18 setembro 2017

Crise, Reforma e Indústria

A crise que o Brasil enfrenta atualmente está entre as três maiores desde a fundação da República. Este artigo pretende discutir brevemente algumas de suas causas e sugerir medidas para a sua superação, mas também tem como objetivo ultrapassar a discussão conjuntural focada no ajuste fiscal, que tomou conta de todas as atenções do país e voltar a atenção para uma agenda estrutural da maior importância para a economia brasileira: o crescimento da produtividade e o papel da indústria de transformação nesse processo.

A crise que o Brasil enfrenta atualmente está entre as três maiores desde a fundação da República. Este artigo pretende discutir brevemente algumas de suas causas e sugerir medidas para a sua superação, mas também tem como objetivo ultrapassar a discussão conjuntural focada no ajuste fiscal, que tomou conta de todas as atenções do país e voltar a atenção para uma agenda estrutural da maior importância para a economia brasileira: o crescimento da produtividade e o papel da indústria de transformação nesse processo. Essa escolha se justifica, pois – apesar de sua enorme importância – retomar a sustentabilidade fiscal do Estado não vai ser suficiente para garantirmos um processo de crescimento econômico expressivo e sustentável. As soluções para a questão fiscal, bem ou mal, já estão sendo discutidas. Passado o “fundo do poço” da crise econômica, o momento para a discussão de reformas estruturais é dos mais propícios.
Problema conjuntural: o triênio 2014/2016
Se confirmadas as previsões de mercado, o PIB brasileiro terá recuado quase 7% entre 2014 e 2016. Uma crise desse tamanho só pode ser causada por uma combinação de fatores, a maioria deles, diga-se desde já, de origem interna. Apesar de algumas boas medidas, a política econômica do governo Dilma fracassou pela verdadeira implosão de nossa situação fiscal.
As despesas públicas, que desde a década de 1990, vinham crescendo num ritmo absolutamente insustentável, aceleraram. A conta só vinha sendo fechada enquanto as receitas também cresciam de maneira excepcional, por uma combinação de aumento de tributos, formalização do mercado de trabalho e altos preços de commodities. A partir de 2011, as receitas não sustentam esse desempenho e, a partir de 2014, começam a cair. Essa inversão no comportamento das receitas não é acompanhada por uma queda dos gastos. Entre 2011 e 2014, as receitas do governo cresceram 4,0% em termos reais, enquanto as despesas aumentaram 19,3%! Depois de uma reeleição conturbada, ficou escancarada a situação crítica das nossas contas.
Apesar do desfecho, o governo Dilma se iniciou em 2011 com um diagnóstico que nos parece correto: passados os anos de boom da economia brasileira, impulsionados, entre outras coisas, por um aumento expressivo do preço de commodities e pela ampliação do crédito ao consumo, era preciso inaugurar uma nova fase de crescimento, dessa vez, baseando-se mais fortemente no investimento. Para isso, era essencial, entre outras coisas, reduzir a taxa de juros e garantir que o câmbio alcançasse um patamar mais sustentável.
A combinação de uma queda da taxa de juros com uma política fiscal mais apertada poderia garantir um equilíbrio mais saudável para a economia brasileira, com uma taxa real de juros menor, sem riscos para a inflação e um câmbio mais desvalorizado, essencial para garantir nossa competitividade. Essa parecia ser a intenção do governo.
Do ponto de vista fiscal, parecia que o projeto seria cumprido, com o governo federal promovendo, em 2011, um pequeno ajuste nas despesas públicas, que caíram de 1,4% do PIB, em relação a 2010.
Processo de deterioração
O que se observou a partir de 2012, no entanto, foi uma deterioração contínua das contas públicas, com o resultado fiscal em queda livre. Além do crescimento inacreditável de despesas obrigatórias, observado, diga-se a verdade, há mais de dez anos, o governo Dilma aumentou consideravelmente algumas despesas discricionárias e, ao mesmo tempo, instituiu desonerações num momento em que o governo não podia mais abrir mão de arrecadação. É importante nos lembrarmos de que esse processo de deterioração se inicia em 2012, bem antes, portanto, de a crise começar. Quando o PIB começa a cair, a partir do segundo trimestre de 2014, praticamente já não havia resultado primário positivo. A partir daí, a queda das receitas só acentua essa deterioração.
