01 julho 2009

É Possível Melhorar a Educação com os Professores que Temos

O artigo examina o impacto no Brasil de um estudo da McKinsey sobre educação básica. Trata-se de uma primorosa revisão, mas que pode criar a visão fatalista de que, sem professores com nível de formação “finlandês”, jamais poderemos ter uma educação de qualidade. Essa leitura equivocada está prevalecendo entre nós. Este artigo destrincha o estudo da Mckisey e mostra como no Brasil há muito o que fazer para melhorar a educação mesmo com os professores que temos.

A Mona Lisa resplandece no Museu do Louvre. Sua xará, Mona Mourshed, assina pesquisas em uma famosa empresa de consultoria, a McKinsey. Com seu sorriso enigmático, a primeira Mona é suave, é lisa. Já a segunda é áspera, pelo impacto dos seus estudos sobre educação.

Santo de casa nem faz milagres e nem balança as crenças e preconceitos da educação. Muitos autores tupiniquins, antes com calos nos dedos que seguravam a pena, agora têm síndrome carpal, de tanto batucar nos teclados. Pontificam sobre educação, mas com magros resultados, a julgar pelos desapontamentos revelados pelas avaliações.

Todavia, quando o trabalho vem da consultora internacional de maior prestígio, a McKinsey, alguns tremores são produzidos. A bem da verdade, fracos terremotos na escala de Richter. Mas para educação, até que substanciais.

Michael Barber e Mona Mourshed perpetraram um ensaio sobre educação . Trata-se de um admirável sumário dos resultados de centenas de trabalhos que se acumulam nos últimos anos. Embora o ensaio não traga novidades para quem acompanha o assunto, conta uma história bem articulada, coerente e persuasiva. Tais ensaios de síntese acabam tendo um impacto maior, do ponto de vista de fazer a cabeça de um público esclarecido, mas não necessariamente especializado.

Por isso, é relevante tentar entender melhor o que diz o ensaio, como aterrissou no Brasil e que impacto pode ter tido. Dado o prestígio da McKinsey, a própria autora foi convidada a vir ao país para apresentá-lo a um público seleto e interessado. Embora voltado para países desenvolvidos, suas apresentações no Brasil tiveram considerável repercussão.
Como se poderia esperar, é muito bem escrito e documentado. Ademais, é uma obra-prima de design gráfico. É um deleite estético ver páginas tão elegantemente apresentadas.
Li o ensaio e não discordei de nada. Tudo que lá encontro traz uma sólida bagagem de pesquisa dando-lhe respaldo. É assim que deve ser.

Contudo, vejo problemas. Suspeito que tenha causado mais mal do que bem nas tabas tupiniquins. Paradoxo? Como posso achar lesivo, se não tenho objeções a quaisquer das afirmativas que contém?

O problema não está nas mensagens que saem do estudo, mas nas que chegam ao destinatário. É aí que há o descarrilamento. Em última análise, interessa não é o que o autor quis dizer, mas o que os leitores (ou ouvintes) entenderam. Dai vêm os enguiços nas comunicações, pois os leitores querem ouvir e entender certas coisas e fazem ouvidos de mercador para outras. Ou seja, uma comunicação que ignora haver ímãs em certas afirmativas e rejeição espontânea para outras pode acabar ensinando as lições erradas.

O capítulo do pessimismo

O primeiro capítulo contém um visgo que prende a atenção dos leitores, polarizando toda a mensagem do ensaio. Vejam o seu titulo: “A qualidade de um sistema de educação não pode exceder a qualidade dos seus professores”.

Nas discussões de que tive notícia, o debate não foi além desse capítulo, pois ele diz o que quase todos queriam captar e brandir como um tacape, para se defenderem de opositores nos debates furibundos sobre educação.

Esse capítulo tinha um destinatário mais ou menos óbvio. E não era o Brasil e sim os Estados Unidos. A educação da maioria dos estados americanos não está à altura da sua extraordinária riqueza. Embora seja um dos países mais ricos do mundo, em 2006, estava na 25ª posição no teste de matemática do PISA, da OECD. E alguns estados mostraram resultados lastimáveis. Mona lembra que, nos estados de pior desempenho, os professores provêm do terço mais fraco dos graduados de suas high schools. Ou seja, professor fraco, educação fraca.

