Como Melhorar a Educação no Brasil?
1.Introdução
Melhorar a educação é fundamental para qualquer sociedade crescer de forma sustentável no longo prazo com justiça social. A educação melhora a produtividade dos trabalhadores e de suas firmas, facilitando inovações tecnológicas e a aplicação de novas técnicas gerenciais. Além disso, como a elite econômica de qualquer país já tem um alto nível educacional, aumentos posteriores na escolaridade e na qualidade da educação favorecem principalmente as famílias mais pobres, aumentando a ascensão social e a mobilidade intergeracional e diminuindo a pobreza e a desigualdade.
A agenda social no Brasil mudou muito nos últimos 20 anos. No passado, tinha-se a ideia de que para melhorar a vida dos mais pobres era apenas necessário formar elites esclarecidas, que formulariam políticas econômicas corretas que, por sua vez, ajudariam a reduzir a pobreza indiretamente através do crescimento econômico. Hoje em dia está mais sedimentada a ideia de que as crianças nascidas em famílias mais pobres deveriam ter condições iniciais parecidas com as nascidas em famílias mais ricas, para poderem exercer livremente suas escolhas e também contribuir para o crescimento e desenvolvimento do país, através de um mercado competitivo.
Mas, como a sociedade pode dar condições iniciais iguais para todos? Fornecendo serviços de saúde e educação de qualidade para que as pessoas possam atingir um nível de capital humano no início da vida adulta que os permita competir em igualdade de condições no mercado de trabalho, independentemente de sua condição social. O objetivo é fazer com que as crianças nascidas em famílias pobres consigam sair da pobreza no longo prazo por seus próprios meios. O sucesso pleno do programa bolsa família ocorrerá quando ele não for mais necessário.
No Brasil, o processo de inclusão social mais recente começou com a estabilização da economia em meados da década de 1990 e continuou com os programas de transferência condicionais de renda. Nesses programas as famílias mais pobres recebem uma transferência monetária desde que seus filhos frequentem a escola e façam exames de saúde. Esses programas começaram com a Bolsa Escola, que foi implementada em algumas capitais do país desde a década de 1990, e foram unificados aos demais programas sociais no início deste século e transformados no Bolsa Família. Esses programas são os mais eficazes e modernos existentes atualmente. Várias avaliações de impacto realizadas sobre o programa Bolsa Família, por exemplo, mostram que o programa foi efetivo em aumentar o acesso à escola das famílias mais pobres, diminuir a pobreza extrema e a desigualdade, sem afetar a oferta de trabalho dos pais.
Entretanto, programas de transferência de renda não são suficientes para dar condições iniciais iguais para todos, independentemente da condição social. A desigualdade de renda continua elevada no Brasil e a mobilidade entre as gerações ainda é uma das mais baixas do mundo. Mesmo que as famílias mais pobres tenham colocado seus filhos na escola, as condições da criança nos primeiros anos de vida e a qualidade da escola pública impedem que a maioria das crianças mais pobres consiga permanecer na escola até o final do ensino médio. As que permanecem não conseguem aprender o suficiente para poder ingressar no mercado de trabalho com condições de obter um emprego qualificado no setor formal da economia. Desta forma, a agenda social tem que lidar com esse desafio.
Assim, sugerimos nesse artigo uma proposta para continuar transformando a vida das famílias mais pobres. A ideia é melhorar a qualidade da educação, sugerindo um programa em que o governo federal incentiva os estados e municípios a adotarem práticas eficazes para melhorar o aprendizado nas escolas públicas.
2. Evolução da educação no Brasil
O principal problema do nosso país é que não conseguimos combinar crescimento da produtividade com avanço social. A Figura 1 mostra isso claramente ao comparar o crescimento dos anos médios de escolaridade no Brasil e em outros países do mundo entre 1960 e 2010. Podemos observar que já em 1960 a população brasileira tinha apenas pouco mais do que dois anos de estudo em média, assim como o México, ao passo que na Coreia a população tinha três anos de escolaridade em média. Nesses países, a maioria da população era analfabeta. Em comparação, a população chilena já tinha mais do que cinco anos de estudo em média e a americana já alcançava nove (ou seja, mais do que o ensino fundamental completo). Entre 1960 e 1980, o Brasil avançou muito pouco em termos educacionais. Nossa prioridade nessa época foi aumentar a produtividade do país através da transferência de grande parcela da população do campo para a cidade, saindo do setor agrícola pouco produtivo para a indústria que crescia. Entretanto, como pensávamos que esse processo iria durar para sempre, nos esquecemos de educar nossos trabalhadores. Enquanto isso, a Coreia atingia oito anos de escolaridade média já em 1985, o Chile atingiu esse patamar em 1990, ao passo que o Brasil só iria alcançá-lo em 2010 (25 anos após a Coreia). Nos Estados Unidos, a população adulta tem quase 14 anos de estudo atualmente.
