17 novembro 2017

Desindustrialização e Política Industrial no Brasil

Nossa interpretação é a de que, de fato, a “desindustrialização” como evidência empírica ocorre; mas, esse fenômeno não necessariamente representa perda de importância da manufatura na vida econômica. O conceito de manufatura moderna – advanced manufacturing associada à ideia de “indústria 4.0”- reforça nossos argumentos. ste artigo apresenta argumentos que indicam que a “desindustrialização” no Brasil é um falso problema e, por conseguinte, a melhor política para o setor não é a política industrial tradicional, voltada paraesforços de reindustrialização em si e per si.

Nossa interpretação é a de que, de fato, a “desindustrialização” como evidência empírica ocorre; mas, esse fenômeno não necessariamente representa perda de importância da manufatura na vida econômica. O conceito de manufatura moderna – advanced manufacturing associada à ideia de “indústria 4.0”- reforça nossos argumentos. ste artigo apresenta argumentos que indicam que a “desindustrialização” no Brasil é um falso problema e, por conseguinte, a melhor política para o setor não é a política industrial tradicional, voltada paraesforços de reindustrialização em si e per si. Argumenta-se que o país sofre de perda relativa da importância da indústria na economia. Essa visão de mundo se aproxima em muito de ideias de que o Brasil sofre da “doença holandesa”[1], ou ainda, da “maldição de recursos naturais”[2].
Ao longo da história brasileira, a crença em imperfeições de mercados e o diagnóstico da necessidade de romper com modelos agroexportadores levaram governos a implementar um amplo conjunto de medidas de substituição de importações, como, por exemplo, regimes tributários especiais para setores considerados estratégicos; mesmo regimes cambiais múltiplos foram testados, nos anos 1950.  Esse sistema de promoção industrial se esgotou nos anos 1970. Mais recentemente, por conta da crise de 2008, e no rastro de medidas contracíclicas, governos reacenderam o apetite por políticas industriais e setoriais, sempre com forte apelo para critérios de “conteúdo local”[3].
O fracasso destas medidas protecionistas, seja por conta do esgotamento de modelos de substituição de importações, seja por medidas setoriais, exige uma revisão profunda sobre como governos devem encarar os desafios da indústria para os próximos anos. Diagnósticos errados podem transformar médicos em monstros[4]. Desenhos errados de políticas industriais, na linha da tradição de reindustrializar podem, na verdade, promover regressão produtiva.
Nestes termos, medidas de maior integração entre empresas e polos científicos de ponta, combinadas com maior abertura comercial, especialmente em setores de serviços sofisticados para a indústria, poderiam ser a recomendação de política[5] mais adequada para o desenvolvimento produtivo doméstico. Incentivos fiscais horizontais baseados no imposto de renda para inovações tecnológicas, especialmente as disruptivas, são complementos importantes em substituição aos mecanismos tradicionais, conforme pautas recorrentes da “política industrial”.

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Para muitos analistas, empresários e acadêmicos, o Brasil está sofrendo do problema da “desindustrialização”[6], definida como sendo a queda de participação da indústria no PIB, ou mesmo a queda de participação do valor adicionado da indústria de transformação no valor adicionado agregado; ou ainda, a queda do emprego industrial no total do emprego. Uma variante deste conceito se refere à queda de participação da indústria de modo prematuro, ou seja, antes mesmo da renda per capita brasileira atingir o nível dos países desenvolvidos quando atingiram seus picos da industrialização.
De fato, acontece a evidência empírica da desindustrialização, a despeito de questões sobre uso de preços constantes ou correntes, ou de indefinições no caso de uso do emprego industrial no emprego total (Bonelli e Pessôa, 2010), ou de rupturas na metodologia das contas nacionais (Torres e Cavalieri, 2015).