Em contraste, as faculdades de educação da Coreia e da Finlândia recrutam os melhores graduados e têm ótimos resultados. Também, em estados como Massachusetts, os teacher’s colleges estão começando a recrutar os alunos academicamente mais dotados. Não será coincidência verificar: todos os que recrutam bem obtêm excelentes escores nos testes.

Portanto, há uma lição clara para os Estados Unidos, um país sempre tentando quase tudo para melhorar seu ensino, nem sempre com muito sucesso. Para aquele país, a Mona está dizendo: falta atrair excelentes professores, não percam tempo com perfumarias. Inevitavelmente, há que pagar para ter bons professores. Contudo, além de ser um excelente negócio, é viável para um país tão rico.

Quando esses mesmos comentários aterrissam no Brasil, acabam por polarizar a discussão. Para muitos, a conclusão é confortável. Estão vendo? A Mona disse que é preciso pagar mais para ter professores mais contentes e produtivos, pois só assim se pode melhorar o ensino. Insistem, o ensino é ruim, pois o Estado é avaro e não quer oferecer aos professores o que precisam ganhar para promover uma boa educação.

A afirmativa do capítulo não é fora de propósito também no Brasil. De fato, a grande maioria dos nossos professores é recrutada dentre os mais fracos do ensino médio – além de receber péssima formação.

Porém, há diferenças fundamentais entre Brasil e Estados Unidos. Em primeiro lugar, não temos dinheiro para pagar salários muito mais elevados. Pagar mais apenas aos novos e mais bem recrutados seria economicamente viá¬vel. Mas, politicamente, seria um suicídio para o dirigente que o fizesse.

Em segundo lugar, mesmo que oferecêssemos um grande aumento, gastaríamos trinta anos para renovar o quadro. Como são estáveis, só quando se aposentassem os professores atuais
poderíamos esperar que outros mais bem pagos fizessem a revolução da qualidade.

Em terceiro lugar, ao contrário dos Estados Unidos, que já remexeram em tudo que oferece chances de melhorar o ensino, no Brasil há ainda muito a fazer em outras direções.
Esse diagnóstico de que tudo depende de quem são os professores é uma bomba atômica de pessimismo. Estamos condenados, pois o ensaio começa com o epitáfio: bom ensino só com excelentes professores.

A mensagem do primeiro capítulo sugere um determinismo histórico. Sem excelentes professores, não há esperança de ter um ótimo ensino. A argumentação, a partir de uma comparação de países, é bastante detalhada e convincente. Não há por que duvidar de suas conclusões. Aliás, esse capítulo inicial é bem mais longo que os restantes.

A imprensa brasileira não se fez de rogada ao dar ênfase ao primeiro capítulo. Por exemplo, vejam-se os ecos no editorial da Folha de S. Paulo: “Sabe-se, a partir de um estudo da consultoria McKinsey, que os países com melhor desempenho educacional são os que selecionam para suas escolas os profissionais mais bem capacitados. Para isso, não há dúvida de que a remuneração é um fator essencial. Sem salários atrativos, não há vocação que resista” .

Nem a Mona e nem o editorial estão tecnicamente errados. O problema é que isso não é tudo que se pode dizer sobre a qualidade do ensino. Há muitos outros fatores que determinam quanto aprendem os alunos. De fato, os capítulos seguintes exploram esses aspectos.

O capítulo do otimismo

O segundo capítulo traz outro enredo. Vejam o seu título: “A única maneira de melhorar resultados é melhorar a instrução”. Contradiz o primeiro, cujo título afirmara ser somente a excelência dos mestres a causa de uma educação de qualidade.

Podemos discutir se há realmente uma contradição formal entre os dois. Mas isso nos levaria a uma análise semântica sem maior interesse aqui. Talvez a contradição esteja mais nos títulos dos capítulos do que nos seus miolos. Seja como for, o importante é registrar a oposição que se instala na cabeça dos leitores ao passar do primeiro para o segundo. É o impacto do primeiro capítulo que predomina, não por conta de uma lógica estrita, mas da decodificação da mensagem feita pelos leitores.

Se indagarmos quais mensagens passam e quais não passam, nesse segundo capítulo está uma coleção de proposições que encontram oposição furibunda dos gurus pedagógicos tupiniquins. Os autores do ensaio não sabem, mas suas afirmativas colidem com alguns dos grandes dogmas vigentes entre nós.