O grande avanço brasileiro ocorreu entre 1990 e 2010. Vários fatores podem explicar esse avanço educacional. Em primeiro lugar, a Constituição de 1988 incentivou a descentralização da gestão da educação para os municípios e estabeleceu limites mínimos de gastos com educação. Além disso, o Fundef em 1998 redistribuiu os gastos dos municípios ricos com poucos alunos para os municípios pobres com mais alunos, equalizando os gastos por aluno dentro de cada Estado. Além disso, os programas de progressão continuada (ciclos) diminuíram as grandes taxas de repetência que vigoravam no Brasil (cerca de 40%) e, assim, diminuíram a evasão. Finalmente, os programas Bolsa Escola e Bolsa Família aumentaram a frequência escolar entre as famílias mais pobres, pois exigiam essa frequência como contrapartida para a transferência de renda.
Vale notar, porém, que nos últimos anos já está ocorrendo uma desaceleração no ritmo de crescimento educacional. A Figura 2 na página seguinte mostra a evolução recente dos anos médios de escolaridade para os jovens (22 a 24 anos de idade) no Brasil separadamente para brancos e negros/mulatos. Podemos notar, em primeiro lugar, que existe uma grande desigualdade em termos de acesso à educação por cor, pois os brancos tinham em 1992 dois anos a mais de escolaridade média do que os negros. Essa diferença reflete-se no mercado de trabalho. Entre 1992 e 1999, tanto os brancos como os negros aumentaram em média um ano de estudo. Entre 1999 e 2006, o ritmo de crescimento na escolaridade média aumentou bastante, passando para quase dois anos para os negros e 1,7 ano para os brancos. Isso significa que não apenas o avanço educacional foi impressionante, como a desigualdade se reduziu na medida em que os negros avançaram mais do que os brancos.
Entretanto, entre 2006 e 2013, o ritmo de avanço declinou para ambos os grupos, embora a desigualdade entre brancos e negros tenha continuado a reduzir-se. Essa redução recente no ritmo de crescimento no acesso à educação significa que dificilmente vamos alcançar a Coreia ou os Estados Unidos no curto prazo.
Uma notícia boa é que a frequência à pré-escola tem melhorado bastante no Brasil. As pesquisas recentes na área de economia da educação têm enfatizado a importância dos primeiros anos de vida para o desenvolvimento saudável das pessoas. Se a criança cresce em ambientes de pobreza extrema, em situações de estresse tóxico, ela pode sofrer atrasos no desenvolvimento de suas habilidades cognitivas e socioemocionais, o que vai prejudicar seu desempenho ao longo da vida escolar. Assim, nessas situações é importante que a criança tenha acesso a uma pré-escola de qualidade, para que possa conviver e interagir com outras crianças e aumentar sua capacidade de aprendizado. A Figura 3, ao lado, mostra que entre 1992 e 2013, a porcentagem de crianças brancas e negras que frequentam a pré-escola praticamente dobrou. Vale notar também que a diferença de acesso por cor é pequena quando comparada à diferença de anos médios de escolaridade. Com a diminuição do número de crianças que está ocorrendo hoje no Brasil (em virtude da transição demográfica), essa parcela deve aumentar ainda mais.
Entretanto, a qualidade da educação tem melhorado pouco e muito lentamente no Brasil. A Figura 4 abaixo mostra a evolução do desempenho dos alunos brasileiros nos exames de proficiência realizados pelo Inep (Ministério da Educação) entre 1995 e 2013. Podemos notar que houve uma queda substancial de desempenho em todos os ciclos entre 1995 e 2003, consequência do maior acesso à escola das crianças nascidas em famílias mais pobres que foi documentado acima. Como as crianças nessas famílias geralmente recebem menos investimentos nos primeiros anos de vida, seu desempenho na escola tende a ser pior do que a média.