A transição de economia de renda baixa para renda média – de uma economia escravocrata baseada em monocultura agroexportadora – para uma economia industrial, com trabalho assalariado, como aconteceu no Brasil na passagem do século XIX para o século XX, implica, inexoravelmente, industrialização, com aumento de oferta de produtos manufaturados mais rapidamente do que aumento de oferta de outros bens. Não bastasse isso, esse movimento foi induzido por políticas de cunho “desenvolvimentista”, com forte intervenção do Estado, atuando, inclusive, como empresário fornecedor de bens básicos e intermediários para as empresas domésticas, fechamento autárquico da economia e elevado corporativismo empresarial.
O movimento seguinte é o de aumento de oferta de outros produtos e serviços, reduzindo a participação relativa, não necessariamente absoluta, de produtos manufaturados na cesta de bens da população brasileira. Isso se deve ao fenômeno concomitante de urbanização. Esse movimento provoca ampliação de demanda por serviços em geral, incluindo educacional, tecnológico, financeiros, de utilidade pública e diversos.
Note que a expansão do setor de serviços não é, pelo menos inicialmente, acompanhada de aumento de produtividade do setor, o que, por conseguinte, provoca alteração nos preços relativos no sentido da queda relativa dos preços de bens industrializados em comparação com os preços de serviços. Esse fenômeno explica parte da “desindustrialização”, particularmente desde o começo dos anos 1980.
Desindustrialização    prematura
Há, ainda, o argumento de que a desindustrialização no Brasil é prematura. Ou seja, outros países (Inglaterra, Estados Unidos etc..) viveram a fase da industrialização de modo mais prolongado que a do Brasil, ou ficaram muito mais anos com a indústria com importante participação no PIB, ou mesmo, começaram a sua fase de “desindustrialização” quando a renda per capita atingiu níveis próximos a US$ 10 mil. No Brasil, essa fase acontece quando a renda per capita ainda era relativamente baixa.
O fato é que tais economias avançadas se industrializaram quando a expansão dos serviços (financeiros e não financeiros) era mais lenta e com menor potencial de expansão e quando as economias em geral eram menos urbanizadas, características de economias de séculos passados.
O processo de redução da participação da indústria no PIB acontece no Brasil em um novo ambiente internacional de maior integração financeira e de desenvolvimento tecnológico bem mais acelerado, com grandes avanços de tecnologias de informação, expansão da educação, de acesso a serviços públicos, ampliação de serviços financeiros, entre muitos outros serviços.
Ou seja, a queda da participação da indústria no PIB, no Brasil, deveria mesmo ser necessariamente mais rápida, dado o momento mundial em que o Brasil se tornou mais urbano.
Vale ainda enfatizar mudanças nas estratégias competitivas das empresas industriais, que direcionaram diversos esforços – de gestão, financeiros, de desenvolvimento de recursos humanos, de inovação, entre outros – para fora do que poderíamos chamar de “core business”. São estratégias do tipo “terceirização” ou “outsourcing”. Ou seja, muito do valor adicionado que antes estava diretamente associado à empresa industrial passou, por conta de decisão estratégica da própria indústria, para atividades de serviços.
Adicionalmente, as estatísticas de contas nacionais começam a refletir essas mudanças (Torres e Cavalieri, 2015), tornando mais impressionante o processo de “desindustrialização” mais recentemente. Os autores muito pertinentemente chamam esse fenômeno de “ilusão estatística”.
Sabemos que a economia não é uma ciência experimental. Mas, vamos imaginar que o processo de industrialização das principais economias atualmente avançadas tivesse ocorrido no contexto atual, não nos séculos XVIII-XIX, como o foi de fato. Ou seja, que aquelas economias tivessem passado pelas suas fases de industrialização quando houve hipoteticamente intensa expansão da tecnologia da informação, de forte crescimento dos serviços financeiros, como observado recentemente e, além disso, estivesse acontecendo o advento da China como a conhecemos atualmente. Muito provavelmente, fases de industrialização daquelas economias maduras teriam sido bem mais curtas do que a verificada pelas suas histórias. A duração da fase de industrialização depende, certamente, do seu contexto histórico. Isso explica, em grande medida, por que a desindustrialização brasileira é prematura.