Ou seja, o primeiro capítulo dá respaldo às desculpas fatalistas para explicar por que nosso ensino é ruim. O segundo oferece as receitas que deram certo alhures, mas que são tabus no nosso pensamento pedagógico. Mais uma razão para serem ignoradas.

O capítulo oferece uma análise primorosa daqueles fatores que melhoram a qualidade da escola e da sala de aula. Pena que tenha ficado obliterado pelo anterior.

Resumindo, com os mesmos professores é possível obter muito mais. De fato, o ensaio traz conselhos para tornar mais produtivos os professores e as escolas existentes.

Lemos no segundo capítulo: “O papel da escola é assegurar que, quando o professor entra na sala de aula, ele tenha todos os materiais disponíveis, junto com o conhecimento e a vontade de melhorar o ensino”.

Ou seja, é preciso ajudar o professor a empregar as práticas apropriadas, motivá-lo e fazer com que conheça suas deficiências. É preciso ter programas explícitos e livros excelentes. Isso tudo é anátema à luz do que pregam os nossos modismos pedagógicos. Por exemplo, há entre nós uma defesa exacerbada da “liberdade de cátedra” do professor. Sugere-se que os professores devem ser “autores das suas aulas”, não se deixando escravizar pela tirania de um livro didático escrito alhures e publicado por uma poderosa empresa capitalista – visando o lucro.
Seguindo a organização do capítulo, vejamos a sequência de medidas propostas para melhorar o desempenho da escola.

    1.     Desenvolver competências práticas para o professor, durante sua formação. Professores recém-formados necessitam de um treinamento intensivo no início de suas carreiras, pois saem dos seus cursos despreparados para enfrentar a sala de aula. Além disso, é importante que os programas de formação incluam muita experiência prática em sala de aula.
    2.     Colocar tutores nas escolas, para ajudar os professores. A ideia é que professores experientes podem assistir às aulas dos iniciantes, corrigir seus erros e discutir as melhores práticas de sala de aula.
    3.     Selecionar e desenvolver lideranças nas escolas. Na prática, isso significa alçar os professores mais aptos para as equipes de liderança. Significa também oferecer oportunidades para que desenvolvam técnicas apropriadas para exercer essa liderança. Também crítico é fazer com que o tempo dos diretores e supervisores seja dedicado ao processo de ensino e não a tarefas administrativas.
    4.     Criar um ambiente em que os professores possam aprender uns com os outros. Compartilhar experiências, oferecer feedbacks e assistir às aulas dos colegas são práticas de eficácia confirmada.

As pesquisas hoje disponíveis mostram que tais práticas são muito eficazes para melhorar o ensino e, consequentemente, a aprendizagem. Nada disso é complicado ou caro. Contudo, algumas dessas medidas, quando propostas no Brasil, se chocam com a inércia, com os temores e com os tabus tradicionais.

No nosso caso, o excesso de ênfase em titulação dos professores das faculdades de educação faz com que poucos entre eles tenham realmente experiência de ensinar nas séries para as quais seus alunos estão sendo preparados. Assim sendo, o refúgio nas teorias rarefeitas é uma fuga para um território onde a falta de experiência com sala de aula não chama a atenção. O mesmo vale para os esquemas de tutores e estágios supervisionados. Onde estão os mestres experientes em sala de aula?

A ideia de um professor assistir à aula de outro e dar palpites ou fazer críticas é outro tabu. Note-se que, nas faculdades de educação, prega-se ser inaceitável a veneranda prática de inspetores que observam as aulas dos professores, como se faz hoje na Europa e já se fez rotineiramente no Brasil. Ou seja, uma prática corrente em todos os sistemas bem-sucedidos é considerada como uma invasão de um território sagrado.

Na escolha de dirigentes, o ensaio mostra as vantagens de buscar lideranças naturais na escola e alçá-las para as posições de mando. Entre nós, tirante exceções, como as redes estaduais de Minas e São Paulo, as indicações políticas para diretor de escola ainda predominam. Ou senão, passa-se para a eleição de diretores, o que politiza a gestão da escola.