Entre 2003 e 2013, o aprendizado aumentou significativamente no 5º ano. Vários fatores explicam esse fato. Em primeiro lugar, o aumento na taxa de frequência à pré-escola faz com que as crianças ingressem no ensino fundamental com maior capacidade de aprendizado. Além disso, o aumento educacional das mães e dos pais contribui para aumentar os estudos em casa e, consequentemente, também afetam a melhora do aprendizado. Estudos mostram que a ampliação do ensino fundamental de oito para nove anos também contribuiu para a melhora do aprendizado. Por fim, iniciativas de melhora de gestão em alguns municípios, tais como Sobral e Foz do Iguaçu, também obtiveram bons resultados.
Entretanto, a grande preocupação é com a estagnação da qualidade da educação no 9º ano do ensino fundamental e no 3º ano do ensino médio. Isso significa que os avanços obtidos no 5º ano não estão chegando até as séries finais. Ou seja, apesar do aumento de acesso à educação ocorrido nas últimas décadas, o aprendizado médio dos alunos que concluem o ensino médio permanece abaixo do nível de 1995.
Na comparação internacional, nosso desempenho educacional também é preocupante. A Figura 5, por exemplo, mostra a distribuição de proficiência dos alunos brasileiros no exame Pisa de 2012 em comparação com os alunos da OCDE. Podemos notar que apenas 33% dos alunos brasileiros têm desempenho acima do nível 1, que pode ser considerado sofrível e que 35% têm desempenho abaixo desse nível, ou seja, praticamente não entenderam nenhuma questão da prova. O pior é que a maioria dos nossos futuros professores encontra-se nesse nível. Na OCDE, por outro lado, quase 80% dos alunos está acima do nível 1 e somente 5% está abaixo desse nível. Assim, o nosso foco tem que ser em melhorar a qualidade da educação. Como fazê-lo?
3. Razões para a baixa qualidade da educação
O aprendizado dos alunos nas escolas públicas é muito baixo por vários motivos. Em primeiro lugar, como vimos acima, os alunos muitas vezes já chegam à escola com sérias deficiências no seu desenvolvimento cognitivo e socioemocional. O background familiar (nível socioeconômico das famílias) é muito importante para o desempenho dos alunos, explicando cerca de ¾ do seu desempenho em testes padronizados. Mas, melhorar o background familiar leva bastante tempo e nosso problema educacional é urgente.
Com relação aos professores, nosso principal problema é que o ensino de graduação em grande parte das faculdades de pedagogia é fraco, teórico e com pouca ênfase na prática em sala de aula. Não há um currículo mínimo mostrando o que cada professor deve ensinar em cada série. Os diretores das escolas muitas vezes são escolhidos por critérios políticos e costumam ficar pouco tempo nas escolas, especialmente nas piores escolas.
Os secretários de educação, de forma geral, não enfatizam a meritocracia no sistema educacional. Poucos utilizam avaliações externas para guiar políticas educacionais. Muitos resistem a apoiar políticas de ciclos (progressão continuada), por questões políticas. Finalmente, o tempo de aula efetivamente ministrado nas escolas públicas é mínimo. Alunos no ensino médio têm cerca de 2 horas de aula efetivas em média por dia, o que é claramente insuficiente para melhorar seu aprendizado. Assim, para melhorar o aprendizado dos nossos alunos faz-se necessário um pacote de medidas que ataquem as várias deficiências existentes em todos os elos da cadeia: aluno-família-faculdades de pedagogia-professor-diretor-secretários de educação.
4. O financiamento da educação
Há distorções no financiamento para a educação que devem ser resolvidas independentemente da questão de aumento de gastos ou de melhora na gestão dos recursos atuais. A Constituição de 1988 vinculou os gastos com educação às receitas de certos impostos (18% para União e 25% para estados e municípios). Porém, havia grande disparidade de recursos aplicados à educação entre municípios, uma vez que suas receitas também são díspares. O Fundef foi instituído para amenizar tal problema. Através do Fundef, municípios e estados contribuíam para um fundo estadual com 20% das receitas de certos impostos (ver Tabela 1 na página seguinte) e o montante desse fundo era redistribuído de acordo com o número de matrículas no EF. Assim, os municípios mais ricos com poucos alunos transferem recursos educacionais para os municípios mais pobres que atendem a mais alunos. De acordo com as regras do Fundef, 60% dos recursos dos fundos deveriam ser usados com remuneração dos profissionais do magistério.