Esses resultados primários em queda contribuíram para que nossa dívida bruta, que vinha caindo de maneira praticamente contínua desde 2002, revertesse essa trajetória e passasse a crescer de maneira absolutamente insustentável. Depois de chegar ao menor valor da série, 51,7% do PIB em dezembro de 2013, a dívida bruta explodiu. Só em 2015, ela avançou 9,3 p.p. do PIB e já atingiu, em junho de 2016, 68,5% do PIB. Esse processo é obviamente insustentável, e nossa dívida já atingiu um nível perigoso. Nesse aspecto, não adianta nos compararmos aos Estados Unidos ou ao Japão. Se pagássemos juro real negativo ou se nossa dívida tivesse duração de 20 anos, não precisaríamos nos preocupar. Com prazo médio de 4,5 anos e custo de 13,0% ao ano, no entanto, fica claro por que esse processo precisa ser revertido.
Além da política fiscal, houve outros motivos que contribuíram para a crise, que não são, no entanto, o foco deste artigo. De qualquer maneira, há dois aspectos que gostaria de salientar: a política monetária e a influência do cenário externo.
A taxa de juros brasileira está, há algum tempo, entre as maiores do mundo. Além de ser alta quando comparada à de outros países, nossa taxa também é alta quando comparada ao que deveria ter sido, do ponto de vista teórico. Isso porque existe uma medida “técnica” da taxa de juros dada pela regra da paridade. Essa regra estabelece que a taxa real de juros em um país qualquer deve ser aproximadamente igual à taxa real de juros americana somada a um prêmio, associado ao risco de calote da dívida desse país. Essa regra explica bem o que aconteceu com a taxa de juros em vários países emergentes nos últimos anos. No nosso caso, no entanto, a taxa real de juros esteve 2,6 p.p. ao ano acima da taxa estabelecida pela regra da paridade, na média, entre os anos de 2000 e 2015.
Uma das críticas feitas à política econômica do governo Dilma é a de que a Selic teria sido reduzida “na marra”. No entanto, é importante ter em vista que nossa taxa de juros tem um nível tão elevado que, mesmo quando chegou a seu menor nível histórico, em meados de 2013, sob críticas de que havia sido reduzida “na marra”, ainda estava acima do que previa a regra da paridade. Naturalmente, o Banco Central não usa essa regra como parâmetro para a fixação da Selic, mas, esse episódio revela a anomalia da taxa de juros no Brasil. Mesmo quando ela esteve supostamente artificialmente baixa, ainda assim não tinha atingido o valor previsto pela teoria.
O fato de que a inflação tenha saído do controle por algum tempo no ano passado foi resultado de uma política equivocada de represamento de preços administrados, que quando liberados provocaram uma explosão dos índices de preços, que voltaram aos dois dígitos depois de mais de dez anos. A política fiscal expansionista durante quase todo o governo Dilma também não contribuiu para uma inflação mais moderada.
Crescimento das despesas
Quanto à contribuição do cenário externo para nosso desempenho desastroso, não convém desprezá-la, mas é difícil imaginar que tenha tido papel central, já que países vizinhos como Peru e Colômbia, cujas economias são muito mais expostas aos fatores externos frequentemente citados, como desaquecimento dos países desenvolvidos e queda do preço das commodities, sofreram muito menos do que o Brasil nos últimos três anos.
Como já vimos acontecer em outras ocasiões no passado, essa enorme crise na economia teve implicações sobre a política e contribuiu, sem dúvida nenhuma, para o fim precipitado do governo Dilma. Essa relação não é inédita no país. Outros períodos de queda intensa de PIB como o que estamos vivendo hoje contribuíram, no passado, para a queda ou desestabilização de outros governos, como no triênio 1981/1983, com o consequente desgaste do regime militar ou, para irmos mais longe ainda, no triênio 1929/1931 e a chegada de Vargas ao poder.
Finalizado o longo processo de impeachment, assumiu definitivamente o presidente Michel Temer, com o objetivo declarado de sanear as contas públicas. Apesar de algumas medidas contraditórias como a concessão de reajustes a servidores públicos, em meio a uma enorme crise no mercado de trabalho, o diagnóstico sobre a questão fiscal que o presidente e sua equipe têm é correto.
