Notas sobre o avanço da direita no mundo
O resultado das eleições realizadas no início de março, em Portugal, trouxe mais um avanço da direita no mundo. A votação foi convocada antecipadamente, após o primeiro-ministro socialista Antônio Costa renunciar em novembro passado, como consequência de investigações sobre supostas ilegalidades na administração estatal de grandes projetos de investimento. Como indicavam as pesquisas, o resultado do voto popular não apresentou grandes surpresas, nem um grande vencedor. O partido de direita, Aliança Democrática (AD), com 29,52% dos votos, chegou à frente do Partido Socialista (PS), liderado por Pedro Nuno Santos, que está dirigindo o governo português, e obteve 28,66% dos votos. Superado por pequena margem, o PS vai deixar o poder em Portugal depois de seis anos de governo.
A grande novidade foi o crescimento da extrema direita, com o Partido Chega, liderado por André Ventura, que alcançou 18% dos votos. Xenófobo, anti-imigrante e anti-União Europeia, o partido quadruplicou sua participação no Parlamento Português. Ventura prometeu que, se chegasse ao poder, impediria a entrada do presidente Luís Inácio Lula da Silva em Portugal. Luís Montenegro, líder da AD, deverá buscar formar o novo governo e prometeu não incluir nele a extrema direita. O resultado da eleição mostra Portugal dividido e com dificuldades de governança. A AD não tem maioria no Parlamento e terá de buscar apoio de partidos menores para formar o governo e colocar em vigor sua plataforma conservadora. Embora Montenegro tenha explicitamente anunciado que não fará qualquer aliança com Chega, da extrema direita, que classificou de xenofobia, racista, populista e demagógica, é provável que o líder da AD fique sobre pressão do seu próprio partido para negociar um acordo com a externa direita e permitir que um dos partidos da extrema direita possa ingressar no governo. O líder do Chega já se manifestou nesse sentido. Na prática, o resultado da eleição colocou um fim no bipartidarismo em Portugal e abre a perspectiva de um governo minoritário, o que poderá levar à convocação de novas eleições. Segundo foi informado, algumas lideranças evangélicas brasileiras teriam apoiado pública e financeiramente a AD e mesmo o Chega, dando suporte à direita e à extrema direita em Portugal.
Tendência global com rejeição à imigração
O crescimento da direita e a tomada de poder em Portugal reforça a tendência dos últimos anos na Europa, como ocorrido na Itália, na Hungria, na Polônia e, mais recentemente, na Suécia, na Finlândia, na Holanda, na Espanha e na Alemanha. Na América do Sul, a Argentina elegeu um representante da extrema direita na economia e nos costumes. Em diversos países, a direita mostra sua força ao fazer parte do governo, mesmo como minoria.
No cenário político global, as perspectivas para a direita e a extrema direita são promissoras. Na França, Marie Le Pen poderá representar uma nova conquista da direita europeia, e, nos EUA, caso as pesquisas se confirmem, o movimento da extrema direita, nacionalista e xenófobo de Donald Trump poderá tirar os democratas do poder.
Um dos fatores que une todos os partidos de direita na Europa e nos EUA é a política de imigração. A rejeição aos imigrantes se espalhou na Europa e nos EUA criando um ambiente propício à xenofobia e ao populismo, com a inevitável radicalização e polarização interna. A democracia – como entendida até aqui – está ameaçada pelas ações radicais dos representantes dessa corrente conservadora.
O crescimento da direita no cenário internacional apresenta diferentes aspectos econômicos e políticos e, ainda, questões de costumes e religião.
Na Europa, dos cinco países mais populosos (Alemanha, França, Itália, Espanha e Polônia) quatro têm governos com partidos de extrema direita, ou com votação de mais de 20% nas eleições. A direita europeia ressalta aspectos do conservadorismo nacionalista, tendo como polo irradiador a Hungria. O governo e as instituições húngaras estão engajados em discutir com todo o mundo fórmulas para enfraquecer e derrotar o liberalismo internacional. Segundo Orban, “a Hungria está defendendo, em alto e bom som, alguns princípios anti-establishment sobre imigração, sobre o papel da família, sobre gênero e sobre o papel da soberania nacional”. Essa nova forma de conservadorismo é, na verdade, uma mudança radical do que pregavam Ronald Reagan e Margareth Thatcher. Em lugar da defesa de uma visão internacionalista e liberal vigorosa, existe um profundo ceticismo sobre o multilateralismo e as organizações multilaterais. A política econômica da nova direita está muito mais próxima do pensamento da esquerda, no sentido de que mostra reserva e cautela em relação aos grandes negócios e empresas, mas busca preservar a indústria doméstica e o emprego com a utilização de práticas protecionistas.
Conservadorismo nacionalista avança nos EUA
Nos EUA, o Partido Republicano, tradicional defensor do liberalismo e do livre comércio na economia, transformou-se no partido de Donald Trump. O trumpismo com a bandeira republicana, defende o conservadorismo nacionalista, nas mesmas bases do existente na Europa, mas acrescenta um componente religioso com o apoio dos evangélicos à liderança de Trump. São temas caros ao movimento MAGA (Make America Great Again) na campanha eleitoral do candidato à Casa Branca até novembro, com o ferrenho combate aos imigrantes; a redução do papel do Estado; o fortalecimento do intervencionismo estatal para uma nova política industrial nacional que defenda o emprego dos americanos; o protecionismo comercial; o papel menor nas preocupações globais caso do meio ambiente e da mudança do clima. A explicação para o apoio evangélico a Trump na eleição de 2016 (mesmo sabendo que ele não era cristão), estaria na negociação que teria envolvido o controle da Suprema Corte e a reversão do direito ao aborto, o que de fato veio a ocorrer. O apoio evangélico a Trump na eleição de novembro próximo é solido e poderá ser decisivo para a vitória do conservadorismo nacionalista.