Em 2007, o Fundef foi transformado em Fundeb. Enquanto no Fundef os recursos eram distribuídos na proporção dos alunos do ensino fundamental, os recursos do Fundeb são distribuídos com base em uma medida que pondera os alunos de cada rede em diferentes níveis de ensino (infantil, fundamental e médio). Além desses recursos, sempre que um estado não atinge o valor mínimo por aluno, fixado todos os anos pelo governo federal para o Brasil todo, o governo federal faz a complementação. Os estados que recebem verbas da União para o Fundeb são: Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Paraíba e Piauí.
A partir de 2010, o valor mínimo gasto por aluno em todo o Brasil passou a ser fixado de forma que o governo federal contribua com 10% do total arrecadado pelos demais entes federados para o ensino básico. Assim, sempre que a arrecadação total dos estados e municípios aumenta, o montante destinado ao Fundeb também aumenta e o montante a ser gasto pelo governo com educação básica também. Ou seja, os gastos com ensino básico dependem do desempenho da economia, o que parece algo bastante lógico.
Desses 10% a serem gastos pelo governo federal, 90% devem ser distribuídos com base no número de alunos em cada município para garantir o gasto mínimo por aluno estabelecido nacionalmente (ou seja, faz parte do Fundeb). Além disso, até 10% (ou seja, 1% da complementação da União) pode ser distribuído para programas direcionados para melhoria da qualidade da educação básica. Esses recursos somam cerca de R$ 1 bilhão atualmente e podem ser livremente alocados pelo governo federal. A Tabela 2 apresenta as estimativas de arrecadação total do Fundeb por ano, assim como o aporte de recursos do governo federal para o Fundo.
Entretanto, há uma distorção no sistema de gastos com a educação que deve ser ressaltada. A Lei no 11.738, de 16 de julho de 2008, estabeleceu um piso salarial nacional para o magistério de R$ 950 para os professores com formação de nível médio, na modalidade “normal”, em uma jornada de 40 horas semanais. A lei também estabelece que o piso nacional deve ser reajustado anualmente, sendo acrescido o mesmo percentual do aumento do gasto mínimo por aluno previsto do ano anterior (que depende do montante arrecadado pelos estados e municípios). A Tabela 3 apresenta o gasto mínimo previsto no final do ano anterior (que é usado para definir o piso salarial do ano seguinte) e o consolidado (que só é definido durante o próprio ano vigente) nos últimos anos.
Como a maior parte dos gastos com educação são salários dos professores, essa lei tem grande importância para a definição dos gastos. Mas, existem três problemas principais com essa lei. O primeiro é que em caso de uma situação de recessão econômica, como a que ocorre atualmente, o gasto mínimo consolidado tenderá a ser menor do que o gasto previsto, mas isso não muda o piso salarial dos professores, que foi definido com base no gasto previsto no final do ano anterior. A Tabela 3 mostra que isso ocorreu em 2012, quando o gasto mínimo previsto no final de 2011 (que reajustou o piso salarial de 2012) foi de 22%, enquanto o gasto mínimo consolidado aumentou somente 9,44%, em linha com o crescimento da arrecadação dos estados e municípios (ver Tabela 3). Assim, nesses casos, vários estados e municípios não têm condições de pagar o piso.
Além disso, mesmo no caso em que o gasto mínimo previsto diminua com relação ao ano anterior, não é possível diminuir o salário dos professores, o que também acarreta estrangulamento dos gastos municipais. Por fim, se a arrecadação de um município crescer menos do que a média nacional prevista no ano aterior, esse município terá que aumentar a parcela de recursos destinados ao pagamento de professores para que possa cumprir o piso salarial. Isso fará com que o município tenha que diminuir todas as outras despesas educacionais para poder cumprir a lei.
