06 julho 2022

Eleições: ranking global classifica os EUA como a mais fraca entre as democracias liberais

Estudo analisa a percepção de integridade eleitoral em todo o mundo entre 2012 e 2021, com base em quase 500 eleições em 170 países. Países nórdicos ficaram no topo do ranking, enquanto Comores, na República Centro-Africana e na Síria tiveram a pior classificação. Brasil é apenas o 14º mais bem classificado nas Américas, à frente dos EUA.

Estudo analisa a percepção de integridade eleitoral em todo o mundo entre 2012 e 2021, com base em quase 500 eleições em 170 países. Países nórdicos ficaram no topo do ranking, enquanto Comores, na República Centro-Africana e na Síria tiveram a pior classificação. Brasil é apenas o 14º mais bem classificado nas Américas, à frente dos EUA.

Apoiadores do ex-presidente Donald Trump invadem o Capitólio durante insurreição contra o resultado eleitoral no país (Tyler Merbler/Wikimedia Commons)

Por Toby James e Holly Ann Garnett*

A defesa da democracia tornou-se subitamente um dos desafios centrais da nossa época. A guerra na Ucrânia é amplamente considerada uma linha de frente entre o governo autocrático e a liberdade democrática. Os Estados Unidos continuam absorvendo o significado da insurreição ocorrida em 6 de janeiro de 2021 na tentativa de reverter o resultado da eleição do ano anterior. Em outros lugares, foram levantadas preocupações de que a pandemia poderia ter fornecido cobertura para os governos adiarem as eleições.

https://interessenacional.com.br/edicoes-posts/competencia-das-instituicoes-eleitorais-do-brasil-nao-afasta-ameaca-de-retrocesso-democratico/

As eleições são uma parte essencial da democracia. Eles permitem que os cidadãos responsabilizem seus governos por suas ações e tragam transições pacíficas no poder. Infelizmente, as eleições muitas vezes ficam aquém desses ideais. Elas podem ser prejudicadas por problemas como intimidação de eleitores, baixa participação, notícias falsas e a sub-representação de mulheres e minorias entre os candidatos.

Nosso novo relatório de pesquisa fornece uma avaliação global sobre a qualidade das eleições nacionais em todo o mundo entre 2012 e 2021, com base em quase 500 eleições em 170 países. Os EUA são a democracia liberal na posição mais baixa da lista. O país aparece apenas em 15º lugar entre os 29 Estados das Américas, atrás de Costa Rica, Brasil, Trinidad & Tobago e outros, e é o 75º no ranking geral.

Leia também: Competência das instituições eleitorais não afasta ameaça de retrocesso democrático no Brasil

A woman casts a ballot for an election while election officials look at the camera.
Eleitora vota em eleições na Costa Rica, que aparece bem no ranking (Ingmar Zahorsky/FLickr, CC BY-NC-SA)

Por que os Estados Unidos aparecem tão mal classificados?

Houve alegações feitas pelo ex-presidente Donald Trump de fraude eleitoral generalizada nas eleições presidenciais de 2020. Essas alegações eram infundadas, mas ainda assim fizeram com que os EUA caíssem no ranking.

’Eleições com resultados controversos pontuam mais baixo em nosso ranking porque uma parte fundamental da democracia é a transição pacífica de poder por meio de resultados aceitos, em vez de força e violência’

Eleições com resultados controversos pontuam mais baixo em nosso ranking porque uma parte fundamental da democracia é a transição pacífica de poder por meio de resultados aceitos, em vez de força e violência. Os comentários de Trump levaram à violência pós-eleitoral quando seus apoiadores invadiram o Capitólio e semearam dúvidas sobre a legitimidade do resultado entre grande parte dos EUA.

Isso ilustra que a integridade eleitoral não se trata apenas de elaborar leis – também depende de candidatos e apoiadores agirem de forma responsável durante todo o processo eleitoral.

