Invasão da Ucrânia não oferece confiança de que os princípios fundamentais da ordem de segurança europeia estabelecida sejam importantes para Moscou, e a neutralidade como status no direito internacional e postura de política externa não é mais vista como forma viável para os países menores navegarem nas zonas de perigo das rivalidades das grandes potências

Por Stefan Wolff*
Com os líderes da Finlândia e da Suécia anunciando que querem que os países se juntem à Otan, está ficando mais claro do que nunca que a tentativa de Vladimir Putin de reestruturar fundamentalmente a ordem de segurança europeia funcionou. Mas não funcionou da maneira que o presidente russo imaginou quando se trata das relações Otan-Rússia ou Rússia-EUA.
A neutralidade como um status no direito internacional e uma postura de política externa não é mais vista como forma viável para os países menores navegarem nas zonas de perigo das rivalidades das grandes potências. Um imperativo constitucional de longa data de neutralidade não protegeu a Moldávia das ameaças russas de que poderia ser o próximo na lista de territórios que o Kremlin quer conquistar em suas tentativas de restaurar uma esfera de influência russa no estilo soviético.
A agressão da Rússia contra a Ucrânia – e a forma como Putin a justificou novamente em seu discurso do Dia da Vitória na Praça Vermelha – não oferece confiança de que os princípios fundamentais da ordem de segurança europeia estabelecida sejam importantes para Moscou. Este tem sido o caso pelo menos desde a guerra da Rússia contra a Geórgia em 2008 e deveria ter sido evidente com a anexação russa da Crimeia e a ocupação de Donbas em 2014.
Mas a brutalidade da guerra na Ucrânia, sua proximidade com as fronteiras da União Europeia e da Otan e o perigo de que o expansionismo da Rússia não pare por aí tornam fundamental para a sobrevivência dos estados vizinhos repensar seus arranjos de segurança. É isso que a Suécia e a Finlândia estão fazendo, e a resposta que encontraram foi se juntar à Otan.
A neutralidade funcionou, especialmente para a Finlândia, durante os períodos da Guerra Fria e pós-Guerra Fria. Com base no tratado de paz aliado de 1947 com a Finlândia e no acordo fino-soviético de amizade, cooperação e assistência mútua de 1948, a neutralidade finlandesa significava que o país não deveria “concluir ou se juntar a qualquer coalizão dirigida contra” a União Soviética em troca de uma garantia aliada da soberania e integridade territorial do país.
O pedido de adesão da Finlândia à Otan pode, portanto, ser visto como uma violação de sua obrigação do tratado. A convenção de Viena de 1969 sobre o direito dos tratados é muito específica sobre o fato de que “todo tratado em vigor é obrigatório para as partes e deve ser cumprido por elas de boa fé”. Isso é muitas vezes referido com a noção de pacta sunt servanda (acordos devem ser mantidos).
No entanto, a convenção também estabelece que uma “alteração fundamental das circunstâncias” pode ser invocada como razão para retirar-se de um tratado se “a existência dessas circunstâncias constituísse uma base essencial do consentimento das partes em obrigar-se pelo tratado”. Claramente, a agressão da Rússia contra a Ucrânia constitui uma mudança fundamental de circunstâncias.
Aprofundando as divisões
As consequências do desafio da Rússia à ordem de segurança europeia estabelecida, no entanto, vão além da provável adesão finlandesa e sueca à Otan. A Ucrânia, juntamente com a Geórgia e a Moldávia, já foi pressionada a apresentar uma candidatura de adesão à UE.
Essas candidaturas podem levar anos para se concretizarem. Mas significam uma tendência não apenas de maior alinhamento, mas também de divisão mais profunda dentro da Europa. À medida que cresce o antagonismo entre Ocidente e Oriente, reduz-se o espaço para a existência de estados entre potências rivais.
Isso, por sua vez, também provavelmente terá implicações para outros estados neutros. A Suíça está cada vez mais alinhada com a UE nas sanções à Rússia. A Áustria e a Irlanda participam há muito tempo na política comum de segurança e defesa da UE. A resposta ocidental forte e unida à agressão da Rússia contra a Ucrânia só vai consolidar ainda mais essa tendência.
Por outro lado, a pressão para que estados atualmente não alinhados em outros lugares do espaço pós-soviético tomem partido, incluindo Azerbaijão, Turcomenistão e Uzbequistão, vai aumentar. Eles serão pressionados a ingressar na Organização do Tratado de Segurança Coletiva liderada pela Rússia (da qual o Azerbaijão e o Uzbequistão são ex-membros) ou intensificar sua cooperação com a Organização de Cooperação de Xangai, liderada pela China (da qual a Rússia já é um membro-chave, ao lado do Uzbequistão, com Azerbaijão como um “parceiro de diálogo”).
Implicações para a Ucrânia
O aprofundamento da divisão na Europa e o fim da neutralidade como uma abordagem viável para a segurança nacional não são apenas impulsionados pela invasão injustificável da Ucrânia pela Rússia. Eles também têm ramificações significativas sobre como isso pode terminar. A ideia da neutralidade ucraniana como uma “solução” que aplacaria Putin o suficiente para fazer um acordo é agora ainda menos viável.
Por que a Ucrânia seria persuadida pelas garantias russas a respeitar sua neutralidade se Estados como Finlândia e Suécia, que não estão sob ataque, não sentem mais que a neutralidade garante sua segurança?
Com a neutralidade como carta fora do baralho, o espaço de barganha entre Rússia e Ucrânia fica ainda menor e a probabilidade de ambos os lados buscarem a vitória no campo de batalha aumenta. Isso apesar do enorme custo que uma vitória militar acarretaria e do fato de que um impasse prolongado e inconclusivo na forma de uma longa guerra é um resultado mais provável.
Eventualmente, uma nova ordem de segurança europeia surgirá das ruínas da guerra na Ucrânia. Será uma que nos levará de volta à Guerra Fria, embora com a cortina de ferro desenhada de forma diferente. Haverá pouco ou nenhum espaço para os países navegarem em suas preocupações de segurança entre os blocos rivais. Essas alianças provavelmente se consolidarão e se aprofundarão mais do que nunca nas últimas três décadas, desde o que se supunha ter sido o fim da Guerra Fria.
Essa nova ordem proporcionará mais segurança para os países alinhados com a Otan e a UE. O caminho até lá, no entanto, será longo e pavimentado com inevitáveis contratempos. A rapidez com que chegaremos lá será determinada na Ucrânia.
*Stefan Wolff é professor de segurança internacional na Universidade de Birmigham, no Reino Unido
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Este artigo foi republicano do site The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original.