Número 24

Ano 6 / Jan - Mar de 2014

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Demétrio Magnoli é sociólogo, conselheiro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais, colunista dos jornais Folha de S.Paulo e O Globo, comentarista internacional na GloboNews

Década Perdida

O ex-ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, tinha a obrigação funcional de defender a linha oficial de política externa brasileira. Contudo, ele não precisava fabricar um ensaio de ilusionismo e pres- tidigitação para contornar as perguntas difíceis que se tornaram inevitáveis na hora da criação da Aliança do Pacífico. Infelizmente, é esse o sentido do texto que assinou no número 23 de Interesse Nacional.1 Os analistas que apontam a “paralisia” do Mercosul referem-se à inserção do Brasil no comércio mundial; Patriota replica com (frágeis) argumentos sobre o comércio sul-americano. Diante de críticas às opções de política externa adotadas pelo Brasil, Patriota retruca com informações estatísticas impertinentes.

O artigo assinado pelo ex-ministro não men- ciona, nem uma vez, as siglas TPP e TTIP, se- nhas dos mega-acordos de comércio que os EUA articulam com os países da Bacia do Pací- fico e com a União Europeia. No lugar de um urgente debate político sobre o interesse nacional, Patriota oferece um diálogo de surdos. É como se o Itamaraty vivesse em uma bolha im- permeável: o “berço esplêndido” cantado no nosso hino nacional.

O homem que calculava

Fatos são coisas teimosas, mas estatísticas são maleáveis”, ironizou Mark Twain, que sabia fazer humor. Patriota brinca de modo deprimente com as estatísticas. Ele coteja a expansão do co- mércio mundial com a dos intercâmbios intrazo- na do Mercosul no período 2008-2012, como se a comparação tivesse algum significado. Passa ao largo da “coisa teimosa” que realmente interessa: no mesmo período, a participação do Brasil nas exportações globais permaneceu estagnada (em quase insignificante 1,1%), enquanto a do Mer- cosul cresceu 4,5% e a da América do Sul (sem o Brasil) cresceu 10,5%. Também silencia sobre outra “coisa teimosa” extremamente relevante: no mesmo período, a participação da Aliança do Pacífico nas exportações globais cresceu 13%. Dito de outro modo, no intervalo que o ex-mi nistro escolheu, nossos vizinhos sul-americanos ganharam mercados, enquanto o Brasil andava de lado.

“Existem três tipos de mentiras: mentiras, malditas mentiras e estatísticas”, disse certa vez Benjamin Disraeli. Mentir por meio de estatísti- cas é uma velha arte, sempre aperfeiçoada. No seu artigo, Patriota opera no estágio rudimentar dessa arte, recorrendo a truques colegiais, comoo uso de números absolutos no lugar de números relativos e a seleção de escalas temporais esd- rúxulas ou incongruentes entre si. O período 2008-2012 é significativo, pois corresponde ao colapso financeiro global e à lenta recuperação subsequente. Mas, no contexto do artigo, a refe- rência às mais de duas décadas decorridas desde o Tratado de Assunção (1991) é uma aposta ofensiva no confusionismo.

A primeira década do Mercosul coincide com um ciclo econômico global profundamente dis- tinto daquele aberto no início do século XXI. Além disso, o sentido político impresso ao Mer- cosul sofreu forte mudança desde 2003, em fun- ção das estratégias seguidas pelos governos lulis- tas, no Brasil, e kirchneristas, na Argentina. As exportações intrabloco no Mercosul-4 (Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai) multiplicaram-se por 4,3 entre 1990 e 2000, mas apenas por 2,5 entre 2000 e 2010. Em si mesmo, não há nada de muito surpreendente nesta informação, pois o comércio intrabloco expandiu-se a partir de um patamar inicial muito baixo. Contudo, a redução do ritmo de crescimento do comércio intrabloco é uma evidência dos limites do Mercosul para a expansão das exportações do Brasil. É precisa- mente isso que Patriota evita discutir, com a fina- lidade de ocultar a natureza ideológica das op- ções de política externa do Itamaraty e seus im- pactos sobre a economia brasileira.