Em suma, grande parte das receitas sugeridas pelo ensaio encontra fortes objeções ideológicas e pedagógicas. Muito poucas encontram terreno fértil entre nós.

Contudo, o tema mais geral do segundo capítulo é a ideia de que é possível melhorar a educação com os professores existentes. Ainda que o caminho proposto esteja bloqueado, há outras formas para obter avanços com os mesmos professores. E em alguns deles, o Brasil está se saindo bastante bem.

Vale citar que, nos últimos anos, desenvolveu-se no Brasil um conjunto de programas para dar mais consistência e eficácia à gestão das escolas públicas.
Por essa via, há muitos exemplos de mudanças dramáticas nos resultados da escola, sem alterar o processo de recrutamento ou pagamento de mestres. Ou seja, com os mesmos professores é possível conseguir resultados muito melhores. Ou muito piores, quando não se faz nada.

A reforma educativa de Minas Gerais na década de 1990 é um exemplo canônico do que pode ser feito. E a “contrarreforma” que se seguiu mostra como é fácil desfazer os avanços.
No início dos anos 1990, o novo governo de Minas Gerais iniciou um processo de reforma do ensino, baseado em ações vigorosas em algumas frentes. Foi criado um sistema de avaliação do rendimento dos alunos, bem como mecanismos para levar os resultados de volta à escola. Foi instituída transferência de fundos diretamente para cada escola, sendo o uso dos recursos gerenciados pela associação de pais e mestres. As escolhas políticas de diretores foram substituídas por prova e eleição entre os três finalistas, votando professores e pais. Os programas de capacitação dos professores passaram a ser decididos pelos próprios diretores. Além dessas reformas, que afetaram diretamente as escolas, houve uma redução da burocracia central e foram desenvolvidas ferramentas de gestão, incluindo dados on-line sobre cada unidade da rede.

Como nas eleições seguintes ganhou o mesmo grupo, houve continuidade na gestão da reforma. O resultado foi muito expressivo. Minas estava em décimo lugar no SAEB. Após oito anos, passou para o primeiro. Houve um aumento inicial de salários, mas o nível do adicional não teria sido suficiente para mudar a atratividade do magistério estadual.

O governo seguinte, de oposição, desfez muito do que havia sido montado pelo anterior. O resultado não se fez esperar. Minas desceu para quarto ou quinto lugar, após um par de anos. O governo atual retomou as reformas e o Estado já está entre os três melhores.

Esse exemplo mostra que o capítulo bom da Mona é o segundo. Ou seja, com os professores existentes é possível mudar muito a qualidade da educação. O primeiro é uma quimera que leva ao fatalismo.

Vale a pena mostrar outros experimentos de melhoria de gestão. Podemos registrar mudanças também nos municípios, como resultado de esforços para melhorar o ensino ou a sua gestão. Verifica-se também ser possível fazer bastante em pouco tempo.

Em alguns municípios de Minas Gerais, entre 2007 e 2008, os testes de alfabetização (na segunda série) mostraram uma queda substancial na proporção de alunos com desempenho baixo ou intermediário (ou seja, que não aprenderam a ler). Isso simplesmente resultou da forte ênfase nesse objetivo – que foi alçado à posição de meta número um da Secretaria de Educação.
Vale a pena mencionar alguns programas para melhorar a gestão municipal ou das escolas. Um exemplo dos primeiros é o SGI (Sistema de Gestão Integrada), da Fundação Pitágoras, de cujo conselho consultivo sou membro. O objetivo do sistema, bem como de outros similares, é aplicar nas escolas aqueles princípios e técnicas que se revelaram vencedores nas empresas. Naturalmente, introduzindo as adaptações requeridas para o mundo das escolas.

No fundo, as ideias centrais da gestão são muito parecidas, seja nas empresas ou em outros tipos de organizações. Por exemplo, é preciso combinar com todos para que remem na mesma direção. Ou seja, é preciso definir e dar foco às prioridades. Desde a Secretária Municipal até os alunos, todos devem compartilhar prioridades compatíveis entre si. Além disso, todos devem colaborar para identificar os problemas, resolvê-los e valorizar os sucessos. A eficiência precisa se tornar uma preocupação cotidiana. E tanto as metas quanto os resultados precisam ser medidos corretamente. Gestão não passa muito disso.

