (MG) Richard F. Burton, grande naturalista, linguista e aventureiro. Seu plano é descer o rio das Velhas, chegando até a cidade Paulo Afonso (BA). Com as atribulações previsíveis, chega ao destino.

Hoje, alguém que tentasse repetir a façanha de Burton, em águas altamente poluídas, só não morreria de septicemia porque o barco encalharia, logo adiante, em um banco de areia. 

Apenas nos últimos 40 anos o rio perdeu 40% de suas águas. O rio São Francisco perdeu 35%, entre 1948 e 2004. O rio Doce, nos últimos 60, perdeu dois terços.

A perda de cobertura florestal é a principal culpada da perda de volume das águas de grande parte dos rios brasileiros.

Quanto mais uma área é coberta por florestas mais chuva terá a região. A razão é bem conhecida: as plantas perdem líquido para o ambiente. Essa transpiração na natureza aumenta em cerca de 20% o vapor de água no ar. Isso eleva a umidade ambiente e aumenta a pluviosidade. Esse aumento de chuvas, adicionado à presença das árvores protegendo o solo, propiciam maior infiltração da água para os lençóis freáticos. Sendo assim, mais água brota dos mananciais.

Sem dúvidas, a redução do volume de água é a consequência inevitável do desmatamento na região das bacias. O resto segue, inexoravelmente.

Estima-se que as nossas florestas, por volta de 1500, cobriam de 85% a 90% do território brasileiro. Em 1990, a cobertura caiu para 70%. Em 2020, caiu para 60%. A perda foi mais abrupta entre 1990 e 2010. Desta data até 2020, o ritmo decresceu bastante, tornando-se quase estável. Mas preocupa que no ano de 2021 a perda de florestas tenha sido a maior da década.

Note-se que metade da perda recente de florestas se deu na Amazônia. E esse não é um problema apenas da região. Quando se fala nos “rios voadores”, o assunto é o regime de chuvas no restante do Brasil, pois boa parte delas se origina nesta floresta e desce para o Sul. Cortar árvores na Amazônia, mais cedo ou mais tarde, é liquidar o “rio voador”, que traz as chuvas.

No caso da Amazônia, as perdas não são apenas no aumento de terras degradadas e na instabilidade crescente do regime de chuvas. Quinze por cento das espécies conhecidas de plantas e animais estão lá.

Precisamos desmatar mais? Na verdade, estima-se que o Brasil tenha 18% de sua superfície composta de terras agriculturáveis. Note-se: não se inclui nessa conta as áreas cobertas por florestas. E apenas 7% são utilizadas pelas nossas lavouras e pecuária. Com essa abundância de terras, nossa produção agrícola pode ser multiplicada por dois e meio, sem ser necessário que se corte uma só árvore!

Adicione-se a isso o fato singular de que o crescimento das colheitas vem se fazendo com base em aumentos de produtividade, com expansão muito limitada na quantidade de terra usada. Isto aconteceu como resultado do desenvolvimento de uma agricultura tropical de alta produtividade e plenamente sustentável. De fato, a ciência avançou, as tecnologias deram um salto e não é mais preciso agredir o meio ambiente para aumentar a produção.

Contudo, chama a atenção a degradação severa da terra em certas partes do território nacional, incluindo grandes áreas em processo de desertificação. Nelas, as camadas superficiais do solo já foram completamente erodidas. Sendo assim, a alternativa da silvicultura torna-se atraente.

A área total desertificada no país aumentou de cerca de 900 mil km² (2003) para mais de 1,3 milhão km², em 2007. Esse último número equivale a 15,7% do território nacional.

O pesadelo do aquecimento global

Até aqui, falamos de florestas, de chuvas e de águas no Brasil. Porém, o crescimento vertiginoso na queima de combustíveis fósseis, de um século e tanto para cá, levou a um aumento na quantidade de CO2 lançado na atmosfera. Isso provoca o chamado “efeito estufa”, levando a um ameaçador aumento na temperatura do nosso planeta. Muito contestada inicialmente, esta conclusão hoje recebe quase unânime consenso da comunidade científica.

Simplificando, como as florestas absorvem esse CO2 através da fotossíntese, uma das alternativas mais poderosas para mitigar o aquecimento é aumentar a área florestal do globo.

Sendo assim, temos, razões imperativas para cuidar das nossas florestas. A primeira é garantir água para o Brasil. A segunda é ajudar a mitigar o aquecimento global.

Quais os caminhos que levam a mais florestas?

Em um raciocínio simples, temos que parar de cortar as florestas. Sustar o desmatamento em um país tão grande e com tantas áreas remotas não é fácil. Ainda assim, houve progressos, exceto por uma recaída nos últimos dois anos.