Há que se pôr fim à tendência insustentável de crescimento real das despesas que está em curso há praticamente 20 anos e é impossível que isso aconteça com ajustes pontuais em despesas discricionárias. Por esse motivo, a PEC 241/2016, do “teto dos gastos”, acerta ao traçar uma trajetória para a evolução da despesa total, que, ao invés de crescer a 6% ao ano em termos reais, passará a crescer somente pela inflação.
Essa proposta tem a virtude de, além de ser simples e de fácil compreensão, reintroduzir no Congresso Nacional, e, por consequência, na sociedade brasileira como um todo, a noção de que o Orçamento é a peça fundamental para a escolha sobre como se dividirão os recursos escassos dos quais o governo dispõe. A imposição de um teto é uma medida valiosa porque acaba com a nossa prática de, em primeiro lugar, realizar as despesas e depois “correr atrás” de receitas que as cubram, como tem acontecido nos últimos anos. O governo brasileiro precisa finalmente compreender o conceito de restrição orçamentária e entender que, a exemplo do que acontece na casa das famílias e nas empresas, gastar mais em uma área significa gastar menos em outra.
Essa inversão no crescimento das despesas proposto pela PEC só é possível se outras medidas forem tomadas. A mais importante delas é, obviamente, uma reforma na previdência, com uma regra de transição razoavelmente rígida, para que seus efeitos não demorem tanto tempo, mas respeitando, obviamente, os direitos de quem já se aposentou e de quem está em vias de se aposentar.
Para que se saiba como essa reforma é importante, basta dizer que, se o teto de despesas for aprovado, mas a previdência não sofrer nenhuma reforma e continuar crescendo no ritmo imposto pelas regras atuais de aposentadoria, em dez anos ela representará cerca de 60% do total de gastos do governo federal! Mais do que isso, se tanto as despesas com a previdência como as outras despesas obrigatórias (pessoal, seguro desemprego e abono salarial, subsídios e subvenções) continuarem crescendo no ritmo atual, o cumprimento do teto imposto pela PEC se torna simplesmente impossível já em 2022, mesmo que o governo corte todas as suas despesas discricionárias!
Além de todos esses fatores, sabemos que as melhores previsões dão conta de que, mesmo sob a vigência da regra proposta na PEC, os primeiros resultados primários só se tornam positivos por volta de 2021, com a dívida bruta crescendo até chegar perto dos 90% do PIB. Esse é o tamanho do nosso problema fiscal: mesmo que consigamos congelar as despesas em termos reais, ainda passaremos alguns anos com dívida crescendo.
Tentando olhar para um horizonte mais longo, no entanto, a pergunta que devemos responder é a seguinte: num cenário, já otimista, em que tanto a PEC 241/2016 seja aprovada sem alterações quanto uma reforma da previdência seja rapidamente aprovada, isso bastaria para que o Brasil voltasse a crescer de maneira sustentável e significativa?
Apesar de absolutamente necessária, a consolidação fiscal não é suficiente. A agenda da produtividade deve voltar à pauta dos governos e a indústria é peça chave para a inauguração de um novo ciclo de crescimento.
Produtividade, indústria e Custo Brasil
Em 2010 foi publicada a famosa edição da revista britânica que trazia na capa a estátua do Cristo Redentor decolando. De fato, naquele ano, a economia brasileira cresceria 7,5% e parecia que tínhamos deixado para trás a crise que ainda atingia outras partes do mundo. Nos dez anos anteriores havíamos assistido a um crescimento satisfatório, de 3,4% ao ano, com aparente equilíbrio nas contas públicas e inflação controlada.
Esse processo virtuoso, no entanto, não foi causado, na maior parte do tempo, pelo crescimento da produtividade. Por trás do boom de commodities e da expansão do crédito que impulsionaram a demanda, estava em curso um processo de regressão da nossa estrutura produtiva, com setores menos produtivos tomando espaço dos mais produtivos. A partir de 2011, com aqueles vetores de crescimento esgotados, dificilmente a economia brasileira voltaria às taxas de crescimento observadas anteriormente.
