01 janeiro 2009

Gás Natural: Evolução e Perspectivas

A partir de um panorama abrangente sobre a evolução das reservas, produção e consumo de gás natural no mundo, o autor discute o desenvolvimento recente desse setor na economia, em geral, e na matriz energética brasileira, em particular. Analisa o balanço entre a oferta e a demanda por esse insumo nos próximos anos e examina a chamada Lei do Gás, ora em tramitação final no Congresso, que a seu ver representa um avanço importante na regulação do setor

A utilização do gás natural no Brasil somente foi impulsionada na década de 1990, a partir da importação de gás da Bolívia pelo Gasoduto Bolívia–Brasil (Gasbol) e da privatização das duas maiores distribuidoras de gás canalizado do país, a ceg e a Comgás. As taxas de crescimento significativas atingidas (entre 2001 e 2007 a demanda elevou-se 9,4% a.a.) foram alavancadas pelos mercados de gás industrial e automotivo. Estes se tornaram os principais vetores de desenvolvimento do gás natural no Brasil e permitiram o crescimento marcante do energético na demanda primária de energia. Assim, a participação do gás atingiu 9% em 2007, nove vezes mais do que em 1974.

Se por um lado foi possível atingir índices inéditos de crescimento, a excessiva dependência de um só produtor expôs o Brasil a um elevado risco de garantia de suprimento. Isso levou o país a construir uma bem-sucedida estratégia de diversificação de suprimento através da implantação de terminais de gás natural liquefeito (gnl). Ao mesmo tempo, novas descobertas nas áreas chamadas de pré-sal das bacias de Santos e Campos abrem perspectivas de aumento de oferta de gás doméstico no médio/longo prazo (que precisam ser confirmadas).

O presente artigo desdobra-se em quatro partes: análise da inserção do gás natural no mundo; análise da inserção do gás natural na matriz energética brasileira; a estratégia de diversificação de suprimento e, por fim, um exame do atual marco regulatório e da Lei do Gás Natural que está tramitando no Congresso Nacional.

O gás natural no mundo Reservas mundiais de gás natural

Entre 1980 e 2007, as reservas provadas mundiais de gás natural cresceram 114%, saltando de 82,5 trilhões de m³ para 177 trilhões de m³. Como mostram o Gráfico 1 e a Tabela 1, essas reservas concentram-se em poucas regiões e países. O Oriente Médio detém 41% das reservas mundiais e o bloco formado pela Europa e pelos países da ex-União Soviética, 33%. O crescimento da importância do Oriente Médio se deu a partir de grandes descobertas no Irã, após a guerra com o Iraque em 1988, e no Catar, após 1999.

Em 2007, a Rússia detinha a maior reserva nacional de gás natural, 44,6 trilhões de m³, ou 25% do total mundial, seguida pelo Irã, com 27,8 trilhões de m³, e pelo Catar, com 25,5 trilhões de m³, correspondendo a 16% e 14% das reservas mundiais, respectivamente.

Em 2007, a longevidade das reservas provadas mundiais de gás natural, mensurada através da relação entre o volume das reservas e a produção anual (razão r/p), situava-se em aproximadamente 60 anos. Em 1980, a razão era de 56 anos, mostrando que, nos anos que se passaram, as reservas cresceram mais rápido do que a produção.

Produção mundial de gás natural

Entre 1980 e 2007, a produção e o consumo médios de gás natural cresceram de quatro para oito bilhões de m³/d, ou quase 100%. Como mostram o Gráfico 2 e a Tabela 2 , em 2007, a Europa, os países da ex-União Soviética e a América do Norte foram as principais regiões produtoras de gás natural, com 36,5% e 27% do total do volume mundial produzido, respectivamente. Até o início da década de 1980, os eua eram os maiores produtores mundiais de gás, contribuindo com 66% da produção mundial. Esta situação alterou-se em 1988, quando a produção russa ultrapassou a americana.

Consumo mundial de gás natural

Entre 1980 e 2007, a taxa média de crescimento do consumo mundial de gás natural foi de 2,6% a.a., sendo o Oriente Médio e a Ásia do Pacífico os locais onde se deram as maiores taxas de crescimento, de 8,2% a.a. e 7,0% a.a, respectivamente. Nos mercados mais maduros como a América do Norte, a Comunidade Européia e os países da ex-União Soviética, o consumo cresceu apenas 0,6% a.a. e 2,2% a.a., respectivamente.

