01 outubro 2009

Novos Tempos, Espaços e Públicos: Os Complexos Desafios da Educação Superior no Brasil

Nos anos recentes tem havido expressiva expansão da oferta de vagas públicas, em seguida a um período marcado pelo crescimento do setor privado. Ambas as tendências espelham uma demanda cada vez maior pela educação superior e acarretam mudanças no perfil etário e social dos estudantes. Para o autor, o desafio está em incorporar tecnologias e metodologias educacionais inovadoras, sem o que não será possível atender às necessidades e expectativas desse novo público do ensino superior.

A complexa diversidade do sistema nacional de educação superior sugere fortemente evitar simplificações, frases definitivas, reduções e, especialmente, preconceitos. 


Ainda assim, há que pontuar os elementos básicos presentes e as principais bifurcações. Igualmente, a multiplicidade de variáveis não deve ser motivo para não destacar características fortes e evidentes presentes no modelo atual, independente de setor público ou privado.


A título de exemplo, uma dessas características é a estrutura burocrática e legalista que invade de normas e órgãos esta área, a qual demanda cada vez mais abordagens acadêmicas que muitas vezes não têm correspondência alguma com ações normativas que emperram alterações, mesmo quando as mudanças são perceptíveis e reconhecidamente necessárias à luz de todos os atores.

Dar conta desse cenário, no qual as contradições e os contrastes estão sempre presentes, é, portanto, o desafio permanente, ainda por resolver. Em uma ponta do ensino superior está o ensino médio, reconhecidamente o elo mais fraco de um sistema educacional recheado de fragilidades; na outra, uma pós-graduação relativamente bem organizada e com demonstrações inequívocas de qualidade. Da mesma forma, a produção científica, boa parte dela assentada nos docentes universitários, demonstra surpreendente vitalidade (crescendo de 0,5% da produção científica mundial, no começo da década de 1990, para mais de 2% nos tempos atuais), sem que se tenha alterado de forma substantiva nossa conhecida fragilidade (número de patentes seria somente um dos indicadores) em impactar o sistema produtivo nacional.


A crise financeira em curso engendrou uma crise econômica global, cuja relevância é inquestionável, ainda que não se saiba exatamente o quanto afetará cada país em particular. Os dados hoje disponíveis apontam que, provavelmente, o Brasil será um dos menos atingidos, ainda que isso não signifique deixar de sofrer seus efeitos, demandando análises setoriais não-simples.


Na educação superior, todas as instituições podem ser imediatamente afetadas. Tanto as públicas por novos arranjos nos orçamentos, que demandam ações das áreas de planejamento público, quanto as do setor privado, na medida em que restrições de crédito e alterações de perfis das camadas sociais de sua clientela são elementos que impactam suas perspectivas para os anos vindouros.


Albert Einstein (1879-1955) entende as crises como uma bênção que pode ocorrer com as pessoas e os países, porque traz progressos. Diz ele:
A criatividade nasce da angústia, como o dia nasce da noite. É na crise que nascem invenções, descobrimentos e as grandes estratégias. Quem supera a crise supera a si mesmo, sem ficar superado. Sem crise não há desafios, sem desafios, a vida é uma rotina. Sem crise não há méritos. É na crise que aflora o melhor de cada um. Falar de crise é promovê-la. Acabemos com a única crise realmente ameaçadora, que é a tragédia de não querer lutar para superá-la.


Um rápido panorama numérico


Das 2 300 instituições abarcadas pelo Censo INEP , 89% são do setor privado e 11% de natureza pública. No setor privado, mais de três quartos são particulares e as demais (em torno de ¼) são comunitárias, confessionais ou filantrópicas.


São 23 488 cursos de graduação presencial, 3 702 de educação tecnológica e 408 na modalidade educação a distância. O número total de matrículas é de 5 250 147, sendo 4 880 381 na graduação presencial, 369 766 em graduação a distância e 347 857 em graduação tecnológica.


O crescimento destacado da educação a distância reflete as políticas aplicadas com sucesso nos anos recentes . A modalidade a distância, que representava 1% das matrículas em 2004, em 2007 saltou para expressivos 7% e continua crescendo a passos acelerados.