Outra distorção ocorre com a distribuição dos gastos entre os níveis de ensino. O ensino superior apropria aproximadamente 15% dos gastos públicos em educação (R$ 39 bilhões em 2013) e aproximadamente 50% dos gastos federais (39 bilhões em 2013), mas tem apenas 3% do total de alunos. Assim, enquanto o ensino básico gasta 23% do PIB per capita por aluno, o ensino superior gasta 89%. Ou seja, cada aluno do ensino superior público recebeu investimentos de R$ 21.000 em 2013, enquanto seu equivalente no ensino básico recebeu somente R$ 5.500. Poderíamos argumentar que os gastos com educação superior incluem os gastos com pesquisas, mas em nenhum país do mundo essa discrepância de gastos entre o ensino básico e o superior é tão grande. Na média da OCDE, o gasto por aluno no ensino superior é somente duas vezes maior do que no ensino básico, na Coreia é pouco mais de uma vez e meia e, nos EUA, maior gerador de pesquisas no planeta, chega a três vezes. Sem contar o fato de que muitos dos alunos que hoje frequentam o ensino superior público teriam condições de pagar mensalidades, o que não ocorre no ensino básico.
Com relação ao montante total de gastos, a principal concepção equivocada na área educacional é que bastaria aumentar os gastos com educação para atrair melhores professores que a qualidade melhorará automaticamente. Como o Plano Nacional de Educação prevê aumento de gastos com educação para 10% do PIB, com ajuda dos royalties do pré-sal, o problema educacional estaria resolvido. O equívoco desta visão é que não há relação automática entre gastos e proficiência. Países com desempenho excelente no Pisa 2012, como Vietnã, por exemplo, gastam pouco como proporção do PIB. Os Estados Unidos é o país que mais gasta com educação e seu desempenho é mediano.
Atualmente, o gasto público direto com educação no país equivale a 5,2% do PIB, ou seja, R$ 260 bilhões, em valores de 2013 (ver Tabela 4).1 Desse total, 85% são gastos com educação básica, o que significa que cada aluno do ensino básico recebe um investimento médio de R$ 5.500, equivalente a 23% do nosso PIB per capita. Países da OCDE gastam em média 26% do seu PIB per capita com educação básica. A Coreia gasta 30%, o Chile, 18% e o México, 15%.
Em suma, como porcentagem do PIB per capita, o Brasil gasta praticamente o mesmo que a OCDE, um pouco menos do que a Coreia e bem mais do que o Chile, que tem um desempenho melhor do que o brasileiro no Pisa. O Brasil gasta menos por aluno do que grande parte dos países da OCDE porque seu PIB per capita é menor. Além disso, o Brasil gasta muito com ensino superior e pouco com ensino básico. Finalmente, o Brasil perde muitos recursos com a alta taxa de repetência que persiste no nosso sistema educacional. Assim, se não mudarmos o modo como os recursos educacionais são gastos no sistema, mais recursos não levarão a um aumento de qualidade.
5. O papel da gestão
Enquanto nossos dirigentes fazem planos mirabolantes para melhorar a educação no Brasil, tais como o Plano Nacional de Educação, o aprendizado dos nossos alunos nas séries finais do ensino fundamental e no ensino médio continua estagnado, como vimos acima. O nosso principal problema está na gestão dos nossos sistemas municipais e estaduais de ensino. E para melhorar a gestão é preciso ter diretores e secretários de educação com capacidade gerencial e escolas mais autônomas, que tenham liberdade para implementar as políticas que julgarem adequadas para aumentar o aprendizado.
Várias pesquisas mostram que uma gestão mais eficiente pode melhorar muito o aprendizado. Uma pesquisa publicada recentemente em uma importante revista acadêmica de economia conseguiu mensurar e quantificar o impacto da gestão sobre o aprendizado dos alunos em escolas de vários países, incluindo o Brasil.2Essa pesquisa mediu a qualidade das práticas gerenciais em 1.800 escolas públicas e privadas de ensino médio em sete países: Reino Unido, Suécia, Canadá, EUA, Alemanha, Itália, Brasil e Índia (ordenados em ordem decrescente de qualidade de gestão).
A pesquisa mostrou que a qualidade da gestão de cada escola está bastante relacionada com a nota dos seus alunos nos exames padronizados em cada país. Ou seja, nas escolas com melhores práticas gerenciais os alunos têm notas melhores. Além disso, escolas públicas com maior autonomia de gestão (como as “escolas charter” nos EUA, as “acadêmicas” no Reino Unido ou as “escolas de referência” em Pernambuco) adotam práticas gerenciais melhores e, consequentemente, têm melhores notas.
As escolas brasileiras apresentaram índices de gestão muito baixos, superando apenas as indianas. Elas são ruins principalmente no modo como os professores e funcionários são gerenciados, pois os professores muito bons, assíduos e efetivos ganham o mesmo salário que os demais, que não podem ser demitidos. As exceções são as escolas privadas e as escolas de referência de Pernambuco, que têm maior flexibilidade para adotar práticas gerenciais modernas e mais efetivas.