E, definitivamente, manufaturar não é mais a mesma coisa que quando o mundo assistiu à Primeira Revolução Industrial. Não sabemos mais o quanto há efetivamente de “manufatura tradicional” em um componente eletrônico ou em um sistema de informação, em um tablet ou smartphone, nem mesmo em um automóvel. A arte de “manufaturar” inclui também o desenho, a arquitetura de sistemas e processos e a parte informacional, muito além do simples ato de fundir, laminar, cortar, soldar ou colocar arrebites.
Vale registrar que grande parte dos ganhos salariais, em especial nos anos 2000, não tinha correspondente em aumento de produtividade do trabalho[7]; mais recentemente, a forte pressão de demanda pelo setor de serviços – de menor produtividade do que a indústria – explica muito da mudança de preços relativos entre esses dois setores. O fato é que o aumento da produtividade do trabalho no Brasil é quase desprezível quando se observam as experiências internacionais.

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Há uma clara consequência para a defesa da noção de “desindustrialização”. Trata-se do risco de usos errôneos de instrumentos típicos de política industrial tradicional, baseados em regras de conteúdo local, usualmente combinadas com fechamentos autárquicos da economia com barreiras alfandegárias. Quanto mais intenso o uso de fornecedores domésticos na produção de um dado bem final, mais isso se parece com a ideia de defesa da indústria nacional. Surpreendentemente, pode-se estar trilhando o caminho do regresso produtivo. A “primarização da produção industrial” pode ser um grande risco para o desenvolvimento econômico de um dado país. Afinal, o adensamento da cadeia de fornecedores sustentado por políticas protecionistas pode, na verdade, desencorajar a integração maior da indústria doméstica com fornecedores de insumos mais sofisticados e de maior conteúdo tecnológico.
Por “primarização da produção industrial” me refiro ao esforço de defender indústrias tradicionais em modo tradicional de produção em contraste com a “sofisticação” da produção industrial, que deve incluir serviços de tecnologia, desenvolvimento de sistemas computacionais e softwares, robotização, desenvolvimento de novos produtos e novos processos produtivos, novos mercados, novos paradigmas tecnológicos etc.
Reforçam essa preocupação o advento da chamada “Indústria 4.0”, a partir de documentos do Ministério da Economia da Alemanha[8], incluindo a agenda digital, serviços inteligentes, de inovações robóticas e eletrônicas embarcadas em produtos e processos etc; ou mesmo do governo norte-americano[9].
Um país poderia eventualmente “abrir mão” do primeiro tipo de indústria e, se isso representar perda de participação da indústria no PIB, não necessariamente seria algo preocupante da perspectiva do desenvolvimento econômico. Nestes termos teríamos uma “desindustrialização positiva”, com realocação de fatores produtivos para outros setores provavelmente mais dinâmicos e mais modernos da economia. Esforços governamentais na direção da reindustrialização baseada na indústria 2.0 (tradicional) podem até manter ou mesmo ampliar a participação da indústria no PIB, mas muito provavelmente deve representar estagnação da produtividade do trabalho e, assim, não sustentar crescimento da renda per capita.

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Primarização  das  exportações
A discussão sobre desindustrialização no Brasil também se sustenta na ideia de que há em curso um acelerado processo de “primarização” das exportações do país. As exportações manufatureiras têm determinantes, em grande medida, distintos dos das exportações de produtos baseados em recursos naturais. No primeiro caso, a renda do resto do mundo associada à produtividade doméstica tem grande peso; no segundo caso, são as vantagens competitivas Ricardianas as mais relevantes. Adicionalmente, o advento da China como o maior player no comércio mundial forçou a perda de mercado das exportações manufatureiras brasileiras, não somente em mercados de economias avançadas, como também nos países da região da América do Sul (Cardoso e Holland, 2010). A própria expansão acelerada da China proporcionou imensos ganhos de termos de troca e crescimento das exportações baseadas em recursos naturais.