Conforme mostra a Tabela 3, o consumo de gás natural se concentra nos dois maiores produtores mundiais do combustível, a Rússia e os eua, que juntos consomem 37% do gás produzido mundialmente. Ao contrário dos eua, onde o consumo excede a produção e requer a importação de gás, na Rússia o excedente no balanço entre oferta e demanda de gás possibilitou ao país tornar-se o maior exportador do combustível.

Conforme mostra o Gráfico 3, o gás natural desempenha um papel importante na matriz energética de vários países, como nos casos da Argentina e da Rússia, onde o gás representa mais da metade do consumo de energia primária. Nos eua, este percentual é de 25%, enquanto que no Brasil o consumo é relativamente menor, respondendo por 9% do consumo de energia primária.

Comércio internacional de gás natural

Diferentemente do petróleo, o comércio internacional de gás natural é limitado pelos custos mais altos de transporte. Em 2007, enquanto as transações internacionais com gás natural representaram 18,8% do consumo mundial do combustível, aquelas com petróleo corresponderam a 68,3%. Do total dos 2,1 bilhões m³/d de gás comercializados internacionalmente em 2007, 70,8% foram transportados por meio de gasodutos transnacionais e o restante utilizando embarcações de transporte de gás natural liquefeito (gnl). Conforme apresenta a Tabela 4, a Rússia é o maior exportador de gás natural através de gasodutos, seguida pelo Canadá e pela Noruega. Os eua estão no topo da lista dos importadores de gás natural por este modo de transporte, seguidos pela Alemanha e pela Itália.

O comércio internacional de gnl vem ganhando espaço a cada ano, em função da redução dos custos das tecnologias de liquefação, transporte e regaseificação de gás e das limitações político-econômicas do transporte intercontinental a longas distâncias por meio de gasodutos. De acordo com a Tabela 5, as exportações de gnl foram lideradas por Catar, Malásia e Indonésia, sendo que os maiores importadores do produto foram Japão, Coréia do Sul e Espanha.

O gás natural no Brasil

A utilização do gás natural no Brasil começou modestamente por volta de 1940, a partir das descobertas de óleo e gás na Bahia. Inicialmente, a produção nordestina de gás atendia apenas às indústrias localizadas no Recôncavo Baiano. Mas, depois de alguns anos, com o desenvolvimento das bacias do Recôncavo, de Sergipe e de Alagoas, o gás passou a ser utilizado no Pólo Petroquímico de Camaçari, e como combustível para a refinaria Landulfo Alves.

A ausência de grandes reservas de gás no país fez com que, em 1974, sua participação na matriz de energia primária fosse de apenas 1%. A partir do final da década de 1990, o mercado de gás natural começou um grande ciclo de crescimento, devido ao aumento da produção de gás associado na bacia de Campos, mas principalmente à inauguração do Gasoduto Bolívia–Brasil (Gasbol) em 1999, bem como aos investimentos em redes de distribuição efetuados por distribuidores de gás canalizado. Dessas, as principais foram a ceg, no Rio de Janeiro, e a Comgás, em São Paulo, após serem privatizadas no final da década. Com isso, a participação do gás na matriz cresceu para 6% em 2001 e atingiu 9% em 2007.

A primeira tentativa de criar uma âncora de consumo para o gás foi o Plano Prioritário das Térmicas (ppt), elaborado em 1999. O plano, que foi desenvolvido não só para ser um dos vetores da inserção do gás natural na matriz energética, mas também para evitar o déficit de energia elétrica que se avizinhava, acabou não vingando por dois motivos principais: a desvalorização do real ocorrida em 1999, que elevou o preço do gás importado da Bolívia e o custo dos equipamentos; e o racionamento de energia elétrica de 2001, que freou o crescimento na demanda do setor elétrico e levou a um excedente na oferta de energia elétrica nos anos subseqüentes. Em face da sobra de gás natural que se sucedeu ao insucesso do ppt, em 2003, a Petrobras anunciou um plano de massificação do uso do gás natural que tinha como principal vetor o congelamento do preço do gás natural entre 2003 e a metade de 2005. Esse plano mostrou-se bem-sucedido, consolidando os elevados índices de crescimento, em particular no mercado industrial e no automotivo.

Entre 2001 e 2007, a demanda de gás natural no Brasil cresceu a uma taxa média de 9,4% a.a. e passou de 28 para 48 milhões m³/d.