Patriota escreve como se o Mercosul funcio- nasse, efetivamente, como união aduaneira. Con- tudo, como sabem por experiência prática os em- presários que exportam para a Argentina, o bloco não opera nem mesmo como uma verdadeira área de livre-comércio. Buenos Aires utiliza ci- clicamente uma série de barreiras não tarifárias que chegaram a atingir, nos últimos anos, quase um quarto do total das vendas brasileiras para o país vizinho. Sob pressão argentina, multiplicaram-se as “cotas voluntárias”, que configuram comércio administrado. As licenças de importa

disso, taxas antidumping impostas aleatoriamen- te gravam produtos brasileiros. Entretanto, o problema de fundo nem está no comércio intrazona. O Mercosul é pequeno demais para o Brasil.

Em 2010, o bloco absorvia 40% das exporta- ções paraguaias e entre 25% e 29% das exportações argentinas e uruguaias, mas apenas 11% das exportações brasileiras. Sabia-se perfeita- mente disso na hora do Tratado de Assunção. Por esse motivo, o Mercosul foi constituído so- bre a base do princípio do regionalismo aberto. De um lado, ele cumpriria a função de polo da integração comercial sul-americana. De outro, seria uma ferramenta para alavancar a competi- tividade das empresas brasileiras (e argentinas), capacitando-as a competir no cenário dos inter- câmbios globais. Contudo, o Mercosul original não existe mais: acabou na hora do ingresso da Venezuela chavista.

Diante do então presidente Lula, em 2006, Hugo Chávez deixou clara a política de seu go- verno diante do Mercosul. “O Mercosul, ou o reformamos e fazemos um novo Mercosul ou também se acabará. Não é um instrumento ade- quado para a era em que estamos vivendo. Va- mos enterrar nossos mortos, irmãos.” O “novo Mercosul” distingue-se cada vez mais do bloco original, à medida que incorpora os integrantes sul-americanos da fracassada Aliança Bolivaria- na das Américas (Alba). Remoldado segundo a visão do caudilho, o Mercosul converte-se num diretório político tripartite entre Brasília, Buenos Aires e Caracas. Hoje, o bloco utiliza seletiva- mente a cláusula democrática do Protocolo de Ushuaia, punindo o Paraguai, mas fazendo vistas grossas às violações dos direitos da oposição na Venezuela, e forma um escudo de defesa para as políticas protecionistas da Argentina e da Vene- zuela. É por esse motivo que, ao longo de uma década, o Mercosul não concluiu nenhum acordo comercial significativo, fechando-se atrás de mu- ralhas construídas com o material da ideologia.2

Só Carolina não viu…

O governo e o Itamaraty nunca escolheram a linguagem da clareza para explicar a paralisia do Mercosul no que tange à negocia- ção de acordos comerciais. No lugar de admitir, abertamente, a resistência ideológica dos prin- cipais países do bloco diante do livre-comércio, o ex-ministro Celso Amorim repetiu inces- santemente a justificativa protocolar de que o Brasil prefere o conceito de acordos globais, na moldura da Organização Mundial de Comércio (OMC). Contudo, essa preferência, que é com- partilhada pelos críticos da paralisia do Merco- sul, não tem o condão de mudar a dura reali- dade: a via multilateral está bloqueada desde o colapso da conferência ministerial da OMC de Cancún, em 2003.

Amorim continuou a jogar todas as fichas brasileiras na OMC, apesar das desilusões geradas pelas negociações de Genebra, em 2006, do desolador impasse atingido em Potsdam, em julho do ano seguinte, e de um novo colap- so em Genebra, em 2008, caracterizado acerta- damente pelo representante europeu, Peter Mandelson, como um “fracasso coletivo”. O brasileiro Roberto Azevêdo, que sucedeu Pas- cal Lamy à frente da OMC, revelou um senso mais aguçado de realismo ao desistir dos ousa- dos objetivos originais da Rodada de Doha, procurando um acordo circunscrito à facilitação de comércio.

