Em meio a onda de esquerda na região, eleição no Brasil vai definir o papel do país na América Latina
Eleição de Gustavo Petro consolidou o crescimento da esquerda na região, o que daria maior protagonismo entre os vizinhos a um Brasil liderado por Lula do que por Bolsonaro . Para o pesquisador Juan Manuel Morales, Lula é visto como uma ‘boa esquerda’ na região, em contraste com governos autoritários como o de Hugo Chávez
Eleição de Gustavo Petro consolidou o crescimento da esquerda na região, o que daria maior protagonismo entre os vizinhos a um Brasil liderado por Lula do que por Bolsonaro. Para o pesquisador Juan Manuel Morales, Lula é visto como uma ‘boa esquerda’ na região, em contraste com governos autoritários como o de Hugo Chávez
Por Daniel Buarque
A eleição presidencial no Brasil será fundamental para definir o papel do país na América Latina. Segundo o pesquisador colombiano Juan Manuel Morales, depois da vitória de Gustavo Petro na disputa pela Presidência da Colômbia, a região passou a ser liderada por uma série de políticos com tendências de esquerda, e as relações desses países com o Brasil vai depender de quem vai governar o país a partir do próximo ano.
“Se Lula vencer Bolsonaro, podemos esperar um certo realinhamento das forças de esquerda na região”, disse, em entrevista à Interesse Nacional. “Por outro lado, se Bolsonaro vencer, seria difícil prever muita cooperação entre ele e as lideranças de esquerda”, completou.
Segundo ele, Lula é visto por muitos na região como um exemplo de líder de esquerda responsável, que respeita a democracia e foi eficiente na economia, e tem sido usado como um modelo para aspirantes a líderes de esquerda. Bolsonaro, por outro lado, afastou o país da região e deixou o Brasil mais isolado.
Morales é pesquisador no doutorado em ciência política pela Université de Montreal. Sua pesquisa se concentra em polarizações políticas, populismo e ativismo político, particularmente na América Latina. Ele analisa a relevância doméstica e internacional da vitória de Petro e contrasta o contexto das vitórias da esquerda na região nos últimos anos com o contexto da chamada “onda rosa” nos anos 2000.
Leia a entrevista completa abaixo.
Daniel Buarque – Muitos analistas reagiram à notícia da eleição de Gustavo Petro para a Presidência da Colômbia como o surgimento de uma nova ‘onda rosa’, de governos de esquerda, na América Latina. O que você acha disso?
Juan Manuel Morales – Há vários líderes de esquerda que ganharam poder na região nos últimos anos. Alguns exemplos seriam Gabriel Boric no Chile, Pedro Castillo no Peru, Andrés Manuel López Obrador no México e Xiomara Castro em Honduras. Embora Petro esteja relativamente atrasado nessa tendência, sua vitória é muito significativa, considerando que a esquerda nunca havia vencido a eleição presidencial na Colômbia.
No entanto, o contexto do final dos anos 1990 e início dos anos 2000 –quando a chamada onda rosa varreu a região– era muito diferente do atual. Depois que as reformas neoliberais defendidas por governos de centro-direita nas décadas de 1980 e 1990 não conseguiram reduzir as desigualdades e melhorar as condições de vida da maioria dos latino-americanos, muitos países foram seduzidos por líderes de esquerda que prometeram redistribuição de renda, bem como a inclusão política e simbólica das populações marginalizadas. Líderes como Hugo Chávez, Lula ou Evo Morales aproveitaram o ‘boom’ das commodities e implementaram programas sociais que tiraram milhões da pobreza. Hoje, não há ‘boom’ de commodities para financiar gastos sociais generalizados, as perspectivas econômicas globais são sombrias devido a questões como a longa pandemia de Covid-19 e a guerra na Ucrânia, e a esquerda foi desacreditada em alguns países devido a escândalos de corrupção ou má gestão econômica.
Acho que ainda não é possível falar de uma nova “onda rosa”, visto que não conhecemos a profundidade nem a durabilidade do novo fenômeno. No momento, o que temos é uma série de vitórias de candidatos de centro-esquerda na região. As implicações dessas vitórias ainda precisam ser conhecidas.
Daniel Buarque – Que papel você acha que o Brasil pode desempenhar na América Latina nesse contexto de eleições de políticos de esquerda?
Juan Manuel Morales – Um papel significativo, dada a próxima eleição no Brasil no final deste ano. Se Lula vencer Bolsonaro, podemos esperar um certo realinhamento das forças de esquerda na região. Lula é visto por muitos como um exemplo de líder de esquerda responsável, alguém que respeitou os procedimentos democráticos e produziu bons resultados econômicos. Isso é frequentemente contrastado com as tendências autocráticas de Chávez e a má-gestão econômica da Venezuela. Se podemos falar de uma “boa esquerda” e uma “má esquerda” é discutível, mas Lula tem sido usado como uma espécie de modelo para certos aspirantes a líderes de esquerda.