De qualquer forma, as exportações manufatureiras brasileiras cresceram mais de duas vezes, em dólares norte-americanos e em quantum, nos anos 2000. O fato é que as exportações agrícolas cresceram ainda mais. Vale destacar que a diversificação de exportações de produtos agrícolas contribuiu para esse desempenho. Desde os anos 1990, ampliou-se o leque de commodities exportadas pelo país. Vale destacar o impulso causado por um novo grande player mundial (China), algo não observado nas fases da perda relativa de participação da indústria na economia dos países avançados atuais.
A ideia da “primarização” das exportações brasileiras remonta ao fenômeno da deterioração dos termos de troca, tema importante de estudos econômicos dos anos 1960 e 1970, na América Latina, a partir de importantes contribuições da Cepal (Comissão Econômica para América Latina e Caribe). Contudo, diferentemente daquele momento, os termos de troca crescem de modo relevante, revertendo uma tendência secular de deterioração. O comportamento ascendente dos termos de troca, observado especialmente nos anos 2000, pode ser a refutação da noção de “primarização” da pauta das exportações.
No caso particular do Brasil, o que se via décadas atrás era a associação com flutuações nos termos de troca e fases de crescimento econômico. Assim, era muito comum associar “choque do tipo Prebisch”[10] (alterações nos termos de troca) com fases de estagnação econômica na região. Nos anos 2000, a economia brasileira apresentou ciclos de negócios mais associados com dinâmicas internas no mercado de trabalho (inclusões de trabalhadores e formação de classe média) e nos investimentos produtivos, de modo a ampliar a dissociação com choques do tipo Prebisch. Ou seja, o aumento na participação de produtos primários na pauta de exportações tem cada vez menor efeito na flutuação da renda doméstica. Os preços de commodities ainda têm peso na dinâmica econômica do país, porém bem menor do que nos anos de industrialização (1930-1970).
Muito recorrentemente, também se associa o processo de desindustrialização à apreciação do real. Como exemplo, os ciclos de apreciação cambial dos anos do Plano Real e do governo Lula até a crise de 2008 sãoconsiderados importantes causas da queda recente do peso de participação da indústria de transformação no PIB. Nem mesmo o movimento de desvalorização do real dos anos do governo Dilma 1 não foram suficientes para reverter esse processo.
O ponto desta interpretação é que a taxa de câmbio estaria “fora do seu lugar”, como se estivesse desalinhada, ou seja, abaixo do nível fundamental de equilíbrio de longo prazo. Mais recentemente, Bresser-Pereira (2008) desenvolveu a ideia de que a taxa de câmbio de equilíbrio convencional de balanço de pagamentos não é necessariamente a taxa de câmbio de equilíbrio da indústria. Por isso, seriam necessárias políticas para neutralizar essa diferença dado que isso provoca “desindustrialização” manifestada na forma de “doença holandesa”, em uma abordagem Ricardiana.
Contudo, pode-se inferir de diversos estudos recentes[11] que as exportações brasileiras têm como um dos mais importantes determinantes a renda do resto do mundo; a taxa de câmbio parece explicar mais a dinâmica das importações que, por sua vez, explica o saldo comercial. Deste modo, a redução da participação das exportações de produtos manufaturados na pauta de exportações brasileiras tem, entre outros determinantes: i) efeito-preço relativo; ii) novo e relevante player (China) no mercado mundial de produtos industrializados; iii) enfraquecimento das economias avançadas tradicionais[12]; e iv) problemas diversos associados com competitividade doméstica.

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É sempre necessário  manufaturar
A desindustrialização é tema desinteressante para a manufatura moderna. Antes, porém, vale reforçar que “manufaturar” importa para todo e qualquer país que queira crescer de modo sustentável por um conjunto de motivos, entre eles: i) “manufaturar” tem elevado efeito multiplicador de emprego, renda e de investimento sobre a economia, em efeitos em cadeia e continuidade nas etapas da atividade produtiva; ii) “manufaturar” minimiza eventuais problemas de desequilíbrios no mercado de trabalho, como descasamento entre oferta de trabalho e demanda por trabalho; iii) é através da manufatura que se estimula grande parte da inovação tecnológica nos moldes Schumpeterianos, bem como a capacidade de criar demandas; e v) “manufaturar” no país é estratégia para evitar vulnerabilidade advinda de fornecedores internacionais, como, por exemplo, no campo da saúde e da segurança alimentar, ou mesmo por motivos de conflitos internacionais, entre outros.