No seu exercício de prestidigitação vazia, Patriota só menciona a sigla OMC uma vez: a referência à “vitória do Brasil” representada pela escolha de Azevêdo para diretor-geral da organização. Se Amorim, pelo menos, re- conhecia o desafio que o Brasil enfrenta, o sucessor efêmero preferiu transitar em uni- verso paralelo, olhando para outro lado en- quanto a banda passava. O artigo quase ina- creditável que ele assina sugere que a Améri“Quando se considera a composição da pauta de exportações, a relevância do Mercosul desta- ca-se ainda mais: cerca de 90% das exportações brasileiras para os demais países do bloco são de manufaturados. Para a União Europeia, para a China e para os Estados Unidos, os percentuais de manufaturados são de 36%, 5,75% e 50%, respectivamente. A indústria brasileira, desse modo, tem no Mercosul seu mais importante mercado externo. […] Dado igualmente relevan- te, mas de pouca difusão, é que, graças aos acor- dos de liberalização comercial firmados no âmbi- to da Associação Latino-Americana de Integra- ção (Aladi), é possível afirmar que já existe livre-comércio entre o Brasil e praticamente toda a América do Sul.”3

O Tratado de Assunção representou um ga- nho político extraordinário para o Brasil. Entre- tanto, ao lado das razões estratégicas, a criação do Mercosul tinha motivações econômicas niti- damente definidas. O bloco do Cone Sul serviria como etapa preparatória para a inserção da in- dústria brasileira nas novas realidades moldadas pela globalização. Patriota circunda o problema quando exalta o lugar ocupado pela América do Sul como mercado para os manufaturados brasi- leiros. Livre-comércio não é, essencialmente, uma ferramenta para ampliar as exportações na- cionais, mas um motor de inovação sistêmica. A indústria do país precisa ser exposta à competi- ção global para aumentar seus níveis de produti- vidade. Na última década, obedecendo a impul- sos ideológicos evidentes, o governo travou o processo de abertura comercial do país, conde- nando o setor industrial a acomodar-se no ninho confortável do protecionismo. É disso que se fala quando se critica a paralisia do Mercosul.

O chanceler canadense, John Baird, declarou ao jornal Valor Econômico, em novembro passa- do, que seu país está “ansioso” por uma amplia- ção do comércio com o Brasil – mas, realista, também disse que é “difícil, muito difícil” firmarca do Sul é uma  alternativa suficiente para a projeção internacional da indústria brasileira. Citemos: um acordo com o Mercosul, “não pelo Brasil”, e sim devido às resistências “de dois ou três paí- ses”. A proposta mexicana de um acordo de livre comércio nunca foi submetida a um exame sério. Não é um acaso que tal proposta não seja men- cionada, nem de passagem, no artigo de Patriota. O motivo é simples: o México faz parte do Acor- do de Livre Comércio da América do Norte (Nafta) e, portanto, está excluído automatica- mente de um horizonte de integração definido no quadro ideológico do antiamericanismo.

O setor industrial brasileiro agora entende aquilo que Patriota finge não entender. Depois de anos consagrados à autoilusão, durante os quais a maior parte do empresariado industrial acoco- rou-se à sombra do protecionismo envergonhado do governo, uma atitude mais realista ganhou corpo. A mudança refletiu-se nas pressões por uma retomada das negociações comerciais com a União Europeia (UE), deflagradas há mais de 12 anos, antes ainda da Rodada de Doha, que dor- mia o sono eterno devotado pelo governo a qual- quer iniciativa associada ao rótulo maldito do li- vre-comércio. Contudo, precisamente nesse caso, evidencia-se que o Mercosul, refundado como diretório político, transformou-se em obs- táculo intransponível para a conclusão de acor- dos comerciais significativos.