A solidariedade entre líderes com ideias semelhantes ocorreu na região no passado e pode acontecer novamente. Lula apoiou abertamente Petro antes da eleição colombiana, por exemplo. Curiosamente, todos os países da Aliança do Pacífico –uma organização internacional orientada para o mercado formada por México, Colômbia, Peru e Chile– agora são liderados por líderes de esquerda. Pode-se ver um papel maior para um Brasil liderado por forças de esquerda dentro de uma região que se inclina para a esquerda.
Por outro lado, se Bolsonaro vencer, seria difícil prever muita cooperação entre ele e as lideranças de esquerda da região. Isso pode, é claro, ter consequências além da camaradagem política. Migração, fronteiras, diplomacia, cooperação policial e atividades culturais podem ser afetadas. Bolsonaro tendeu a olhar para dentro durante seu mandato como presidente, enquanto Lula buscou ativamente um papel internacional maior para o Brasil. Portanto, o papel que o Brasil desempenha na região será definido por quem liderar o país.
Daniel Buarque – O Brasil ainda pode ser pensado como um potencial líder da região?
Juan Manuel Morales – Acredito que o Brasil não buscou muito engajamento com a região durante a presidência de Bolsonaro. O país também se tornou relativamente isolado de várias organizações e fóruns internacionais sobre questões como meio ambiente e direitos humanos, por exemplo. No entanto, o Brasil tem potencial para recuperar o papel de liderança que desempenhou durante a primeira década deste século. Novamente, isso será impactado por quem liderar o país.
Daniel Buarque – Qual você acha que será o impacto das eleições colombianas para o Brasil e para as relações entre os dois países?
Juan Manuel Morales – Petro tem sido um líder pragmático até agora. Ele declarou sua intenção de manter boas relações diplomáticas com os EUA e a Venezuela, por exemplo. Da mesma forma, eu esperaria que ele trabalhasse com Lula ou Bolsonaro. Naturalmente, seria de esperar que ele se desse melhor com Lula. Bolsonaro fez comentários muito críticos em relação ao Petro este ano. No entanto, não vejo nenhum sinal de que Petro esteja disposto a sacrificar o benefício econômico por posições ideológicas neste momento.
Ainda assim, as proteções ambientais são um aspecto fundamental da campanha do Petro. Podemos esperar regulamentações mais rígidas em relação a essa questão na Colômbia nos próximos anos. Isso pode ser problemático para empresas brasileiras que desejam investir na Colômbia em setores como construção ou petróleo, por exemplo, principalmente sob a presidência de Bolsonaro.
Daniel Buarque – Você escreveu sobre o ineditismo de um presidente de esquerda eleito na Colômbia. Qual você acha que será o papel de Rodolfo Hernandez e políticos de direita neste novo governo no país?
Juan Manuel Morales – Rodolfo Hernández foi um projeto personalista construído em torno da ideia de que as elites políticas tradicionais são incorrigivelmente corruptas. Não tem partido, não tem organização política formal e quase não tem presença no Congresso. Não está claro neste momento se ele está interessado em desempenhar um papel ativo na política nacional. Além disso, ele não manifestou nenhuma intenção de liderar a oposição a Gustavo Petro. Também não demonstrou interesse em aceitar a vaga no Congresso a que tem direito como vice nas eleições presidenciais. Até agora, Petro tem sido muito habilidoso em angariar o apoio de partidos e políticos tradicionais, construindo assim uma potencial maioria no Congresso.
As forças de direita parecem, portanto, sofrer por falta de liderança no momento. O tradicional líder da direita, Álvaro Uribe, é alvo de uma investigação judicial e está cada vez mais impopular entre os colombianos. As forças de direita certamente se oporão a Petro, mas ainda não está claro quem liderará a oposição. Federico Gutiérrez –o terceiro lugar nas eleições presidenciais– é um antagonista aberto de Petro. María Fernanda Cabal –uma neoconservadora extremista e admiradora de Jair Bolsonaro– também está tentando herdar a posição de Uribe como líder da direita. Há também outros políticos que declararam abertamente sua oposição ao Petro. Assim, acho que veremos uma luta pela liderança das forças de direita entre vários políticos em um futuro próximo.
Editor-executivo do portal Interesse Nacional. Jornalista e doutor em Relações Internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Mestre pelo KCL e autor dos livros Brazil’s international status and recognition as an emerging power: inconsistencies and complexities (Palgrave Macmillan), Brazil, um país do presente (Alameda Editorial), O Brazil é um país sério? (Pioneira) e O Brasil voltou? (Pioneira)
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