As perspectivas de crescimento global para os próximos anos também não são boas. Desde 2009, o mundo passou a crescer a taxas muito menores, num processo que vem sendo descrito como “novo normal” ou “nova mediocridade”. As perspectivas de um boom de commodities nos próximos anos são remotas e não podemos mais contar com um crescimento de dois dígitos na China.  Some-se a isso o fato de que a crise econômica dos últimos três anos foi tão intensa que já afetou o estoque de capital da economia brasileira e concluímos que, se quisermos crescer de maneira satisfatória nos próximos anos, precisaremos voltar nossos olhos para reformas que garantam o crescimento da produtividade.
A produtividade, como sabemos, é uma medida de quão eficientemente são combinados os fatores de produção numa economia e é o fator determinante do crescimento econômico no longo prazo. A produtividade da economia é afetada por inúmeros fatores associados, basicamente a melhoria nos processos de produção e avanços tecnológicos.
Pelas características de sua cadeia, dos investimentos que realiza e das pessoas que emprega, a indústria é o setor com maior potencial para fazer crescer a produtividade do país e deve ser preocupação central dos projetos de desenvolvimento do Brasil. A produtividade da indústria de transformação é cerca de 20,5% maior do que a média da economia. Isso a torna a indústria o mais produtivo dos grandes setores de atividade.
Além disso, no emprego, a indústria detém a maior massa salarial dentre os setores privados e é, entre os grandes empregadores, o setor de atividade que paga os melhores salários, conforme o grau de escolaridade aumenta.
A indústria também é o setor que mais produz e difunde inovações, respondendo por 70% dos gastos do setor privado com pesquisa e desenvolvimento.
Nos investimentos produtivos realizados pelo setor privado, cerca de 30% do total é realizado pela indústria e na arrecadação de impostos, e a despeito de representar pouco mais de 10% do PIB, a indústria responde por cerca de 30% do total arrecadado.
Essa série de fatores evidencia a importância que o setor tem para a economia do país. No entanto, temos assistido a um rápido processo de desindustrialização nas últimas décadas. Esse processo foi acompanhado de uma redução sensível nas taxas de crescimento do PIB, como era de se esperar.
Desindustrialização
Entre 1940 e 1980, o PIB brasileiro cresceu a uma taxa média de 7,0% a.a., um ritmo elevado, que fez nossa renda per capita chegar a cerca de 40% da renda per capita dos países desenvolvidos em 1980. Nos 30 anos que se seguiram, essa taxa caiu para menos da metade: 2,7% de crescimento do PIB ao ano, de modo que, ao invés de chegar mais perto dos países desenvolvidos, o Brasil se distanciou: em 2011, nossa renda per capita estava na faixa dos 30% da renda per capita dos países desenvolvidos.
A indústria de transformação, que chegou a representar 24,9% do PIB na década de 1980, chegou a 11,4% em 2015. Esse processo, ao contrário do que se possa entender, não fez parte de uma tendência global e inevitável de crescimento do setor de serviços.
Nas economias desenvolvidas que se desindustrializaram, a indústria começou a perder participação no PIB quando elas haviam atingido um nível de renda per capita elevado (entre US$ 17,5 mil e R$ 22,8 mil para EUA, Japão, Alemanha, França, Reino Unido e Itália). Quando a indústria começou a perder espaço, ela foi substituída por serviços de alta sofisticação, como telecomunicações, seguros, intermediação financeira, transportes etc. Esse processo de desindustrialização pode ser considerado “natural”, já que os empregos perdidos na indústria migraram para setores com produtividade próxima.
Mesmo nesses países de desindustrialização “natural”, no entanto, é interessante notar como as políticas industriais voltaram a tomar conta da agenda e das ações de governos. Exemplos disso são o programa de revitalização da manufatura americana, de fevereiro de 2013, e a nova política industrial adotada pela União Europeia, a partir de outubro de 2012.
Ao contrário do que aconteceu nos países desenvolvidos, aqui, a desindustrialização começou em meados da década de 1980 e pode ser dividida, grosso modo, em duas fases. A primeira, que durou até meados da década de 1990, pode ser atribuída às incertezas causadas pela inflação descontrolada e uma abertura comercial relativamente rápida, entre outros fatores já documentados pela literatura econômica. Nesse período, vale lembrar, o “efeito China” não pode ser apontado como causa determinante de nossa desindustrialização. Depois de alguma reação entre 1995 e 2004, iniciou-se a segunda fase de desindustrialização, que não parou até agora.