Nesse período, o consumo automotivo foi o que apresentou maior crescimento, 26% a.a., passando de 1,8 para 7,0 milhões de m³/d. Esse expressivo crescimento ocorreu não apenas pela forte competitividade do gás natural frente à gasolina, sua principal concorrente, mas também pelos incentivos destinados ao uso do gás natural. No Rio de Janeiro, por exemplo, há significativa redução de ipva nos automóveis convertidos a partir de 1999.

Em seguida, vêm os segmentos residencial e comercial, com 12% a.a de crescimento no período. O segmento industrial foi o segmento âncora, responsável pelos maiores volumes, crescendo 9,4% a.a. O consumo para geração térmica de energia elétrica apresentou crescimento de 6,6% a.a. e o consumo nas refinarias e fafen, 3,3% a.a.

O modelo de abertura da indústria de petróleo e gás no Brasil, iniciado em 1997, foi bem-sucedido no segmento de exploração e produção, ao atrair um número significativo de novos agentes para o setor: setenta, conforme dados para o mês de março de 2008.

Entre 2001 e 2007, a produção de gás nacional cresceu em média 4,5% a.a. Segundo a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (anp), no final de 2007, as reservas provadas brasileiras de gás eram de 275 bilhões de m³ (anp, 2008). Nesse ano, a produção média diária de gás foi de 49,7 milhões de m³.

Quarenta e nove por cento, ou 135 bilhões de m³, das reservas brasileiras localizam-se offshore, na costa do estado do Rio de Janeiro, onde se produz 45%, 21,9 milhões de m³/d, do gás nacional. A Petrobras é a única produtora. O estado de São Paulo detém 1,1 bilhões de m³, e apresenta uma tímida produção de 0,9 milhão de m³/d. O estado do Amazonas possui a maior reserva nacional onshore, de 51,1 bilhões de m³. Sua produção de 9,7 milhões m³/d é aproveitada para retirar frações pesadas do gás (glp e gasolina natural) e depois reinjetada, uma vez que a infra-estrutura para escoar a produção está em fase de implantação. O escoamento depende do término da construção do gasoduto Coari–Manaus, previsto para meados de 2009. Com 103 km, ele tem capacidade de 5,5 milhões m³/d, expansível para 7,5 milhões m³/d.

Os estados de Sergipe, Alagoas e Bahia compõem o segundo maior pólo produtor de gás do país, com reservas de 42,1 bilhões de m³ e produção de 11,2 milhões m³/d. Por sua vez, os estados do Rio Grande do Norte e do Ceará possuem reservas de 13 bilhões de m³ e produção de 3,1 milhões de m³/d, e o estado do Espírito Santo, reservas de 32,2 bilhões de m³ e produção de 2,6 milhão de m³/d.

Quanto às importações de gás natural, a estatal também é hegemônica e comercializa 90% das importações (atualmente são 100% pois as importações de Uruguaiana e Cuiabá estão suspensas). Além disso, a Petrobras é proprietária da totalidade das 23 unidades de processamento de gás natural existentes no país em 2005.

Conforme mostra o Gráfico 5, a oferta doméstica de gás natural é complementada por importações da Bolívia e da Argentina. Entre 2001 e 2007, a dependência brasileira de gás importado subiu de 45% para 55,5%. Nesse período, a importação de gás da Bolívia triplicou, enquanto a da Argentina caiu 80%. Com isso, a participação do gás boliviano no total importado passou de 84% em 2001 para 98% em 2007.

Em 2008, a importação de gás da Bolívia atingiu a capacidade máxima do gasoduto, chegando a 31 milhões de m³/d em alguns meses. A sua participação na oferta de gás total no Brasil chegou a 50,5%, preocupante para uma efetiva segurança de suprimento num país com uma dependência de 9% do energético em sua matriz.

Em sua versão inicial, o Plangás previa que a bacia de Santos, mais especificamente o campo de Mexilhão, supriria a demanda de gás do Sudeste, enquanto a produção da bacia do Espírito Santo seria direcionada para atender à Região Nordeste utilizando o gasene.