Devem ocorrer, inexoravelmente, alterações ao longo dos ciclos da vida econômica de troca de bens industriais e, assim, a substituição de alguns tipos de manufaturas por outras; mas sempre há que manufaturar. E toda e qualquer nação deve se manter manufaturando, pelos motivos expostos acima.
O que não se pode esperar é que a “arte de manufaturar” se perpetue do mesmo modo, no mesmo padrão dos regimes das últimas revoluções industriais. Pode-se até entender que a “arte de manufaturar” se transfigure em formas de atender à demanda da sociedade doméstica, sem perder a importância do comércio mundial para tal, mesmo que através de serviços em geral.
Grosso modo, a literatura da “desindustrialização” não dialoga com aqueles que defendem discutir, primeiro, porque a produtividade do trabalho no Brasil é persistentemente baixa. Ou porque o país não tem incentivos adequados para educação de qualidade, inovações tecnológicas, empreendedorismo, ganhos de competitividade em mercados internacionais dinâmicos etc. Adicionalmente, por que o sistema financeiro privado nacional não tem sido eficiente em prover crédito de longo prazo, em condições adequadas, para investimentos e inovação? Por que ele é tão aprisionado ao curto-prazismo, em mercado altamente concentrado?
Mais importante do que entender a “desindustrialização” talvez seja tentar entender por que a produtividade do trabalho é tão ridiculamente baixa; ou por que empresas instaladas no país não ganham mercados dinâmicos em escala global; ou, ainda, por que a indústria brasileira ainda sobrevive nos modelos da indústria 2.0 (tradicional), tão distante da advanced manufacturing etc. A resolução destas questões pode levar o país a desenvolver uma estrutura produtiva mais eficiente, independentemente do peso de qualquer que seja o setor.

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A “arte de manufaturar” muda no tempo, assim como o próprio conceito de indústria moderna carece de revisão. Mais importante do que desvendar os mistérios da “desindustrialização” no Brasil parece ser tentar compreender o enigma da persistentemente baixa produtividade da economia brasileira.
Os riscos em torno do debate da “desindustrialização” são os de levar governos a promover estratégias de crescimento econômico com objetivo de “defender” indústrias nacionais, em detrimento de promover ganhos de produtividade do trabalho. Mais importante do que sustentar participação da indústria no PIB é colocar em prática políticas públicas que estimulem ganhos de renda per capita sustentáveis ao longo do tempo.
Não se refuta aqui indiscriminadamente a importância de desenhar estruturas de incentivos adequadas para aumentos de produtividade do trabalho, especialmente aquelas que persigam a direção da chamada “Indústria 4.0”. Por conseguinte, intervenções do Estado na direção da indústria tradicionalmente conhecida como indústria 2.0 pelo simples apelo a reindustrializar têm fortes indícios de inefetividade.
É preciso repensar como o Estado pode contribuir para o desenvolvimento econômico, sem necessariamente se tornar um refém defensor de interesses setoriais-industriais ineficientes, ou setores em fase de extinção produtiva pelo próprio ciclo de desenvolvimento econômico. Uma nova geração de medidas governamentais que compreenda a “manufatura sofisticada e do conhecimento” teria que ser repensada com o foco em aumentos de produtividade do trabalho, mesmo que ela não logre estancar a queda natural de participação da indústria no PIB em si e por si.
A grande suspeita é a de que essa nova geração de medidas de promoção produtiva voltadas para a manufatura sofisticada, que integre processos produtivos e sistemas complexos de inovação, muitos deles disruptivos, depende menos de intervenções localizadas ou seletivas do Estado, na forma de políticas de subsídios e incentivos fiscais setoriais ou regionais, e muito mais na forma de organizações institucionais e de marcos regulatórios para investimentos em P&D, em desenvolvimento de sistemas de inteligência artificial, telecomunicações, robóticas etc, conforme agenda de medidas de caráter horizontais. Há uma grande chance de grande parte da indústria instalada no Brasil não ser necessariamente a principal beneficiária deste novo foco de política pública.