Ligada à desindustrialização esteve outro fato determinante para a queda nas taxas de crescimento do PIB: a redução da taxa de investimento. A taxa média de investimento da economia, que se encontrava na faixa de 22% do PIB na década de 1970, chegou a 17,1% na década de 2000. Por trás dessa queda está uma combinação de elevado custo de produção local, o “Custo Brasil”, e um câmbio demasiadamente valorizado.
Agenda da produtividade
O  Custo Brasil é o conjunto de custos vigentes na economia brasileira que decorrem de deficiências em diversos fatores relevantes para a competitividade, e é medido pela diferença entre o preço do produto produzido no Brasil e o equivalente produzido por nossos maiores parceiros comerciais, no mercado brasileiro. Esses custos incluem, em ordem de importância para o diferencial de preços: a tributação (tanto a carga quanto a burocracia envolvida no pagamento dos impostos); o custo de capital de giro; custos de energia e matéria- prima; custos de infraestrutura logística; custos extras de serviços a funcionários e custo de serviços non tradable. Esses fatores são sistêmicos e afetam todas as empresas, independentemente de suas estratégias, organização ou desempenho. Em 2013, essa diferença de preços era de 23,4%, sem contar o efeito da sobrevalorização cambial. Se adicionarmos o efeito da sobrevalorização do câmbio, em 2013, esse valor chega a 33,7%.
Essa combinação de componentes do Custo Brasil tem feito com que, nos últimos anos, a estratégia de investimento dos empresários da indústria de transformação tenha se focado sistematicamente nos investimentos defensivos, com pouco espaço para investir na modernização e na expansão do parque industrial. Em consequência, vem se ampliando o diferencial de produtividade entre o Brasil e seus competidores, e sacrifica-se a capacidade de crescimento da indústria.
Através de pesquisas com empresários da indústria, a Fiesp vem medindo os principais obstáculos à realização dos investimentos e entre os fatores citados em todos os anos estão a elevada carga tributária e a baixa expectativa de retorno.
Em outro estudo, estimamos que o retorno acumulado dos investimentos na indústria entre 2008 e 2012 foi de 47%, enquanto no mesmo período, aplicações em renda fixa geraram rendimentos de 62%. Ou seja, o investimento na indústria de transformação, que possui riscos inerentes a qualquer atividade produtiva, não superou a rentabilidade das aplicações financeiras mais conservadoras como Renda Fixa e Referenciado DI. Isso significa um enorme desestímulo ao investimento na indústria e se reflete, por exemplo, no fato de que a indústria tem recebido participação cada vez menor no fluxo total de investimentos diretos estrangeiros.
Se quisermos voltar a crescer, portanto, precisamos enfrentar a agenda da produtividade, com reformas que, em resumo, ataquem os componentes do Custo Brasil.
Sobre a tributação, há dois aspectos principais. O primeiro é obviamente o nível da carga tributária. Nosso patamar atual de aproximadamente 33,5% do PIB nos deixa acima de países desenvolvidos como Reino Unido, Canadá, Japão, Austrália e Coreia do Sul e muito acima da média da América Latina, que é de 21,7% do PIB.
A enorme crise fiscal que vivemos torna mais difícil imaginar uma redução de carga tributária num horizonte próximo, mas, de outro lado, aumentar a carga tributária nesse momento, como o governo chegou a cogitar, seria inadmissível. Num prazo mais longo, sendo aprovada a PEC do teto de gastos e a depender de como evolua o PIB, a aplicação da regra do teto de despesas abrirá um espaço fiscal considerável, que pode ser usado para a redução da carga tributária.
A tributação compromete nossa competitividade em outro aspecto, que não diz respeito ao tamanho da carga, mas à dificuldade em recolher impostos. Segundo o IBPT, em estudo de 2008, uma empresa de médio porte no Brasil precisa atender a 3.207 normas tributárias. A cada dia útil são editadas 46 normas tributárias e a cada 26 minutos a Receita Federal cria uma nova regra. Segundo o Banco Mundial, ainda sobre esse assunto, em 2012, gastavam-se no Brasil em média 2.600 horas anualmente para preparar, registrar e pagar tributos, valor que supera, muitas vezes, o observado nos nossos parceiros comerciais mais relevantes (277 horas) ou nos países emergentes (255 horas).