No Brasil, a eleição de 2018 foi um marco na história política nacional. Pela primeira vez, um candidato e um partido assumiram a posição de direita sem qualificação no cenário político brasileiro. Até então, todos os partidos e todos os políticos se declaravam de esquerda, de centro ou de centro esquerda (como Paulo Maluf). Com a vitória nas urnas, o movimento conservador cresceu apesar dos limitados resultados econômicos, sociais, ambientais e externos do governo Bolsonaro. Mesmo com toda a repercussão sobre o que aconteceu em 8 de janeiro, com a invasão e destruição dos edifícios do Palácio do Planalto, do Supremo e do Congresso, mesmo derrotado nas eleições presidenciais em 2022, o movimento da direita conservadora cresce e se consolida como uma força política que não pode ser ignorada.
Forte presença da questão religiosa no Brasil
O movimento conservador no Brasil, embora próximo do europeu e do norte-americano, tem características próprias. Além do liberalismo na economia, pregando o menor papel do Estado e reformas estruturais e da agenda de costumes (gênero, aborto, família, contra corrupção), o movimento conservador – chamado genericamente de bolsonarismo – introduziu a questão religiosa, de maneira mais forte do que em outros países.
Embora não sendo uma corrente religiosa uníssona, os evangélicos, segundo as pesquisas, representam mais de 30% da população brasileira. Como um exemplo da crescente presença da visão religiosa no movimento de direita, em pronunciamento na abertura da grande concentração na Avenida Paulista, Michelle Bolsonaro fez pronunciamento que mereceu pouca atenção do meio político, mas que está impregnado de forte conotação de contestação do establishment nacional. A ex-primeira-dama referiu-se como o “triunfo do mal” o fato de, no Brasil, haver a separação entre a política e a religião: “Por um tempo, fomos negligentes ao ponto de dizer que não poderiam misturar política com religião… E o mal tomou, o mal ocupou o espaço. Chegou agora o momento de libertação… Aprouve ao Senhor nos colocar a frente desta Nação. Aprouve a Deus nos colocar na Presidência da República”.
Chamando aqueles que compareceram à manifestação de “exército de Deus”, Michelle deixou aberta a possibilidade de contestação daquilo que o fanatismo religioso considerar um mal. Além de citar a Bíblia e de pedir apoio divino, referiu-se ao ex-presidente como vítima de perseguição.
A fala de Michelle ignora totalmente que a Constituição de 1988, consagra o princípio da laicidade do Estado. A questão da separação entre a Religião e o Estado é uma cláusula pétrea, ao mesmo tempo em que está garantida a liberdade religiosa. Religiosos de todas as denominações sempre puderam participar do jogo político e serem eleitos para o Congresso. Nunca houve bancadas católicas, evangélica ou agnóstica. Agora, temos uma bancada evangélica com indicações de que estão em campanha dentro de um claro projeto de poder. O perigo é a mistura entre a crença religiosa e a política. Ainda mais grave é o aparecimento de um projeto político religioso, a fim de tomar o poder em todos os seus níveis. Não estaríamos longe de um Estado Teocrático (como o Irã), nos trópicos.
O grande comparecimento na Avenida Paulista em 25 de janeiro, em resposta ao chamamento do ex-presidente Jair Bolsonaro é uma evidência da consolidação da força da direita, com uma maciça participação evangélica. A presença cada vez mais forte e ativa das forças de direita e evangélicas no Congresso será um teste para a agenda política, não só de ocupação dos postos mais altos na hierarquia congressual, mas também de ampliar os benefícios, inclusive tributários, para ministros de confissão religiosa e para as igrejas.
As declarações do presidente Lula sobre a ação militar do governo Netanyahu em Gaza e a comparação do que ocorre com a população civil palestina com o que os alemães fizeram com os judeus tiveram imediata resposta dos evangélicos, como se viu nas numerosas bandeiras de Israel na Avenida Paulista e as visitas dos governadores Tarcísio de Freitas e Ronaldo Caiado ao primeiro-ministro israelense. A declaração para fins externos de Lula, certamente, não levou em conta os possíveis desdobramentos políticos internos pela imediata reação dos evangélicos às declarações improvisadas de Lula e o possível voto contra os candidatos do PT nas próximas eleições municipais.
Para tentar diminuir o prejuízo político, Lula ensaia uma aproximação com os evangélicos, mas diz que o deus do pastor Silas Malafaia não é o mesmo do de Jorge Messias, evangélico e Advogado Geral da União. O grande entrave para essa aproximação, segundo o PT, é o uso político da religião pelos evangélicos.
A forte presença dos evangélicos nas ruas e no Congresso indica a possibilidade de uma campanha acirrada até outubro, com a captura pela direita conservadora de um grande número de prefeituras e câmaras nas próximas eleições. Com isso, fica aberta a porta para um desempenho competitivo da direita nas eleições presidenciais de 2026.
A polarização interna, estimulada tanto pela esquerda, como pela direita, está se transformando em um sério risco para a democracia pela tendência à radicalização ideológica, de um lado, e pela inviabilização do aparecimento de uma posição moderada de centro.
Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.
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