Da mesma forma, as políticas macroeconômicas têm menos peso neste processo, bastando apenas que os governos mantenham consistência intertemporal das melhores práticas monetária-fiscal-cambial. Isso difere substancialmente da proposição de política industrial derivada da crença de que a “desindustrialização” em si seja um problema que precisa ser neutralizado com taxas de câmbio mais competitivas para a indústria, com ingredientes de política monetária de juros baixos.
NOTAS:

  1. Termo originalmente cunhado nos anos 1960, com o fenômeno de forte escalada de preços de gás nos Países Baixos, provocando aumento das exportações e consequente valorização da moeda doméstica da época, o Florim; isso teria prejudicado as exportações de produtos manufaturados.
  1. Estudos diversos, como em J. Sachs e A. Warner (1995), associam a abundância de recursos naturais com baixas taxas de crescimento econômico.
  1. O caso mais recente é o do Plano Brasil Maior, adotado no governo Dilma 1 (2011-2014).
  1. Metáfora inspirada na obra “O médico e o monstro: estranho caso do Dr. Jekyll e Sr. Hyde” (1885), de Robert L. Stevenson. Experimentos podem nos tornar reféns daquilo que acreditamos que seja controlável.
  1. Dispensa-se, aqui, intencionalmente, o termo “política industrial” ou política para a indústria, dado sua associação direta às políticas tradicionais voltadas para a manufatura 2.0, conforme a 2ª. revolução industrial.
  1. Originalmente tratado por Rowthorn e Wells (1987), depois por Palma (2005), o tema da desindustrialização ganhou espaço na agenda de discussão no Brasil com os trabalhos de Bresser-Pereira (2008) e Bresser-Pereira e Marconi (2010), sofrendo mutações em sua elaboração, mas mantendo a mesma ideia de perda de importância relativa da indústria de modo precoce.
  1. De acordo com Bonelli, Veloso e Castelar (2017), enquanto a renda per capita cresce 0,7% ao ano, de 1980 a 2017, a produtividade do trabalho cresce apenas 0,2%, ao ano.
  1. Federal Ministry for Economic Affairs and Energy. The vision: industries 4.0, 2012.
  1. Executive Office of the President and National Science and Technology Council. A National Strategic Plan for Advanced Manufacturing, fevereiro de 2012.
  1. Em referência ao economista estruturalista argentino Raul Prebisch.
  1. Veja os estudos empíricos em Holland, M. e Y. Nakano (2011).
  1. Poderia se incluir, aqui, a tese da estagnação secular desenvolvida por Lawrence Summers (2016), em que os setores mais importantes da nova economia são poupadores de capital.

Bibliografia
Bonelli, R. F. Veloso, e A. Castelar. 2017. Anatomia da Produtividade no Brasil. Editora Elsevier.
Bonelli, R. e S. Pessôa. 2010. Desindustrialização no Brasil: um resumo da evidência. Texto para Discussão IBRE/FGV, No. 7, março de 2010.
Bresser-Pereira, L. C. 2008. The Dutch disease and its neutralization: a Ricardian approach. Revista de Economia Política. Vo. 28, No. 1. Jan/mar 2008.
Bresser-Pereira, L. C. e N. Marconi. 2010. Existe doença holandesa no Brasil? Bresser-Pereira, L. C. (org.) Doença Holandesa e Indústria. FGV, São Paulo.
Cardoso, E. e M. Holland. 2010. South America for the Chinese? A Trade-Based Analysis
OECD Development Centre Working Papers 289, OECD Publishing.
Executive Office of the President and National Science and Technology Council. A National Strategic Plan for Advanced Manufacturing, fevereiro de 2012.
Federal Ministry for Economic Affairs and Energy. The vision: industries 4.0, 2012.