Há casos espetaculares nos municípios mineiros cobertos pelo SGI. Por exemplo, em Ouro Branco, uma escola baixou o analfabetismo na segunda série de 42% para 10%. Em Maravilhas, de 43% para 1% e em Itabirito de 23% para 0%. Isso aconteceu sem trocar professores e sem alterações salariais. E no período de apenas um ano.

Programas similares, mas voltados para escolas individuais, são oferecidos pelo Instituto Unibanco. Como demonstra uma avaliação recente feita por Ricardo Paes e Barros, os impactos são impressionantes . De momento, o projeto atende a cerca de 90 escolas de três estados. Para garantir a representatividade, das escolas interessadas, a metade foi sorteada para participar. Isso significa que receberam assistência técnica para o seu planejamento estratégico. Além disso, contam com recursos financeiros para executar o seu planejamento.

Um ano depois, a proporção de alunos com baixo rendimento declinou de 15 para 7,5 pontos percentuais, comparado com o grupo de controle. Em Português, avançou-se, em um ano, a uma velocidade quatro vezes maior do que a preconizada nas metas do movimento Todos pela Educação! No caso da Matemática, o avanço foi de dois anos, bem mais modesto, mas, ainda assim, muito substancial.

Esses exemplos dão credibilidade às teses mais genéricas apresentadas por Mona. Ou seja, há muito que se pode fazer na escola, visando melhorar os resultados obtidos pelos alunos nas avaliações convencionais.

É pertinente aqui fazer um último comentário acerca da eficácia de tais intervenções. Como é fácil entender, quanto mais grosseiros os erros que estão sendo cometidos, mais imediato e forte será o impacto das correções. E vice-versa ao contrário para sistemas já bem-sucedidos.

Os Estados Unidos sempre tiveram um sistema educativo exemplar. Quase todas as providências com chances de serem eficazes já foram tentadas. Assim sendo, não é nada fácil melhorar o sistema americano. Daí todo o sentido que fazem as sugestões do ensaio da McKinsey, propondo intervenções profundas, visando atrair e selecionar melhores professores.

Em contraste, em sistemas escolares cravejados de imperfeições e equívocos, como o nosso, os consertos têm consequências mais imediatas. Há muito a remendar, por todos os lados. E como sugerem os exemplos acima, os impactos podem ser substanciais e de curtíssimo prazo. É verdade que precisaremos, pelo menos, de uma geração para ter uma educação realmente boa. Mas é também verdade que podemos obter avanços sólidos no curto prazo.

Tais considerações põem por terra a hipótese convencional de que só se melhora a educação no longo prazo e que, portanto, os políticos não teriam interesse em investir em ações cujos resultados somente virão à tona muito depois de terminar as suas gestões. Ou seja, é inteligente e politicamente apropriado investir em educação, pois os resultados vêm logo.

O capítulo dos retardatários

O terceiro capítulo não é menos relevante do que o segundo, para endireitar nossas políticas educativas. Ao saírem os resultados do primeiro PISA em 2001, chamou logo a atenção vir em primeiro lugar um país de reputação desconhecida, a Finlândia. Veio então a pergunta óbvia: o que estaria esse país fazendo mais certo do que outros pretendentes ao trono de rei da qualidade?


Estando mais perto e sendo mais preocupados com ensino, dispararam os europeus a marcar passagem para Helsinque. E embarcaram primeiro os alemães, cujos resultados no PISA foram considerados vexatórios. E saíram também pelo mundo afora as vestais da educação finlandesa, a fazer conferências explicando o que tampouco sabiam bem: por que a Finlândia? De fato, nenhuma sociedade ficou tão surpreendida com os resultados do PISA quanto a finlandesa. Aos poucos, a Finlândia vai virando a Meca da educação, atraindo também peregrinos do segundo time da educação – até do Brasil.

Das inúmeras diferenças apontadas, uma delas merece mais atenção. Trata-se de instalar uma política muito deliberada de cuidar dos retardatários. De um ponto de vista da mecânica de cálculo de rendimento educativo, aumentar as notas dos piores alunos tem enorme impacto nas médias.

