Mortes na Amazônia fazem reputação do Brasil no exterior desabar ao pior nível no iii-Brasil
Levantamento de menções ao país na imprensa estrangeira, Índice de Interesse Internacional, mostra que além de reportagens e notícias, a cobertura no exterior migrou para ter destaque também em textos de opinião e editoriais que revelam a perda de prestígio do Brasil pelo mundo; dados do iii-Brasil mostram registro do maior número de artigos com menções ao país e a maior proporção de textos com tom negativo
Levantamento de menções ao país na imprensa estrangeira, Índice de Interesse Internacional, mostra que além de reportagens e notícias, a cobertura no exterior migrou para ter destaque também em textos de opinião e editoriais que revelam a perda de prestígio do Brasil pelo mundo; dados do iii-Brasil mostram registro do maior número de artigos com menções ao país e a maior proporção de textos com tom negativo
Por Daniel Buarque e Fabiana Mariutti*
iii-Brasil – 13 a 19 de junho de 2022
Visibilidade: 106 textos
Classificação das notícias:
24% Neutras
70% Negativas
6% Positivas
Os assassinatos do jornalista britânico Dom Phillips e do indigenista Bruno Araújo Pereira no Vale do Javari, na Amazônia, impactaram duramente a reputação internacional do Brasil. O caso teve uma grande visibilidade internacional e se tornou foco de sérias críticas externas, ampliando a quantidade de menções ao país na imprensa estrangeira e divulgando no resto do mundo uma imagem muito negativa.
A exemplo do que já se percebia na semana anterior, quando o caso ainda era tratado como desaparecimento, registrou-se o aumento da visibilidade e piora do tom usado para tratar do Brasil. A situação da imagem do país se tornou ainda pior após a confirmação de que os dois haviam sido mortos.
No total, a coleta de informações do Índice de Interesse Internacional encontrou na terceira semana de junho 106 artigos com menções de destaque ao Brasil nos sete veículos de imprensa estrangeiros analisados pelo iii-Brasil. Trata-se de um aumento de 31% em relação à semana anterior e da maior quantidade registrada desde o início da coleta e análise do índice, em abril de 2022. O volume de notícias é mais do que o dobro do que o registrado em muitas das semanas do iii-Brasil, quando os veículos analisados trazem em torno de 40 a 50 menções ao país –quando a maioria dos artigos coletados tinham tom neutro.
Também como na semana anterior, a cobertura mais intensa sobre o caso na imprensa internacional se deu no jornal britânico The Guardian, para o qual Phillips escrevia regularmente. Ao longo da semana, o jornal publicou mais de 30 textos diferentes sobre o desaparecimento, as buscas pelos dois, a confirmação das mortes e a sua repercussão.
Além do aumento da visibilidade do país, a semana também registrou a mais alta proporção de reportagens com tonalidade negativa sobre o país. No total, 70% de todos os textos a respeito do Brasil tinham juízo de valor com potencial de afetar e piorar a reputação brasileira no exterior. Esta foi a maior proporção de notícias de tom negativo coletadas no iii-Brasil nas suas 11 semanas de avaliação.
Uma característica marcante da cobertura da imprensa internacional sobre o caso nos últimos dias é que ela deixou de estar apenas nas páginas de notícias, e ganhou destaque também em artigos de opinião e editoriais dos jornais analisados. Isso indica uma percepção externa de maior gravidade e reflete uma percepção negativa que vai além das pessoas que se interessam sobre política e acontecimentos internacionais. Os editoriais refletem não apenas a opinião das publicações, mas também das elites e do pensamento nos países em que esses veículos são produzidos –como se pôde ver também na manifestação pública do primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, preocupado com o caso.
Artigos deste tipo tiveram destaque no jornal britânico The Guardian (que já havia publicado um editorial na semana anterior e voltou a destacar a opinião da Redação), no português Público, no francês Le Monde, no argentino Clarín e no espanhol El País. O New York Times já havia publicado um texto de opinião (assinado pela jornalista brasileira Eliane Brum) na semana anterior, e focou seus textos da semana em reportagens. Dos sete veículos analisados, apenas o China Daily continua sem publicar nada sobre o caso.