“O novo Mercosul está em fase de constru- ção”, declarou meses atrás o chefe de Estado ve- nezuelano, Nicolás Maduro, que ocupava a pre- sidência rotativa do bloco. A “revisão da doutri- na” do Mercosul proclamada por Maduro parece bastante avançada. No final de novembro, os negociadores dos países do bloco reuniram-se em Caracas para formular uma proposta de consenso a ser oferecida à UE. A Venezuela chavista, ainda em processo de adesão, não participava da negociação, mas a Argentina de Cristina Kirchner desempenhou com perfeição o papel reservado a ela. Depois de um atraso exasperante, os representantes argentinos exibiram uma oferta pífia, com apenas cerca de três quartos do valor do comércio com a UE – e que, além disso, não in- cluía posições sobre três das quatro vertentes de um hipotético acordo (compras governamentais, serviços e investimentos). Na prática, Buenos Aires implodia o acordo antes mesmo das nego- ciações substanciais com os europeus.

No “novo Mercosul”, o Brasil dá cobertura ao eixo Argentina-Venezuela às custas de seus próprios interesses e dos intereses dos dois só- cios menores. Antes mesmo da desastrosa reu- nião de Caracas, o uruguaio José Mujica apontou o dedo na direção certa, dizendo que a “política insular” da presidente argentina está “arruinando o Mercosul”. Ignorando o Mercosul, uruguaios e paraguaios participam das negociações, lançadas por Washington em 2012, para um acordo sobre comércio internacional de serviços. Prudente- mente, para escapar à condição de reféns do “novo Mercosul”, os dois ocupam lugares de ob- servadores na Aliança do Pacífico. A peça de fic- ção assinada por Patriota não faz referência a nada disso.

Um país longe demais

A tentativa de Roberto Azevêdo de salvar al- guma coisa dos ousados objetivos originais de Doha coloriu com tons dramáticos a confe- rência ministerial de Bali, em dezembro passa- do. Mas, muito antes de Bali, constatara-se que a OMC sobrevive apenas como ente vestigial: um tribunal eficaz de solução de controvérsias.

A crise crônica das negociações multilaterais no âmbito da OMC provocou uma corrida rumo aos tratados de livre-comércio (TLCs). A Aliança do Pacífico, ao contrário do Mercosul, não impe- de a conclusão de acordos individuais. Os quatro países do bloco (México, Chile, Peru e Colôm- bia) têm TLCs com os EUA e já firmaram acor- dos com a UE. O Canadá assinou um acordo abrangente com a UE em outubro de 2013. Heinz Hetmeier, chefe do setor comercial do Ministério da Economia da Alemanha, declarou, recente- mente, que, em princípio, o Mercosul ocuparia lugar destacado na agenda de prioridades da UE, “mas somos confrontados com uma postura hesi- tante nas negociações por parte do Mercosul”.

Os arautos do “novo Mercosul”, na Venezue- la e na Argentina, são críticos ferozes dos TLCs. Segundo o argumento que esgrimem, tais acor- dos são componentes de uma estratégia imperia- lista e recolonizadora. De um lado, eles estimula- riam as exportações de manufaturados e de servi- ços das economias centrais para as periféricas; de outro, provocariam uma especialização e uma simplificação das economias periféricas, que re- troagiriam para o patamar de exportadores de produtos básicos. A hipótese, propalada como verdade insofismável, não conta com o respaldo de provas, nem mesmo de indícios fortes. Po- rém, existem provas seguras de que, sem firmar nenhum TLC relevante, o Brasil sofre desse mal. O Brasil ainda não é uma “fazenda modelo”, mas ruma nessa direção. A pujança do agronegó- cio salvou o país de um desastre histórico, inco- mensurável, na conta-corrente do balanço de pa- gamentos. De acordo com dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), nossas ex- portações de produtos básicos representavam 23,4% do total em 2000, mas atingiram 29,9% em 2006 e 47,8% em 2012. Enquanto isso, a par- cela de exportações de semimanufaturados redu- ziu-se de 15,9% para 13,9% e a de manufatura- dos, de 60,7% para 38,3%. Essas informações, ignoradas por Patriota, ajudam a entender a im- portância da América do Sul na absorção das exportações industriais brasileiras, que cresce à medida que se acentua a tendência de “primarização” de nossa pauta de exportações.