Essa pesquisa traz contribuições importantes que podem ser utilizadas para melhorar a qualidade da educação no Brasil. A primeira é que o nosso principal problema na área da educação parece ser a baixa capacidade gerencial daqueles que administram a maioria das nossas escolas e redes de ensino, e a legislação extremamente restritiva adotada pelos estados e municípios. Se não modificarmos isso urgentemente, todos os outros programas idealizados para melhorar a educação, tais como a educação em tempo integral, a utilização de novas tecnologias, o currículo mínimo e os aumentos nos salários dos professores resultarão apenas em pequenas melhorias locais de aprendizado, sem resultados efetivos em larga escala. A falta de capacidade gerencial dos nossos gestores é um gargalo que impede que esses programas bem desenhados resultem em melhorias de proficiência em escala nacional.
Outra questão importante é que as nossas escolas precisam de maior autonomia para gerenciar seus professores e funcionários, monitorar o aprendizado de todos os alunos, implementar metas de aprendizado que devam ser atingidas por todos e cobrar resultados daqueles que falham persistentemente em atingir essas metas. Além disso, chegou a hora de permitir que os alunos da rede pública sejam atendidos em escolas gerenciadas privadamente, mais autônomas, sem as “amarras” da legislação educacional local. A experiência das “escolas acadêmicas”, introduzidas durante o governo trabalhista da Inglaterra para recuperar escolas que apresentavam desempenho abaixo do normal deve ser um exemplo a ser seguido no Brasil.
Um caso recente de sucesso na área de gestão na própria educação brasileira é o município de Sobral no Ceará. Apesar de estar localizado numa região relativamente pobre, Sobral conseguiu melhorar dramaticamente o aprendizado de seus alunos, através de sucessivas reformas educacionais que focaram principalmente a gestão. A Figura 6 abaixo mostra que, em 2005, os alunos da rede pública de Sobral tinham um Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) de 4, igual à média brasileira, acima do estado do Ceará como um todo, e muito abaixo das escolas privadas do estado de São Paulo. Entre 2005 e 2013, o Ideb de Sobral praticamente dobrou, alcançando um nível educacional maior do que a média dos países da OCDE e acima da rede privada do estado de São Paulo.
As reformas em Sobral começaram com a aceleração da municipalização do ensino, para que todas as escolas do primeiro ciclo ficassem sob a responsabilidade do município. Também houve fechamento das escolas menores, distantes e com pouca infraestrutura, concentrando os alunos nas escolas maiores. O foco inicial estava na alfabetização, com a instituição do Programa de Alfabetização na Idade Certa (Paic), introdução de um ano mais no ensino fundamental (bem antes dos outros estados e municípios) e um currículo de alfabetização bem definido. Foi aplicado o conceito de “autonomia com responsabilidade”, de forma que os diretores e professores tinham autonomia para atuar na escola, mas tinham que prestar contas para a secretaria de educação, para que ela pudesse avaliar e cobrar resultados.
Mesmo dando liberdade para os professores com relação à atuação dentro das salas de aula, Sobral desenvolveu um material próprio, distribuído para todos os docentes. Eles também passaram a receber formação continuada durante todo o ano letivo em cursos oferecidos pela Secretaria. A diferença da abordagem sobralense é que a formação dos professores tinha caráter pragmático. As aulas não giravam em torno de metodologias pedagógicas e discussões teóricas. Os professores recebiam instruções sobre como utilizar o material pedagógico dentro da sala de aula, de forma que se maximizasse o aprendizado do aluno. A formação era muito mais prática do que teórica.
Além disso, Sobral desenvolveu um sistema de avaliação externa às escolas, no qual todos os alunos da rede municipal passavam por exames semestrais. Essas avaliações eram iguais para todas as turmas, e a Secretaria comparava o desempenho dos professores e das escolas. Com base nessa avaliação externa, foi desenvolvido um projeto de gratificação por desempenho. A gratificação era dada tanto para diretores quanto para professores. Os professores ganhavam o bônus caso a nota média dos alunos na avaliação externa semestral atingisse as metas estabelecidas pela Secretaria. No caso dos diretores, suas gratificações eram baseadas no rendimento das escolas nas avaliações da prefeitura. A prefeitura instituiu um prêmio para as melhores escolas, que era redistribuído entre todos os funcionários.
