05 agosto 2022

Brasileiros em Londres: divisões de classe, Brexit e o esquema de mobilidade de jovens

Pesquisadores estimam que existam cerca de 300 mil brasileiros vivendo no Reino Unido. Para o pesquisador Daniel Robins, permitir que jovens brasileiros possam ter visto de trabalho temporário no Reino Unido ajudaria a reconhecer o histórico estabelecido desses migrantes de contribuir para a economia britânica sem medo de exploração ou deportação

Pesquisadores estimam que existam cerca de 300 mil brasileiros vivendo no Reino Unido. Para o pesquisador Daniel Robins, permitir que jovens brasileiros possam ter visto de trabalho temporário no Reino Unido ajudaria a reconhecer o histórico estabelecido desses migrantes de contribuir para a economia britânica sem medo de exploração ou deportação

Manifestante carrega uma bandeira do Brasil durante desfile em Londres (Robert Lamb/CC)

Por Daniel Robins*

Em 2018, o Datafolha realizou uma pesquisa que constatou que 42% dos entrevistados queriam emigrar do Brasil. Entre os jovens o número foi de 62%. Desde então, o número provavelmente cresceu. O destino mais popular é sem surpresa os Estados Unidos, sendo a Europa o segundo mais popular. Dentro da Europa, Londres é a cidade mais popular para a maioria dos brasileiros. Pesquisadores estimam que existam cerca de 300 mil brasileiros vivendo no Reino Unido, e a maioria deles vive em Londres.

Como londrino nativo, esse é um fenômeno que percebi por volta do final dos anos 2000, quando a presença de brasileiros se tornou mais perceptível. Algo que sempre me intrigou foi que muitas das pessoas que eu conhecia não citavam motivações econômicas para se mudar para Londres. Na verdade, muitos eram de classe média ou mesmo de classe média alta no Brasil e passavam a ganhar menos dinheiro e ter uma qualidade de vida material inferior à que tinham no Brasil. Esse fenômeno se tornou o foco da minha pesquisa de doutorado.

Descobri que, para muitos brasileiros de classe média, seus motivos para deixar o Brasil tinham mais a ver com a alienação social do que com a necessidade material. Muitos enfatizaram que isso os diferenciava daqueles migrantes (brasileiros), tipicamente da classe C, que eles chamavam de migrantes “econômicos”. Eles enquadraram essa divisão não apenas em termos das diferentes motivações para se mudar para o Reino Unido, mas também nas diferentes experiências que tiveram lá. 

Embora afirmassem que vieram para Londres em busca de uma melhor “qualidade de vida”, muitas vezes enfatizavam que isso não significava “melhor” em termos de ganho financeiro. Em vez disso, a “qualidade de vida” era mencionada em termos de imaginar Londres como um lugar com mais igualdade e como um lugar para consumir cultura e participar de práticas culturais que não são originárias do Brasil. 

Eles frequentemente alegavam que os chamados migrantes brasileiros “econômicos” tinham pouco interesse em vivenciar uma cultura estrangeira e vinham para Londres apenas para ganhar dinheiro e voltar para casa. Eles contrastavam isso com sua própria experiência de desfrutar de Londres como uma cidade multicultural e enfatizavam o número de amigos não-brasileiros que tinham.

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Curiosamente, em minha pesquisa de pós-doutorado com jovens migrantes ‘econômicos’ ‘semi-documentados’ brasileiros, descobri que essa divisão ‘cultural’ entre migrantes de classe média ‘aventureiros’, abertos a novas experiências culturais e migrantes ‘fechados’ de classe C, desinteressados em experimentar o que Londres tinha para oferecer, não era tão evidente. 

Embora seja verdade que eles quase unanimemente afirmassem que “trabalhar” e “ganhar dinheiro” eram suas principais motivações para migrar, também descobri que muitos deles estavam abertos a vivenciar também a cultura não-brasileira. Muitos haviam viajado para outras partes do Reino Unido e da Europa, assim como os de classe média. Os mais novos também ouviam música britânica drill em vez de funk brasileiro, por exemplo, e tinham amigos não-brasileiros. Aqueles que estavam aqui há mais tempo também falavam inglês com um sotaque londrino distintamente da classe trabalhadora, em contraste com o inglês americanizado que os brasileiros de classe média normalmente adotam.

No entanto, onde a divisão foi mais aparente foi em termos de status de visto dos dois grupos. A maioria dos membros da classe B era, até recentemente, capaz de entrar e trabalhar no Reino Unido com passaportes da UE por terem essa ancestralidade. Os membros da classe C geralmente entram com vistos de turista e depois trabalham ilegalmente e permanecem como migrantes “semi-documentados”. Normalmente, os “semi-documentados” são mais jovens, de origens menos abastadas e moram no Reino Unido há menos tempo. Além disso, embora sua presença seja registrada, suas práticas de trabalho e tempo de permanência permanecem invisíveis em nível institucional.

Brexit e o Youth Mobility Scheme (YMS)

Ironicamente, o Brexit democratizou a entrada de brasileiros no Reino Unido, removendo a vantagem que aqueles com passaporte da UE já possuíam. 