E, naturalmente, temos que repor o que foi perdido. O presente ensaio apenas cuida desse segundo imperativo de replantar. E eis a mais embaraçosa pergunta: quem vai fazê-lo?

O candidato mais óbvio seria o Estado. Minimamente, devemos exigir dele clareza de propósitos e um marco regulatório adequado. Nessas missões, o Estado claudica, ainda que progressos tenham sido observados.

Porém, reflorestar os 1,3 milhões de km²de áreas desmatadas – ou pagar a conta – não parece ser uma tarefa exequível. Com um orçamento público excessivo e abarrotado de despesas incompressíveis, não podemos ser otimistas nesse particular.

Considerando as dezenas ou centenas de iniciativas da sociedade civil brasileira em prol do meio ambiente, este poderia ser um caminho. Não obstante, há uma incompatibilidade entre os dinheiros que mobilizam e o que seria necessário para fazer uma diferença significativa no estoque de árvores[1]. Seu trabalho de advocacy pode ser precioso (embora alguns advoguem a causa errada), sua capacidade de mobilizar voluntários não pode ser subestimada e suas iniciativas e criatividade são admiráveis. Mas as limitações financeiras mostram que não pode caber a este setor um tal papel.

Por exclusão, resta o setor privado. Considerando o espetacular sucesso da iniciativa privada no agronegócio, será que não poderia fazer uma revolução similar no reflorestamento?

A equação do reflorestamento pelo setor privado

Qual foi a ação que levou ao sucesso do setor privado no agronegócio? O primeiro fator foi haver identificado culturas em que o capital investido é remunerado de forma estimulante. O segundo é que foram criadas tecnologias sustentáveis, do ponto de vista do meio ambiente. De fato, há uma vasta maioria de agricultores e pecuaristas que derivam excelentes rendimentos, ao mesmo tempo que respeitam o meio ambiente – infelizmente, nem todos.

Será possível proeza semelhante no reflorestamento? Essa é a questão central do presente ensaio.

Empresários investem quando vêem a promessa de retornos econômicos. Se não os percebem, não há nada no mundo que os leve a gastar seu dinheiro plantando florestas ou o que mais seja. A sua filantropia empresarial existe e tem um papel importante. Mas sempre será um acessório, diante dos enormes investimentos diretamente produtivos. Essa é a força e a fraqueza do sistema de mercado.

A outra condição é o impacto sobre o meio ambiente dos seus investimentos em florestas. A equação apenas se fecha quando a solução é sustentável. 

Dito isso, com que quadro nos deparamos?  Há notícias más, mais ou menos, e boas.

Quando consideramos o sequestro de carbono, o regime das chuvas e a diversidade dos seres vivos, uma floresta imitando a nativa que lá estava é o ideal. Mas, infelizmente, plantar uma tal floresta dá prejuízo.

O tempo de espera é longo e a proporção de espécies sem valor comercial é enorme (até 90% na Amazônia). Sendo assim, está fora de cogitação imaginar que um número substancial de investidores plantará tais florestas. A não ser que haja perspectivas de sequestro de carbono ou financiamentos mais favoráveis, o que ainda não aconteceu.

O que sobra então? Hoje, lucrativo há apenas o reflorestamento com uma única espécie exógena. Tradicionalmente, os eucaliptos.

Por razões totalmente equivocadas, os eucaliptais são alvo de acusações exaltadas. Seca a terra! Somem os passarinhos! Antes de prosseguir, que fique meridianamente claro: não faz o menor sentido cortar uma mata nativa para plantar eucaliptos – o que já aconteceu como consequência de políticas públicas equivocadas.

Afora essa aberração, há ampla pesquisa mostrando que os eucaliptais não são danosos para o meio ambiente. Desde que não sejam plantados em terrenos desertificados, trazem contribuições positivas. Entre outras, trazem um forte sequestro de carbono, mercê do seu rápido crescimento. E atendem ao outro lado da equação, por gerarem bons retornos econômicos. O mesmo se pode dizer do pinus e até de essências como o mogno africano que começam a ser plantadas.

E, se não bastasse, abastecem o país de madeira e carvão, que seriam extraídas de matas mais nobres.

Mas em que pese estarem do lado certo do impacto sobre o meio ambiente, os eucaliptais – e outras monoculturas exóticas – estão longe de ser uma solução universal para a necessidade de aumentar a cobertura florestal.