Juros e câmbio
A agenda de reforma tributária é gigantesca e não se pretende que seja realizada de uma vez só. No entanto, há discussões razoavelmente bem encaminhadas que precisam sair do papel e que têm grande impacto na simplificação do sistema tributário, especialmente com relação a PIS/Cofins e ICMS.
O custo do capital de giro é o segundo componente mais importante do Custo Brasil. Naturalmente, há dois preços por trás desse custo: o primeiro é a taxa básica de juros, uma das maiores do mundo e outro é o spread bancário, também elevadíssimo. Esses dois componentes afetam todas as modalidades de crédito. Além disso, nossa taxa de juros praticamente impossibilita o desenvolvimento de um mercado de capital privado mais robusto, com o uso mais intenso de debêntures, por exemplo.
Além de todos esses componentes do Custo Brasil, a diferença de preços final entre o produto nacional e o produto estrangeiro depende, obviamente, da taxa de câmbio. Nesse aspecto, os governos passados subestimaram gravemente os efeitos que uma taxa de câmbio sobrevalorizada poderia ter.
Segundo estimativas do Cemap/FGV, nossa taxa de câmbio esteve constantemente sobrevalorizada entre 2007 e 2014 e chegou a estar sobrevalorizada em 22,7% em 2011. Isso significa que grande parte do aumento do consumo que se observou em anos de bom crescimento foi absorvida pela importação de produtos industriais. Para termos ideia desse fenômeno, entre 2003 e 2015, o volume de vendas no comércio aumentou 96%, enquanto a produção industrial aumentou apenas 10,6%.
Uma fonte de pressão para a valorização do real é, sem dúvida, mais uma vez nossa elevadíssima taxa de juros real. Em meados de 2016, por exemplo, enquanto boa parte do mundo desenvolvido oferece títulos públicos com remuneração real negativa, é possível comprar aqui no Brasil um título com rendimento real garantido de mais de 6% ao ano. Essa diferença tão grande causa um enorme influxo de capital especulativo, que exerce pressão para valorização do real.
Se não bastasse o nível da taxa de câmbio ter se encontrado em patamares muito pouco competitivos, a volatilidade dessa taxa também é especialmente problemática no Brasil. Basta vermos o que aconteceu no último ano e meio. Em 2015, o real foi uma das moedas que mais perdeu valor no mundo, cerca de 45%, em termos nominais, e a taxa de câmbio terminou aquele ano em cerca de 3,90 R$/US$. Em que pese essa desvalorização ter sido consequência de uma elevação da taxa de risco do país, ela teve efeito positivo sobre nossas contas externas, que estavam gravemente desequilibradas, e se tivesse sido mantida ao redor desse patamar poderia ter funcionado como um bom estímulo às exportações brasileiras. Num momento em que a demanda interna se encontra muito deprimida e com sinais de recuperação lenta, o setor externo se configuraria como um vetor importante de crescimento.
Desde o começo do ano, no entanto, o real voltou a se valorizar e o câmbio já se encontra perto dos 3,20 R$/US$. Aprovadas as reformas que vêm sendo propostas pelo governo (sem dúvida nenhuma necessárias), a perspectiva é de uma valorização ainda maior.
A agenda do Custo Brasil é urgente, mas a maioria das reformas que citamos levará algum tempo. Para conseguirmos chegar ao ponto de promovê-las é preciso tomar algumas medidas no curto prazo.