Como fluxos migratórios futuros, e fluxos de migração do Brasil não mostram sinais de parar, é necessária uma nova abordagem que considere o desejo e a capacidade dos brasileiros (predominantemente jovens) de viver e trabalhar no Reino Unido. 

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A falta histórica de canais oficiais para jovens brasileiros (geralmente de classe média baixa) entrarem no Reino Unido para trabalhar não os impediu de fazê-lo. No entanto, seu status geralmente significa que eles estão em risco de exploração quando começam a trabalhar no Reino Unido e muitas vezes enfrentam discriminação em parte devido ao seu status percebido como ‘ilegais’.

Após o Brexit, a questão de quais políticas de imigração deveriam substituir o fim da livre circulação da UE para o Reino Unido tornou-se primordial. Isso foi agravado pela percepção generalizada de escassez de mão de obra. Uma opção considerada por pesquisadores e formuladores de políticas foi expandir o Youth Mobility Scheme (YMS) para permitir que mais jovens adultos vivam e trabalhem no Reino Unido. O YMS é um visto de “trabalho de férias” de dois anos emitido para jovens de uma lista seleta de países. Historicamente, apenas pessoas dos seguintes locais são elegíveis para o YMS: Austrália, Canadá, Mônaco, Nova Zelândia, San Marino, Hong Kong, Japão, Coréia do Sul, Taiwan.

Em 2018, o governo anunciou que buscaria expandir o YMS para incluir países da UE. No entanto, até o momento não houve essa expansão. Em vez disso, o Reino Unido começou a procurar em outros lugares acordos de migração, bem como acordos comerciais. Por exemplo, um acordo comercial recente entre o Reino Unido e a Índia resultou no acordo de Parceria de Migração e Mobilidade que efetivamente adicionará a Índia à lista de países elegíveis para o YMS. 

O Brasil também deveria buscar ser adicionado ao YMS do Reino Unido. Assim como a Índia, o Brasil é uma potência emergente e um grande player no comércio internacional. Mais importante ainda, é neutro em termos da nova relação do Reino Unido com a UE. O sucesso da Índia em ser adicionado ao esquema YMS sugere que um movimento semelhante também seria possível em quaisquer novos acordos comerciais criados entre o Brasil e o Reino Unido. O Brasil já acordou com sucesso acordos para serem adicionados aos esquemas equivalentes de vistos de “férias de trabalho” da Nova Zelândia, França, Alemanha, Japão e Canadá. Isso abre um precedente para a viabilidade da adesão do Brasil ao YMS do Reino Unido. Além disso, o Brasil goza de uma reputação internacional geralmente positiva. Um novo acordo de migração (e possivelmente um acordo comercial) ajudaria a consolidar o relacionamento já amigável do Brasil com o Reino Unido.

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Dessa forma, ajudaria a promover o intercâmbio cultural, relações cordiais e mobilidade internacional semelhante à forma como o programa Ciência sem Fronteiras do governo brasileiro anteriormente permitia que jovens brasileiros estudassem no exterior, e a campanha ‘Think Brazil’ ajudou a aumentar o perfil do Brasil no Reino Unido e consolidar as boas relações entre os dois países.

A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), órgão estadual de financiamento à pesquisa de São Paulo, atualmente tem um memorando de entendimento com o equivalente nacional do Reino Unido, o UKRI. Um dos resultados de um novo acordo entre o Brasil e o Reino Unido poderia envolver uma colaboração mais estreita com órgãos nacionais brasileiros de educação e pesquisa, como a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Novel Superior (CAPES) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e o UKRI para criar programas de intercâmbio educacional e colaborações de pesquisa entre instituições de ensino superior brasileiras e britânicas. 

Um resultado projetado seria, portanto, promover a mobilidade educacional para jovens estudantes brasileiros e britânicos. A expansão do YMS refletiria a realidade já estabelecida da migração brasileira para o Reino Unido. Há fortes evidências de que a falta de canais oficiais para que jovens brasileiros entrem no Reino Unido para trabalhar não os impediu de fazê-lo. No entanto, seu status geralmente significa que estão em risco de exploração quando começam a trabalhar no Reino Unido. Permitir que jovens brasileiros acessem o YMS ajudaria a reconhecer seu histórico estabelecido de contribuir para a economia do Reino Unido sem medo de exploração ou deportação. Dado o tamanho da população brasileira do Reino Unido, adicionar o Brasil ao YMS seria, portanto, menos sobre a criação de um novo fluxo migratório e mais sobre o reconhecimento da existência e contribuições de um já bem estabelecido.


*Daniel Robins é pesquisador no Hughes Hall, Universidade de Cambridge e Leverhulme Early Career fellow na Universidade de Oxford. Ele é doutor em geografia e estuda a migração de brasileiros para o Reino Unido. Sua próxima pesquisa vai tratar do efeito da migração de venezuelanos para outros países na América Latina e no Caribe.


Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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Editor-executivo do portal Interesse Nacional. Jornalista e doutor em Relações Internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Mestre pelo KCL e autor dos livros Brazil’s international status and recognition as an emerging power: inconsistencies and complexities (Palgrave Macmillan), Brazil, um país do presente (Alameda Editorial), O Brazil é um país sério? (Pioneira) e O Brasil voltou? (Pioneira)

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