Posteriormente, no segundo trimestre de 2007, a Petrobras reviu sua estratégia e elegeu os campos do Espírito Santo para abastecer os estados do Rio de Janeiro e São Paulo, até que a produção de Santos fosse plenamente desenvolvida. Segundo a Petrobras, a mudança de estratégia se deveu ao fato de que as únicas duas embarcações no mundo capazes de transportar a plataforma de Mexilhão só estariam disponíveis a partir do segundo semestre de 2008. Posteriormente, a estratégia do Plangás sofreu pequenas alterações à luz de dados sobre o atraso em alguns projetos. Sua última revisão é do final de 2007. O Grafico 7 apresenta detalhes desta revisão.

Em termos de produção mensal, a média de janeiro a junho de 2008 teve um crescimento de 2,4% a.m. Assim, para alcançar a meta definida no Plangás, a oferta terá que crescer 14% a.m. entre julho e dezembro de 2008, atingindo 77 milhões de m³/d em dezembro 2008 – Gráfico 8.

Para garantir o suprimento de gás às térmicas, a Petrobras assinou em 2006, com a Aneel, um Termo de Adequação de Conduta (tac), que prevê a aplicação de multas pesadas no caso do não atendimento aos despachos das usinas. Em outubro de 2007, a baixa hidrologia elevou o risco de déficit de energia elétrica de tal forma que foi necessário acionar as usinas térmicas do sistema. No entanto, o gás disponível no país estava, em sua grande parte, comprometido com os mercados cativos não térmicos, que haviam sido desenvolvidos para escoar o excesso de gás inicialmente destinado às termelétricas. Dessa forma, não foi possível despachar as usinas. Essa situação levou a Petrobras a ofertar contratos mais adequados ao perfil de demanda dos consumidores. Até esse momento a relação contratual que regia a comercialização de gás natural no Brasil dividia-se entre contratos firmes e flexíveis.

 Os novos contratos ofertados são:

• firme inflexível: estabelece um compromisso de comercialização com pagamento por quantidades mínimas contratadas por parte do cliente e a respectiva garantia de entrega por parte do fornecedor;
• firme flexível: o consumidor bi-combustível se dispõe a deixar de receber o gás natural sendo substituído por outro energético;
• interruptível: neste modelo, o suprimento de gás natural pode ser interrompido apenas pelo fornecedor. A diferença entre este e o contrato firme flexível é que, na modalidade interruptível, a responsabilidade pela substituição do combustível alternativo fica a cargo do cliente. O preço do gás natural poderá incorporar um desconto em relação ao preço que seria praticado em um contrato padrão do tipo firme inflexível;
• preferencial: nesta nova modalidade, o consumidor é que detém a prerrogativa de interromper o fornecimento. É interruptível apenas pelo cliente, estando o fornecedor obrigado a providenciar o suprimento de gás disponível quando demandado. O preço do gás neste contrato será composto por duas parcelas: uma referente ao custo associado à manutenção da capacidade e outra relativa à energia. Além disso, o contrato detalhará a antecedência e as condições de nominação do gás. A expectativa da Petrobras é que o contrato preferencial seja, predominantemente, destinado ao consumo termelétrico com suprimento via gnl.

A ameaça boliviana

A partir de 2004, movimentos ocorridos na Bolívia passaram a indicar a possibilidade de quebra do contrato internacional de compra e venda assinado em 1999 pela Petrobras e pela ypfb, com duração de vinte anos. O governo brasileiro imediatamente identificou a necessidade de diversificação de fontes de suprimento e determinou que a Petrobras buscasse alternativas. A companhia criou a opção de importação de gnl (Gás Natural Liquefeito) através de implantação de dois terminais de regasificação (montados em navios metaneiros), presentemente em fase final de instalação em Pecém (ce) e no Rio de Janeiro. Ao mesmo tempo, celebrou contratos comerciais garantindo o suprimento de lng em bases flexíveis, estabelecendo garantia de disponibilidade do produto em caso de uma situação de necessidade de despacho de suas usinas termelétricas.

Em paralelo, as recentes descobertas no pré-sal criam alternativas adicionais de suprimento que ainda necessitam ser entendidas em termos de volumes e períodos de disponibilidade. Isso ocorrerá a partir da obtenção de informações adicionais sobre o campo de Tupi nos Testes de Longa Duração (tld) e Piloto programados para entrarem em operação respectivamente no início de 2009 e final de 2010. De posse desses dados, será possível identificar a necessidade e viabilidade de injeção de gás natural nos reservatórios de Tupi e a conseqüente disponibilidade do produto para oferta ao mercado doméstico e internacional. O passo seguinte, e que está sendo considerado neste momento, será desenhar a melhor alternativa econômica de aproveitamento do gás natural disponível para comercialização. Esta poderia ser identificada a partir das seguintes propostas: 1) liquefação offshore; 2) transporte por duto até o continente e sua possibilidade de liquefação em instalações onshore. Não se devem descartar ainda outros breakthroughs tecnológicos como gtl (Gas to Liquids), ainda não testado em instalações offshore.