Holland, M. e Y. Nakano. Org. 2011. Taxa de Câmbio no Brasil. Editora Elsevier, Rio de Janeiro.
Marconi, N. e M. Rocha. 2011. Desindustrialização precoce e sobrevalorização da taxa de câmbio. Texto para Discussão IPEA No. 1681, dezembro de 2011.
Palma, J. G. 2010. Quatro fontes da desindustrialização e um novo conceito de doença holandesa. Mimeo.
Rodrick, D. 2004. Industrial Policy for the twenty-first century. Harvard University/ John F. Kennedy School of Government, setembro de 2004. (mimeo)
Rowthorn, R. e J. Wells. 1987. De-industrialization and foreign trade. Cambridge, Cambridge UP.
Sachs, Jeffrey D e Andrew M. Warner. 1995. Natural Resource Abundance and Economic Growth. NBER Working Paper No. 5398/novembro de 1995.
Summers, L. 2016. The Age of Secular Stagnation: What It Is and What to Do About It. Foreign Affairs. February 15, 2016
Torres, R. L. e H. Cavalieri. 2015. Uma crítica aos indicadores usuais de desindustrialização no Brasil. Revista de Economia Política. Vo. 35, No. 4. out/dez 2015.
Termo originalmente cunhado nos anos 1960, com o fenômeno de forte escalada de preços de gás nos Países Baixos, provocando aumento das exportações e consequente valorização da moeda doméstica da época, o Florim; isso teria prejudicado as exportações de produtos manufaturados.
[2]
Estudos diversos, como em J. Sachs e A. Warner (1995), associam a abundância de recursos naturais com baixas taxas de crescimento econômico.
[3]
O caso mais recente é o do Plano Brasil Maior, adotado no governo Dilma 1 (2011-2014).
[4]
Metáfora inspirada na obra “O médico e o monstro: estranho caso do Dr. Jekyll e Sr. Hyde” (1885), de Robert L. Stevenson. Experimentos podem nos tornar reféns daquilo que acreditamos que seja controlável.
[5]
Dispensa-se, aqui, intencionalmente, o termo “política industrial” ou política para a indústria, dado sua associação direta às políticas tradicionais voltadas para a manufatura 2.0, conforme a 2ª. revolução industrial.
[6]
Originalmente tratado por Rowthorn e Wells (1987), depois por Palma (2005), o tema da desindustrialização ganhou espaço na agenda de discussão no Brasil com os trabalhos de Bresser-Pereira (2008) e Bresser-Pereira e Marconi (2010), sofrendo mutações em sua elaboração, mas mantendo a mesma ideia de perda de importância relativa da indústria de modo precoce.
[7]
De acordo com Bonelli, Veloso e Castelar (2017), enquanto a renda per capita cresce 0,7% ao ano, de 1980 a 2017, a produtividade do trabalho cresce apenas 0,2%, ao ano.
[8]
Federal Ministry for Economic Affairs and Energy. The vision: industries 4.0, 2012.
[9]
Executive Office of the President and National Science and Technology Council. A National Strategic Plan for Advanced Manufacturing, fevereiro de 2012.
[10]
Em referência ao economista estruturalista argentino Raul Prebisch.
[11]
Veja os estudos empíricos em Holland, M. e Y. Nakano (2011).
[12]
Poderia se incluir, aqui, a tese da estagnação secular desenvolvida por Lawrence Summers (2016), em que os setores mais importantes da nova economia são poupadores de capital.


Márcio Holland é professor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV-EESP), onde atuou como diretor de Pós-Graduação (2007-2010). Tem doutorado em Economia pelo IE/Unicamp e pós-doutorado pela University of California, Berkeley, CA, e visiting scholar na University of Columbia em Nova York. Foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2011-2014), membro do Conselho de Administração do BNDES e da Brasilprev e pesquisador nível 1 CNPq por dez anos (2003-2012). É autor dos livros “A Economia do Ajuste Fiscal” (2016) e “Taxa de Câmbio no Brasil” (2011), ambos pela Ed. Elsevier. É também colunista para o Broadcast/Agência Estado.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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