Agenda para o curto prazo
Ao longo do artigo, procuramos reconstruir brevemente os últimos anos de política econômica no Brasil, apontando algumas causas da crise pela qual passamos e reafirmando a importância de reformas que garantam a sustentabilidade fiscal do Estado brasileiro, condição necessária para que o país volte a crescer. Em seguida, salientamos que, apesar de absolutamente necessárias, essas reformas não serão capazes, sozinhas, de inaugurar um período de crescimento econômico sustentado e significativo. Para isso, será necessário voltar os olhos às grandes reformas estruturais, que garantam aumento de produtividade, e que perderam espaço para a discussão conjuntural. Finalmente, salientamos a importância que a indústria tem em qualquer projeto de desenvolvimento do país. Gostaríamos de terminar o artigo, no entanto, sugerindo ações de curto prazo, capazes de acelerar a retomada da economia, que se mostra ainda tímida para o ano que vem. Isso porque, por maior que seja a importância das grandes reformas que defendemos, não temos a pretensão de vê-las todas realizadas no curto prazo.
Uma agenda de curto prazo para a retomada da atividade deveria ter foco em cinco pontos principais: o não aumento de impostos; a redução dos juros; o destravamento do crédito; o desengessamento dos investimentos em infraestrutura e o estímulo à exportação. Esses pontos integram uma agenda que a Fiesp já apresentou ao governo federal.
Já tratamos da grave situação fiscal em que o Brasil se encontra e da importância da aprovação da PEC do teto de gastos e de uma reforma na previdência. Essas medidas vão na direção correta pois pensam no ajuste fiscal corrigindo a fonte de nosso desequilíbrio, que são as despesas. Também já afirmamos que nossa carga tributária está no nível de alguns países desenvolvidos e bastante acima da média de nossos vizinhos. Tentar, mais uma vez, promover o ajuste fiscal com aumento de impostos seria, portanto, um erro grave. Se aumentasse impostos, o governo poderia esperar, certamente, as consequências negativas na forma de aumento de preços e de desincentivo à atividade, mas dificilmente veria sua arrecadação aumentar de maneira significativa, já que as empresas estão tendo dificuldade de pagar os impostos que já existem.
Uma redução mais vigorosa dos juros também seria de fundamental importância para vermos a atividade retomar de maneira mais rápida. Desde o começo do ano, por efeito da queda da inflação, a taxa real de juros está aumentando rapidamente. Entre janeiro e julho, ela já aumentou quase 3,0 p.p. e, se as previsões de mercado se confirmarem, aumentará ainda mais até o final do ano. Tudo isso num ano em que o PIB deve cair mais de 3%. O Banco Central não pode condicionar a redução da Selic à melhora do resultado fiscal, sob pena de entrarmos num círculo vicioso em que, sem a redução dos juros, a atividade continua deprimida, a arrecadação do governo não cresce e o próprio resultado fiscal piora. Um corte mais expressivo da Selic combinado à aprovação das medidas propostas pelo governo é o que deve garantir a retomada da atividade.
Outro ponto com o qual devemos nos preocupar no curto prazo é o crédito. Depois de quase dois anos de queda no faturamento, muitas empresas estão tendo dificuldade em honrar seus compromissos financeiros, e o mercado de crédito está praticamente paralisado. O crescimento do número de pedidos de recuperação judicial mostra a gravidade da situação. Um mecanismo alternativo para “destravar” o mercado de crédito precisa ser tomado.
Sobre os investimentos em infraestrutura, sabemos que eles configuram uma das áreas em que o Brasil tem maior chance de crescer. Há, ao mesmo tempo, muitas oportunidades para os investidores e uma necessidade enorme de ampliação e modernização de toda a infraestrutura nacional. Garantir boas condições para que esses investimentos sejam realizados é de fundamental importância.
Incentivo às exportações
Finalmente, chamo a atenção para nosso setor exportador, que diante de uma demanda interna ainda deprimida, é uma boa oportunidade para a economia nacional. É fundamental que o processo de valorização do real a que temos assistido nos últimos meses não vá adiante e que, além disso, medidas de incentivo às exportações sejam tomadas.
Depois de anos de quase euforia, o Brasil se deparou com uma crise de proporções inimagináveis, que envolveu a política e a economia. Apesar disso, há motivos de sobra para crer que, tomadas as decisões corretas no curto prazo e realizadas as reformas de natureza sistêmica, o Brasil possa inaugurar um longo período de desenvolvimento. O desafio que nos é imposto é enorme, mas da mesma dimensão são as recompensas! Já passamos por situações difíceis como essa e sabemos como superá-las!


É vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e diretor titular do Departamento de Competitividade e Tecnologia (Decomtec) da Fiesp.

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