E talvez seja essa a lição mais importante a ser importada da Finlândia. Além dos professores que “dão aula”, há um time que fica na retaguarda, cuidando dos alunos que vão ficando para trás. E são muitos os mestres dedicados a esse mister. Os alunos mais fracos recebem um monitoramento mais próximo e uma atenção especial. O objetivo é trazê-los para próximo da média.
Esse tema é justamente o assunto do terceiro capítulo abaixo discutido. Como os outros, é um excelente resumo da literatura técnica disponível.

O tema central é a necessidade de assegurar que cada criança deve obtenha resultados na escola. Não basta uma média boa dentro do grupo. Em particular, devem receber especial atenção, para que tenham também um bom desempenho, aquelas cuja origem socioeconômica é mais modesta ou que têm problemas familiares.

Esse, aliás, é um tema venerando e contencioso na educação. Sempre se supôs que os sistemas educacionais tivessem que fazer uma opção entre oferecer o máximo de qualidade para aqueles capazes de se beneficiar de um ensino exigente e oferecer a todos a oportunidade de um resultado razoável, à custa de exigir menos dos que poderiam enfrentar um desafio maior. Ou seja, muita qualidade para alguns poucos ou uma qualidade mais aguada para todos.

Países como Finlândia e Coreia demonstram que essa disjuntiva não é necessária. É possível obter resultados muito bons para todos. Para isso, as expectativas não podem ser mais pálidas para aqueles que desapontam em um primeiro momento. É preciso exigir alto desempenho do todos. Daí as providências de um atendimento muito individualizado para os que ameaçam perder o ritmo.

Para conseguir isso, há uma forte sugestão de que os sistemas escolares devem monitorar proximamente as escolas que vão ficando para trás. Essas deverão ser alvo de atenções especiais e providências para eliminar as causas do atraso. Igualmente, dentro de cada escola, os retardatários deverão ser alvo de uma atenção redobrada, para que não acumulem fracassos.

Quando falamos em monitorar, isso não se faz sem medir. Na prática, significa muita atenção nos testes. Como disse um educador australiano, citado no estudo, “o que é testado é aprendido e como é testado determina como é aprendido”.

Também a se considerar é o desempenho da escola como um todo. No caso, a existência de bons benchmarks é muito importante, bem como a escolha da organização que vai fazer o monitoramento. Quanto mais independente da gestão da escola, melhor.

Qualquer que seja o currículo, leitura, escrita e uso de números sempre terão de ser a grande prioridade. Mas em geral, encurtar os currículos é uma boa ideia. Foi isso que fez a Inglaterra em 1990, com resultados sensíveis no aproveitamento escolar.

Portanto, a terceira lição da Mona merece uma leitura cuidadosa. É preciso pensar na média, mas também nos retardatários. Com um atendimento próximo para os mais fracos, é possível garantir bons resultados para todos.

As lições erradas de um bom ensaio

Como se depreende dos parágrafos anteriores, o ensaio aqui comentado lida de forma clara e didática com muitos dos pontos centrais que deveriam preocupar os educadores e administradores do país. É um excelente roteiro para repensar nossas políticas educativas.

Infelizmente, da maneira pela qual o enredo está apresentado, tende a ser entendido de forma diferente pela maioria dos leitores. O derrotismo inspirado pela parte inicial subtrai a atenção que mereceria o que vem depois, pois afirma que são necessários professores extraordinários para fazer um bom ensino. Se sonharmos com professores finlandeses, isso não passa de uma quimera impossível. Seremos engolfados pelo pessimismo.

Contudo, como sugerem os capítulos subsequentes, muito pode ser feito, sem precisar de recursos extravagantes. Aliás, como mostra o artigo, gastar muito não assegura boa educação, pois há países que gastam pouco e conseguem muito – e vice-versa. Veja-se o caso de Cingapura, um dos menores gastos por aluno na educação primária, comparado com os outros países da OECD. Não obstante, consegue atrair excelentes professores.

O estudo também mostra que a maioria dos países da OECD aumentou substancialmente seus gastos com educação (acima da inflação). Não obstante, os resultados no PISA permanecem estagnados.

Em outras palavras, a correlação entre gastos por aluno e resultados nas avaliações é muito baixa. Esse resultado não se restringe aos países da OECD. Pelo contrário, é muito generalizado. No ensaio que escrevi com Gustavo Ioschpe, revisamos várias pesquisas sobre o assunto, focalizadas no caso da América Latina . Duas conclusões centrais emergem.