Patriota não chega a endossar explicitamente a crítica aos TLCs formulada por kirchneristas e chavistas, mas flerta com ela ao oferecer uma in- terpretação impertinente de um estudo publicado pela Cepal.4 O estudo baseia-se em pressupostos políticos e econômicos discutíveis, mas contém uma análise sólida das tendências de comércio ex- terior de países latino-americanos que firmaram TLCs nas duas últimas décadas. Nas conclusões, os autores assinalam que, de modo geral, os TLCs não lograram diversificar as direções de exporta- ções ou as pautas de exportações dos países signa- tários. O ex-ministro, porém, escreve que, com base no estudo, “pode-se afirmar que a conclusão de acordos de livre-comércio não implica, neces- sariamente, incremento das exportações dos paí- ses signatários”.5 A curiosa interpretação de Pa- triota, além de trair uma primária visão “mercanti- lista” dos objetivos de política de comércio exte- rior, procura impugnar os TLCs com argumentos falsos para salvar a face da diplomacia brasileira. É preciso ler atentamente antes de citar. Os autores do estudo da Cepal não impugnam os tra- tados de livre-comércio, como sugere um Patrio- ta distraído, mas argumentam razoavelmente que eles constituem apenas um componente de “uma estratégia de exportação integral”. Depois de concluir que, isoladamente, eles não têm o poder de diversificar as exportações, escrevem: “Isso não significa que os TLCs não sejam necessários. É preciso reconhecer que tais acordos oferecem numerosos benefícios – mas não esse, em parti- cular, ou ao menos não sem o respaldo de uma estratégia de exportação integral. Um TLC por si mesmo não modificará a estrutura produtiva deuma economia.”6

A década de fracassos sucessivos da OMC abriu espaço para a nova política de mega-acor- dos comerciais deflagrada por Barack Obama – a Parceria Transatlântica de Comércio e Investi- mentos (TTIP), entre EUA e UE, e a Parceria Transpacífica (TTP), entre EUA e os países da região Ásia/Pacífico, com exclusão da China. Na negociação dos mega-acordos, os temas tradicio- nais de comércio, especialmente tarifas e subsí- dios agrícolas, são suplantados pela articulação de regras para o comércio de serviços, investi- mentos, compras governamentais, propriedade intelectual e meio ambiente. Para além dos acor- dos comerciais, a nova política americana tende a deslocar o fórum de produção de regras, esvaziando o sistema multilateral da OMC. A tendência é prejudicial para o Brasil e, em geral para os países em desenvolvimento. Contudo, ignorá-la seria o mais grave dos erros.

A década de fracassos da OMC coincide com a década perdida de política de comércio do Brasil. A aposta exclusiva no sistema multi- lateral, somada à reinvenção “bolivariana” do Mercosul, conduziram-nos a uma difícil encru- zilhada. Se o TTIP for concluído, os europeus aumentarão suas vendas de manufaturados para os EUA, invadindo mercados do Brasil, e os EUA incrementarão suas exportações agrícolas para a UE, prejudicando os exportadores brasi- leiros. Já a conclusão do TTP tem o potencial de aprofundar o intercâmbio dos EUA e dos países asiáticos com a Aliança do Pacífico, estreitando os mercados sul-americanos para os produtos industriais brasileiros.