O marco regulatório e a Lei do Gás

A Emenda Constitucional n.º 9, de novembro de 1995, alterou o artigo 177 da Constituição Brasileira, permitindo a atuação de outras empresas além da Petrobras em todas as atividades da indústria do petróleo e gás natural. A regulamentação da indústria do gás natural na esfera federal é formada pela Lei nº 9 478, de 6 de agosto de 1997, e por portarias editadas pela Agência Nacional do Petróleo (anp). Segundo o artigo 25 da Constituição, a atividade de distribuição de gás canalizado é monopólio dos estados, que podem conceder o serviço a empresas estatais ou privadas.

Voltada essencialmente para o petróleo e seus derivados, a Lei n.º 9 478/2007 mostrou-se inadequada para promover a concorrência na comercialização do gás natural e atrair investimentos em infra-estrutura de transporte.

Na questão da produção de gás natural, a partir da 1ª Rodada da anp criaram-se as condições para que as empresas pudessem construir um portfólio de projetos para criar alternativas de oferta de gás natural ao mercado brasileiro. Neste momento encontra-se em fase de implantação uma série de projetos de desenvolvimento da produção (pelo menos cinco), conduzidos por diversos operadores internacionais, que permitirão atingir esse objetivo.

No caso da comercialização, o principal óbice é o acesso de terceiros aos gasodutos de transporte. A provisão da Lei n.º 9 748 de acesso negociado às redes de transporte não produziu o efeito desejado: a negociação entre os agentes foi longa e marcada pela multiplicação de barreiras à entrada, que efetivamente inviabilizaram a aplicação do conceito de acesso não discriminatório a essa infra-estrutura. Com isso, as negociações sempre resultaram em conflito entre as partes, exigindo a intervenção da anp.

Reconhecendo que a posição dominante da Petrobras no mercado brasileiro requer um tratamento específico para resguardar o setor de práticas anticompetitivas e buscando acelerar a entrada de novos agentes na indústria, foram elaborados alguns projetos de lei que alteram a regulamentação federal relativa ao gás natural, atualmente em discussão no Congresso Nacional. Desses destacam-se o Projeto de Lei n.º 226/2005, apresentado em junho de 2005, pelo senador Rodolpho Tourinho, do então pfl, e o de nº 6 673/2006, apresentado no começo de 2006, pelo Poder Executivo Federal. As duas propostas convergiram para que, em 2007, fosse elaborado o Projeto de Lei n.º 90/2007 da Câmara Federal, através de Comissão Especial, cujo relator foi o deputado João Maia (pmdb–rn). Os principais pontos do Projeto são:

1. alteração da regulamentação do acesso de terceiros interessados aos gasodutos de transporte, que passa de negociado para regulado, com o estabelecimento, por parte da anp, da metodologia para fixação das tarifas de transporte dutoviário;
2. coexistência de dois regimes para o transporte de gás natural: um com autorizações (existentes) e outro com concessões (novos);
3. seleção, pelo Ministério de Minas e Energia (mme), do regime jurídico para cada empreendimento de transporte, havendo clara preferência pelo regime de concessão;
4. adoção de licitações públicas para novas concessões de gasodutos de transporte;
5. separação rigorosa dos negócios de comercialização e transporte de gás natural com a exigência de que todos os transportadores sejam obrigados a constituir empresa à parte para construir e operar gasodutos;
6. decisão, pela anp e mme, sobre o prazo de não aplicação da concessão obrigatória de acesso de terceiros aos novos gasodutos;
7. garantia de prazo de exclusividade para utilização dos gasodutos, de dez anos contados da data de início da operação dos gasodutos autorizados e em licenciamento, durante o qual não há obrigatoriedade de concessão de acesso a terceiros interessados;
8. Chamada Pública para a contratação de capacidade de transporte em dutos existentes, a serem construídos ou ampliados;
9. tarifas dos gasodutos sob autorização serão propostas pelos transportadores e aprovadas pela anp. As tarifas para novos gasodutos, objeto de concessão, serão estabelecidas com base no processo de licitação previsto nesta lei.