O caso de Sobral ilustra claramente que é possível melhorar a qualidade da educação no Brasil, mesmo em municípios mais pobres, desde que os gestores estejam preparados para enfrentar os interesses corporativistas e adotar reformas com foco em melhorar a gestão para obtenção de resultados.
6. Propostas para melhorar a educação
Em termos de financiamento à educação, seria necessário diminuir a parcela de recursos que vai para o ensino superior público e direcioná-los para o ensino infantil, que é a nossa prioridade. Além disso, o piso salarial dos professores deve ser definido localmente e vinculado às receitas reais de cada estado e seus municípios e não à receita média do país como um todo, previsto no ano anterior. Esse piso salarial deve variar também de acordo com o custo de vida local.
Em termos de gestão, devemos estabelecer um “Programa de Incentivo à Efetividade (PIE)”. Segundo esse programa, devemos transferir parte dos recursos educacionais da União para os estados e municípios com base em um indicador de eficiência educacional de cada unidade da federação. As unidades que mais evoluíssem nesse indicador obteriam mais recursos desse programa. O governo federal daria apoio às unidades para que elas possam atingir as metas. O PIE seria composto dos seguintes itens:
1) Adesão à Base Nacional Comum da Educação, que estabelece padrões curriculares mínimos para cada série. Essa adesão é importante para que os professores em todo o país saibam o que os alunos devem saber em cada série. Além disso, os diretores e professores de cada escola podem ser cobrados mais facilmente caso seus alunos não atinjam o nível de aprendizado mínimo.
2) Uso de avaliações externas anuais para acompanhar aprendizado de todos os alunos. O artigo de Bloom, Lemos, Sadun e Van Reenen (2015) mostra claramente que isso é uma boa prática gerencial que afeta sobremaneira o desempenho dos alunos nos exames de proficiência.
3) Porcentagem de escolas com pelo menos 6 horas efetivas de aula por dia. Um dos poucos fatos estilizados que aparecem em quase todas as pesquisas educacionais é que os alunos que passam mais tempo aprendendo português e matemática têm um desempenho melhor nos exames padronizados. Assim, a forma mais eficaz de aumentar os gastos com educação é expandindo o tempo de aula dessas matérias.
4) Valorização do bom professor com o uso do regime probatório para avaliação de professores efetivos e demissão de professores não efetivos. Essa é uma possibilidade que a legislação permite e que não é utilizada pela grande maioria das redes escolares. Existem hoje em dia vários métodos sofisticados para avaliar o desempenho dos professores em sala da aula. As pesquisas mais recentes mostram que não se deve basear essas avaliações somente em notas dos alunos, mas também no seu comportamento em sala.
5) Permissão para o funcionamento de “escolas charter” (O.S. educacionais), que atendem a alunos da rede pública, mas que têm gerenciamento privado. Há evidências na área de saúde de que os hospitais gerenciados por O.S. (Organizações Sociais) têm qualidade melhor do que os gerenciados pelo sistema público. Uma grande parcela das creches nas grandes cidades (inclusive na cidade de São Paulo) é gerida por O.S. Cada unidade da federação pode mudar a legislação permitindo o mesmo para o ensino básico.
6) Intervenção nas piores escolas com fechamento dessas escolas ou intervenção com objetivo de melhorar as notas na Prova Brasil. Existem escolas que apresentam desempenho pífio em termos de aprendizado por vários anos seguidos. Os munícipios devem interferir nessas escolas e passar seu gerenciamento para as O.S., como foi feito no caso da Inglaterra, com as “escolas acadêmicas”. Pesquisas econométricas mostram que essas escolas tiveram um desempenho melhor do que as escolas ruins que não viraram acadêmicas.
7. Conclusões
Temos que melhorar a educação no Brasil para que possamos crescer mais, com mais produtividade e justiça social. Para isso, precisamos nos afastar das concepções equivocadas e focar na melhora da gestão, como foi feito em alguns municípios brasileiros. É necessário que essas experiências bem-sucedidas no campo da gestão sejam expandidas para os demais municípios. O Programa de Incentivo à Efetividade seria um caminho nessa direção, pois mostraria que o país acredita que as melhores práticas na área da educação devem ser aplicadas em todas as nossas redes de ensino, para que possamos melhorar rapidamente o aprendizado dos nossos alunos.
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