A primeira é não ser verdadeira a hipótese de que os professores ganham menos do que outros profissionais com níveis equivalentes de escolaridade e horas de dedicação ao trabalho. Pelo contrário, é muito persuasiva a hipótese oposta, isto é, os professores ganham mais.

A segunda conclusão mostra que a associação entre salário de professores e qualidade educativa é inexpressiva. Estatisticamente, não é significativa. Ou seja, países que pagam mais aos seus mestres não garantem com isso avaliações melhores para seus estudantes.

Resultados equivalentes foram confirmados dentro do Brasil, comparando os estados. Fernando de Holanda Barbosa Filho e Samuel de Abreu Pessoa mostraram que os salários do sistema público não são inferiores aos do sistema privado . Também pode ser facilmente verificado que os estados com melhores sistemas educativos (medidos pelos testes usuais) não necessariamente pagam mais aos seus professores. Para ilustrar, Minas Gerais está entre os três melhores estados nos testes do SAEB. Não obstante, há 16 estados oferecendo aos seus professores salários superiores aos de Minas.
 
Não devemos concluir com isso que o primeiro capítulo do ensaio aqui comentado é irrelevante ou não passa de uma miragem. Pelo contrário, melhorar o recrutamento dos professores deve ser uma política energicamente perseguida. Há muita coisa a ser feita nesse sentido. Só que não podemos ficar paralisados pelas dificuldades de avançar nas metas desse primeiro capítulo.

Talvez mais imediato, mais fácil e de maiores consequências seja melhorar o ambiente das escolas públicas. Uma pesquisa recente com professores da rede pública indicou que cerca de 80% deles estavam descontentes nas suas escolas. Mais ou menos no mesmo período, participei de uma pesquisa em escolas privadas, na qual um percentual próximo de 80% dos professores estava contente. Se a esse par de resultados aduzirmos o fato de serem semelhantes os salários nos ensinos público e privado, fica claro que o ambiente hostil e desagradável das escolas públicas pode ser um dos fatores mais potentes para afugentar candidatos ao magistério com melhor nível acadêmico. Falta apenas notar que atmosfera não custa tanto assim.

Ainda sobre recrutamento, cumpre lembrar as muitas possibilidades de atrair melhores candidatos para as Faculdades de Educação. Por exemplo, na China, todo o ensino superior é pago. O único curso gratuito é o de formação de professores. O ensaio da Mona mostra o que está sendo feito em algumas cidades americanas para atrair melhores candidatos para o magistério (por exemplo, Boston, Nova Iorque e Washington DC). Está em discussão no MEC um programa para privilegiar os alunos das faculdades de educação na concessão de bolsas do FIES. Além da reserva de mercado na distribuição das bolsas, se entrarem para o magistério público, não precisariam amortizar o empréstimo.

Tudo isso pode e deve ser feito. Mas o erro é achar que são as únicas medidas possíveis ou que deverão preceder as outras providências mais imediatas e que também são essenciais na marcha para uma educação de qualidade.

O grande erro dos reformistas amadores é pensar que a boa estratégia consiste em desembainhar a espada e partir em uma carga de cavalaria contra o mau ensino. Isso porque a ruindade não é uma hidra cuja cabeça precisa ser decepada de um único golpe. Claro, há algumas cirurgias maiores e que, mais cedo ou mais tarde, serão inevitáveis. Mas a crônica das reformas bem-sucedidas não registra que o caminho de começar e se obcecar pelas grandes reformas seja o mais promissor.

Se houver, a “Grande Reforma da Educação Brasileira” será o somatório dos ínfimos gestos que corrigem erros do passado e introduzem práticas eficazes. Os grandes sistemas foram feitos tijolo a tijolo. A reforma será fruto da insistência obsessiva em melhorar o “feijão com arroz” da sala de aula, ano após ano. São os pequeninos erros que irão sendo corrigidos. E para isso, o ensaio aqui resenhado dá boas indicações. Na tradução zen, “todo dia melhorar um pouco, todo dia fazer um pouquinho melhor”. 

Economista pela Universidade Federal de Minas Gerais, mestre pela Universidade de Yale e doutor pela Universidade Vanderbilt, ambas nos EUA. Pesquisador em Educação

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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