Atualmente, o projeto aguarda votação em três comissões do Senado federal – de Constituição e Justiça (ccj), de Assuntos Econômicos (cae) e de Infra-Estrutura (ci) – e no plenário da Casa, para posteriormente voltar à Câmara, de onde finalmente seguirá para sanção do presidente da República. O Ministério de Minas e Energia, através de uma ação diligente de sua Secretaria de Óleo e Gás (sog), está intermediando negociações entre os principais atores do setor e o Senado, buscando a convergência de interesses para termos uma Lei do Gás aprovada no menor prazo possível.

Além disso, é crucial começar a entender quais seriam os impactos de um crescimento significativo da oferta de gás natural de origem doméstica (decorrente das novas reservas do pré-sal, ora em fase de avaliação). Assim como é crucial identificar as modificações que deveriam ocorrer na regulamentação do setor elétrico (principalmente nos leilões de oferta de energia nova) de modo a permitir a competitividade de geração termelétrica a partir do gás natural, aproveitando as vantagens associadas à sua disponibilidade e alavancando novas oportunidades de investimento no setor.

Conclusões

O gás natural apresenta duas condições concretas para elevar a sua participação na matriz energética mundial.

Primeiro, as reservas provadas cresceram 114% entre 1980 e 2007, saltando de 82,5 trilhões de m³ para 177 trilhões de m³. Em 2007, a razão r/p situava-se em aproximadamente 60 anos. Em 1980, a razão era de 56 anos, mostrando que, nos anos que se passaram, as reservas cresceram mais rápido que a produção. Entre 1980 e 2007, a produção e o consumo médios de gás natural cresceram de quatro para oito bilhões de m³/d, ou quase 100%.

Segundo, o crescimento cada vez maior da comercialização do gás natural sob a forma liquefeita, o chamado gnl. A tecnologia de liquefazer o gás natural e posteriormente gaseificar transformou o gás natural em commodity, abrindo novos mercados consumidores. Do total dos 2,1 bilhões m³/d de gás comercializados internacionalmente em 2007, 30% já foram transportados utilizando embarcações de transporte de gás natural liquefeito (gnl).

No Brasil também existem grandes oportunidades para que o gás natural aumente a sua participação na matriz energética.

Entre 2001 e 2007, a demanda de gás natural no país cresceu a uma taxa média de 9,4% a, .a. e passou de 28 para 48 milhões m³/d.

Esse crescimento foi ancorado fortemente no gás proveniente da Bolívia. A diminuição da dependência do gás de origem boliviana, com a chegada da alternativa do gnl, cria uma condição sustentável para permitir o crescimento adicional da oferta.

A possibilidade de novas reservas significativas de gás natural próximas ao mercado a partir das descobertas do pré-sal cria uma alternativa realista de aumento da oferta interna. Infelizmente a identificação dos volumes a serem disponibilizados para comercialização ainda demandará dois a três anos para serem confirmados.

Atualmente, existe uma concentração da demanda de gás natural no setor industrial que decorre do desenvolvimento histórico das redes e da oferta de gás natural. É tempo de desenvolver outros usos para o gás natural que representem oportunidade para aumentar a eficiência energética e diminuir os impactos ambientais, como a co-geração e utilização de gás natural em sistemas de refrigeração, entre outros.

Há a necessidade de acompanhar com atenção o aumento de disponibilidade de gás natural de origem doméstica e a necessidade de alterações na regulamentação dos leilões de oferta de energia elétrica, adaptando-a a essa nova potencial realidade de mercado.

Finalmente, deve-se avançar celeremente na aprovação da nova Lei do Gás Natural (construída a partir do substitutivo do deputado João Maia), de maneira a compatibilizar o novo momento de aumento de oferta (e de competição) com a atração de novos investidores para o segmento. Para alcançar este objetivo, é preciso estabelecer regras transparentes e estáveis, reconhecendo a importância do setor na economia do Brasil e assegurando o seu desenvolvimento sustentado.

É ex-presidente da BG do Brasil e Coordenador do Conselho de Gás Natural do IBP, membro do Conselho de Administração do Instituto Brasileiro do Petróleo, Gás e Biocombustíveis – IBP.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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