Isso nos deixa com poucas opções. Créditos de carbono, subsídios fiscais e juros subsidiados podem vir a oferecer um substancial incentivo ao plantio de florestas espelhando as nativas. Mas, de momento, ainda são soluções limitadas e complicadas. Sem alternativa, não se materializa a promessa de reflorestamento em alta escala pelo setor privado.

Entram em cena as “florestas inventadas”

De maneira difusa e sem que sejam orquestradas por alguma política pública tangível, começam a aparecer novas ideias para o reflorestamento, que vêm calçadas em experimentos bem conduzidos e se tornam cada vez mais substanciais.

Na falta de algum nome mais específico, estou chamando de “florestas inventadas” as novas fórmulas que pipocam em quatro biomas do território brasileiro. Algumas são muito simples, outras mais complicadas.

São inventadas porque não ocorrem espontaneamente na natureza. Sua justificativa é serem, ao mesmo tempo, sadias para o meio ambiente e bons investimentos. São as duas condições sine qua non para que o setor privado cumpra um papel crítico no reflorestamento. Várias linhas estão sendo exploradas.

O primeiro modelo é o plantio de florestas homogêneas, mas com espécies nativas (em contraste com as exóticas, como eucaliptos ou pinus). Em Paragominas, o Paricá é uma aposta promissora para a movelaria e os compensados. Alguns proprietários estão se livrando do seu gado e reflorestando com essa árvore. Já foram plantadas 60 milhões. Seu aproveitamento começa a partir de cinco anos. Estima-se que um hectare plantado gere produtos comerciais equivalentes ao que rendem 30 a 35 hectares de mata nativa. É considerável o seu sucesso, antes mesmo que evolua o trabalho de melhoramento genético. Do ponto de vista ecológico, tem salvo conduto. É uma espécie nativa, suas vagens alimentam as araras e as folhas são do agrado de macacos e preguiças.

Passemos a um segundo modelo. Grandes empresas estão investindo pesadamente em florestas em que se planta uma variedade limitada de espécies nativas, todas com valor comercial. Isto porque a variedade excessiva nas matas nativas torna antieconômica a exploração eficiente. Faz também parte da solução que as mudas plantadas sofram um processo de melhoramento genético, a partir de sementes colhidas localmente.

O terceiro modelo consiste em alternar, consorciar ou combinar árvores e arbustos diferentes no mesmo espaço físico. Em alguns casos, plantas e gado se misturam.

Plantam-se espécies que produzem no mesmo ano, como o abacaxi ou a banana. Com três anos, pode-se colher o café. Logo, colhe-se também o cacau. Seguem os eucaliptos, que podem ser cortados a partir do sexto ano. Diante do fluxo de caixa imediato e contínuo, são financiadas aquelas essências que levam até 40 anos para o corte. É a lógica econômica ditando a lógica dos plantios.

Do lado biológico, há uma lógica ditada pelas boas técnicas de agricultura e silvicultura. Por exemplo, as bananeiras sombreiam as mudas de algumas árvores, até que não precisem mais delas. A escolha de uma espécie tem a ver com o que necessita alguma outra que será também plantada.

Recentemente, foi publicada uma pesquisa que analisa 40 casos dos plantios heréticos descritos acima[2]. O grande interesse desta avaliação é, justamente, incluir estimativas das taxas de retorno dos experimentos lá arrolados. E aqui está a boa notícia. Praticamente todos os 40 casos mostram taxas de retorno acima de 9%. São resultados altamente promissores. Negam a hipótese de que plantar essências nativas necessariamente dá prejuízo. Excelente notícia.

As implicações são muito claras. Esses modelos de exploração agrícola permitem plantar espécies nativas e obter taxas de retorno elevadas. Ao mesmo tempo, são soluções com impactos benéficos sobre o meio ambiente. Em outras palavras, parece haver um caminho para que o investimento privado possa ter um impacto poderoso no reflorestamento.    ■


[1]. Fazendo uma conta grosseira, para reflorestar um milhão de quilômetros quadrados seriam necessários algo da ordem de R$ 300 bilhões. A SOS Mata Atlântica, uma das mais prestigiosas organizações filantrópicas de reflorestamento tem um orçamento da ordem de R$ 10 milhões. A conta não fecha.

[2].  SOARES, Daniel Strozzi; CALMON, Miguel; MATSUMOTO, Marcelo. Reflorestamento com espécies nativas: estudo de casos, viabilidade econômica e benefícios ambientais. Coalizão Brasil, nov. 2021.

Economista pela Universidade Federal de Minas Gerais, mestre pela Universidade de Yale e doutor pela Universidade Vanderbilt, ambas nos EUA. Pesquisador em Educação

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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