Insulado nas suas certezas, Patriota faz pouco caso da Aliança do Pacífico. “Os compromissos anunciados em Cali sobre a eliminação de tari- fas”, escreve o ex-ministro, “representam pouco em relação ao que já fizeram os países da Aliança do Pacífico na qualidade de membros da Aladi”.7 É uma forma de cegueira interessada. A relevân- cia da Aliança do Pacífico não está na redução ou na eliminação de tarifas entre seus integrantes, mas na definição de uma política agressiva de in- serção nos fluxos em mutação do comércio glo- bal. Afastando-se do rumo do Mercosul, os paí- ses da Aliança do Pacífico evitam reproduzir nossos erros estratégicos. Hoje, por força dos TLCs, eles estabelecem pontes com o novo siste- ma de comércio, cujo esboço se desenha com os mega-acordos transcontinentais.

O Brasil vai se transformando num país longe demais – e não faltaram avisos a respeito. Em uma entrevista publicada pelo jornal Valor Econômico em agosto de 2010, quando deixava a assessoria da missão brasileira em Genebra, a economista Vera Thorstensen alertou para o fato de que “a dinâmica atual do comércio internacional não está mais na OMC, e sim nos acordos regionais” – e, por isso, “ficar fora dos grandes blocos poderá afetar, sem dú- vida, as atividades internacionais das empresas brasi- leiras”. Thorstensen concluiu o raciocínio com a re- comendação que tantos outros fizeram, sem sucesso: “Se a dinâmica é fazer acordos regionais, o Brasil deveria estar negociando não só no eixo Sul-Sul, mas no eixo Norte-Sul”. O problema é que a expres- são “eixo Norte-Sul” converteu-se em uma abomi- nação doutrinária para a política externa brasileira.

O artigo de Patriota evidencia a corrosão do interesse nacional pelo ácido da ideologia. Con- tudo, felizmente, e com muito atraso, incertos sinais de mudança começaram a emergir no final de 2013, durante as articulações do Mercosul em busca de uma proposta consensual a ser apresen- tada na mesa de negociações com a UE. Na oca- sião, os exercícios argentinos de postergação, seguidos por uma oferta inacreditavelmente va- zia, crisparam o ambiente. Então, contrariando a retórica pública oficial, que continuou a enfatizar a busca pela unidade do Mercosul, fontes do go- verno e do Itamaraty deixaram escorrer para a imprensa uma disposição de avançar sem os ar- gentinos, ao lado do Uruguai e do Paraguai. São os primeiros indícios de uma ruptura brasileira com o “novo Mercosul” de Maduro e Kirchner. Terá chegado o momento de Luiz Alberto Fi- gueiredo reescrever o artigo de Patriota?


  1. O artigo de Patriota, intitulado “O Mercosul e a Integração Regional”, foi escrito antes da exoneração do ministro, provocada pela crise aberta com a transferência do senador boliviano Roger Pinto Molina para o Brasil, em agosto de 2013. O Itamaraty informou aos editores de Interesse Nacional que o artigo continua a expressar a posição oficial brasileira.
  2. O Mercosul concluiu apenas três acordos comerciais, de pouca relevância, com Israel, Egito e a Autoridade Palestina.
  3. PATRIOTA, Antonio de Aguiar. “O Mercosul e a integração regional”. Interesse Nacional, Ano 6, N. 23, outubro-dezembro 2013, p. 67.
  4. DINGEMANS, Alfonso & ROSS, César. “Los acuerdos de libre comercio en América Latina desde 1990. Uma evaluación de la diversificación de exportaciones”.
  5. Revista Cepal, n. 108, dezembro 2012.
  6. PATRIOTA, Antonio de Aguiar. Op. cit., p. 70.
  7. DINGEMANS, Alfonso & ROSS, César. Op. cit., p. 48.
  8. PATRIOTA, Antonio de Aguiar. Op. cit., p. 70.

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