‘A integridade eleitoral não se trata apenas de elaborar leis – também depende de candidatos e apoiadores agirem de forma responsável durante todo o processo eleitoral’

A ranking of nations according to the integrity of their elections.
Ranking de nações de acordo com a percepção de integridade de suas eleições. As percepções de integridade eleitoral são medidas por especialistas para cada país um mês após o encerramento das eleições. Pede-se aos especialistas que avaliem a qualidade das eleições nacionais em 11 subdimensões: leis eleitorais; procedimentos eleitorais; limites distritais; recenseamento eleitoral; registro do partido; cobertura da mídia; financiamento de campanha; processo de votação; contagem de votos; resultados; e autoridades eleitorais. Esses itens somam um Índice de Integridade Eleitoral geral pontuado de 0 a 100

No entanto, os problemas com as eleições nos EUA são muito mais profundos do que este evento. Nosso relatório mostra que a forma como as fronteiras eleitorais são estabelecidas nos EUA é uma das principais áreas de preocupação. Há uma longa história de gerrymandering, onde os distritos políticos são habilmente desenhados pelos legisladores para que as populações mais propensas a votar neles sejam incluídas em um determinado distrito eleitoral –como foi visto recentemente na Carolina do Norte.

O registro de eleitores e as urnas são outro problema. Alguns estados dos EUA implementaram recentemente leis que dificultam a votação, como a exigência de apresentação de documentos, o que está aumentando a preocupação sobre o efeito que isso terá na participação dos eleitores. Já sabemos que os custos, o tempo e a complexidade da conclusão do processo de identificação, juntamente com as dificuldades adicionais para aqueles com alta mobilidade residencial ou situações de moradia inseguras, tornam ainda menos provável que grupos sub-representados participem das eleições.

Nórdicos no topo, preocupação com a Rússia

Os países nórdicos Finlândia, Suécia e Dinamarca ficaram no topo do nosso ranking. A Finlândia é comumente descrita como tendo um cenário de mídia pluralista, o que ajuda. Também fornece financiamento público para ajudar partidos políticos e candidatos a concorrer às eleições. Um relatório recente do Escritório de Instituições Democráticas e Direitos Humanos do país encontrou um “alto nível de confiança em todos os aspectos do processo eleitoral”.

Cabo Verde tem a maior qualidade de integridade eleitoral em África. Taiwan, Canadá e Nova Zelândia estão em primeiro lugar em seus respectivos continentes.

A integridade eleitoral na Rússia sofreu um declínio ainda maior após as eleições parlamentares de 2021. Um relatório pré-eleitoral alertou para intimidação e violência contra jornalistas, e a mídia “promove amplamente as políticas do atual governo”. Apenas Belarus tem uma classificação mais baixa do que a Rússia na Europa.

Globalmente, a integridade eleitoral é mais baixa em Comores, na República Centro-Africana e na Síria.

Dinheiro importa

A forma como os políticos e os partidos políticos recebem e gastam dinheiro foi considerada a parte mais fraca do processo eleitoral em geral. Existem todos os tipos de ameaças à integridade das eleições que giram em torno do financiamento de campanha. A origem do dinheiro da campanha, por exemplo, pode afetar a ideologia ou as políticas de um candidato em questões importantes. Também é comum que o candidato que gasta mais dinheiro vença –o que significa que oportunidades desiguais são muitas vezes parte integrante de uma eleição.

A situação é melhor quando partidos e candidatos são obrigados a publicar contas e finanças de forma transparente. Mas em uma época em que o “dinheiro sujo” pode ser mais facilmente transferido através das fronteiras, pode ser muito difícil rastrear de onde as doações realmente vêm.

Existem também soluções para muitos dos outros problemas, como o registro automático de eleitores, a independência das autoridades eleitorais, o financiamento dos funcionários eleitorais e a observação eleitoral.

A democracia pode precisar ser defendida na batalha, como estamos vendo atualmente na Ucrânia. Mas também precisa ser defendida antes de chegar a um conflito total, por meio de discussões, protestos, ativismo digital e pedidos de reformas eleitorais.


*Toby James é professor de política pública na University of East Anglia

Holly Ann Garnett é professora assistente de ciência política na Royal Military College of Canada


Este texto é uma republicação do site The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original, em inglês.


Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

Editor-executivo do portal Interesse Nacional. Jornalista e doutor em Relações Internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Mestre pelo KCL e autor dos livros Brazil’s international status and recognition as an emerging power: inconsistencies and complexities (Palgrave Macmillan), Brazil, um país do presente (Alameda Editorial), O Brazil é um país sério? (Pioneira) e O Brasil voltou? (Pioneira)

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