Nos artigos de opinião publicados é possível perceber claramente o tom crítico voltado não apenas para o Brasil como um todo, mas especificamente ao governo de Jair Bolsonaro, associado diretamente ao caso e ao processo de destruição da Amazônia ao qual as mortes estão relacionadas.
O editorial do jornal britânico foi bem direto neste sentido ao argumentar que as mortes do repórter e do indigenista no Brasil ocorrem em meio à crescente violência contra defensores do meio ambiente e jornalistas. “As empresas e os governos também devem ser responsabilizados por tal violência. Garantir justiça para Phillips e Pereira é necessário não apenas para honrar suas vidas e trabalho, mas também para proteger a vida de outras pessoas e defender o meio ambiente que eles tanto prezavam”, diz.
De forma ainda mais dura, um artigo no Observer, que é editado pelo Guardian no fim de semana, diz que “as impressões digitais de Bolsonaro estão em todo o caso”, e alega que “a guerra do presidente na Amazônia desempenhou papel no duplo assassinato”. “O líder do Brasil tem atacado constantemente aqueles que defendem a região onde o jornalista Dom Phillips e o indigenista Bruno Pereira perderam suas vidas.”
Com o título “Amazônia: dois desaparecimentos e um desastre”, o Monde diz que as mortes de Phillips e Pereira “lembram as ameaças que pairam sobre os ‘pulmões’ do planeta e as populações isoladas que ali vivem, entre garimpo, agricultura agressiva, tráfico de drogas e a visão ‘desenvolvimentista’ do presidente Bolsonaro”.
Além de um artigo sobre a violência contra ativistas no Brasil e em outros países da América Latina, o El País publicou um novo artigo de Eliane Brum, que diz que “Bolsonaro mostrou como são tratados os defensores da selva, mesmo quando há uma convulsão global, e indicou que continuará apoiando sua base na Amazônia, formada por ladrões de terras públicas , madeireiros e proprietários de operações de mineração ilegal. Pessoas respeitáveis afirmam que o Estado está ausente na Amazônia. Eu não compartilho dessa visão. O Estado está muito presente. Bolsonaro se apropriou do Estado e o corrompeu a níveis sem precedentes, desmantelando a proteção, controlando os órgãos de defesa e deixando rédea solta aos exploradores da selva.”
O editorial publicado pelo jornal português não foi menos enfático em sua crítica ao presidente brasileiro: “O mais importante recurso para o equilíbrio do clima do planeta está a ser gerido sob a batuta de um homem com uma insensibilidade avessa a qualquer apego à natureza ou aos homens”.
Já o Clarín destacou a opinião crítica ao governo em um artigo que trata da “onda de indignação e críticas ao presidente. As mortes, diz, “reavivaram as críticas a Bolsonaro, que, desde que chegou ao poder em 2019, é acusado de incentivar invasões de terras indígenas com seu discurso a favor da exploração econômica da selva.”
Além da proporção mais elevada de notícias ser prejudicial, nitidamente, sobre o Brasil, a semana registrou também o menor percentual de menções neutras e positivas sobre o Brasil. Apenas 6 das 106 reportagens coletadas na semana (o equivalente a 6%) tinham potencial de melhorar a imagem internacional do Brasil, e somente um em cada quatro textos coletados no período não imprimia juízos sobre o país.
Daniel Buarque é editor-executivo do Interesse Nacional, doutor em relações internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. É jornalista, tem mestrado em Brazil in Global Perspective pelo KCL e é autor dos livros “Brazil, um país do presente” (Alameda) e “O Brazil É um País Sério?” (Pioneira).
Fabiana Mariutti é pesquisadora doutora e consultora sobre gestão de marca de lugar e negócios internacionais; pós-doutorado, doutorado e mestrado em Administração com Bacharel em Comunicação Social. Estuda a marca Brasil desde 2010
Editor-executivo do portal Interesse Nacional. Jornalista e doutor em Relações Internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Mestre pelo KCL e autor dos livros Brazil’s international status and recognition as an emerging power: inconsistencies and complexities (Palgrave Macmillan), Brazil, um país do presente (Alameda Editorial), O Brazil é um país sério? (Pioneira) e O Brasil voltou? (Pioneira)
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