Dos 4 880 381 estudantes presenciais, 1 240 968 estudam em instituições públicas (615 542 em federais, 482 814 em estaduais e 142 612 em municipais) e 3 639 413 em instituições privadas, correspondendo respectivamente a 25,4% e 74,6% do total de estudantes do ensino superior. Quanto à organização acadêmica, 2 644 187 (54%) estudam em universidades, 680 938 (14%) em centros universitários e 1 555 256 (32%) em faculdades.


Em termos de matrículas globais na gradua¬ção, envolvendo as duas modalidades, a taxa de escolaridade bruta (% de matrículas comparadas com a população jovem entre 18 e 24 anos) já ultrapassa 20%. Por sua vez, a taxa líquida (considerando somente matrículas de jovens) encontra-se um pouco acima de 12%. Números muito distantes do previsto (30%) no Plano Nacional de Educação para o final desta década.


Uma interessante observação que se pode extrair desses números é que mais de 40% de nossos estudantes universitários têm 25 anos ou mais. Em geral, têm emprego, são casados, têm filhos e são oriundos de famílias de classe média, predominantemente baixa.


Dados do questionário socioeconômico preenchido pelos estudantes que realizaram os ENADEs 2005-2006 mostram importante modificação acerca dos meios de comunicação preferidos pelos concluintes. Enquanto a internet em 2002 era a opção de menos de 10%, em 2006 42% a preferiam a todos os outros meios. Nesse ritmo, não resta dúvida de que encerraremos a década tendo a internet como principal meio de informação.


Da pedagogia à andragogia


Os dados apresentados acima mostram a necessidade cada vez maior de abordagens andragógicas , ou seja, que reconheçam o andros (homem, em geral, no caso significando adulto, em grego), em contraposição aos métodos pedagógicos e a paidós (criança, em grego).


Há que notar que o principal público que nos últimos anos estava, de forma destacada, começando a procurar com mais intensidade o ensino superior era aquele proveniente das classes C e D. Isso é verdadeiro tanto no setor público em expansão, notadamente nas universidades federais, como no setor privado.


Entender como a crise afetará esse processo não é tarefa simples, mas necessária. Dois possíveis impactos são cruciais: i) aumento do desemprego e maior competição pelos postos de trabalho, no contexto de alterações no mundo do trabalho; ii) necessidade de agregar mais tecnologias em todos os processos, inclusive educacionais.


Acerca do primeiro, não há elementos disponíveis para uma previsão segura acerca da intensidade de desemprego adicional no Brasil, mas é certo que o ritmo de crescimento das exigências de qualificação da mão-de-obra será intensificado, fazendo com que os que já estão trabalhando enxerguem na educação, cada vez mais, o principal instrumento de manutenção ou obtenção de espaços no mundo do trabalho.


Sobre o segundo impacto crucial, incorporação de tecnologias inovadoras, a crise atual só fará acelerar ainda mais a competitividade em todos os setores, especialmente na formação de recursos humanos, por agregar novos conteúdos tecnológicos.


Enfim, entre os estudantes que chegam à universidade, não há mais somente jovens, quase adolescentes, que recentemente completaram o ensino médio e quase precocemente se definiram por esta ou aquela futura profissão.
Em número cada vez maior, se encontram adultos, com suas características específicas, um público que naturalmente demanda novas metodologias e abordagens didáticas diferenciadas que levem em conta processos de ensino-aprendizagem próprios da andragogia.


Enquanto o denominado bom aluno de antigamente estudava, especialmente, depois que o professor ensinava em sala de aula, hoje dos estudantes é exigido um preparo anterior à ocorrência dos momentos presenciais em sala de aula. Para tanto, além de outras inovações decorrentes, faz-se necessário que material didático seja disponibilizado de forma apropriada e nos momentos adequados.


Nesse novo contexto, a aula expositiva muda de característica, devendo o professor saber que fala para iniciados, priorizando o reforço de conceitos já preliminarmente assimilados, promovendo atividades laboratoriais/experimen¬tais, desafiando os estudantes para um debate mais profundo e participativo.
De fato, caminhamos, de forma acelerada, rumo a uma educação flexível, na qual as boas características de ambas as modalidades, presencial e a distância, poderão e deverão ser contempladas simultaneamente e de forma muitas vezes complementar .


Em décadas anteriores, a formação em graduação nas diversas carreiras do ensino superior consistia basicamente em dotar os futuros formandos de um conjunto razoavelmente bem definido de conhecimentos específicos próprios de cada profissão.


Além disso, na visão anterior, priorizava-se o desempenho individual. Já nas abordagens contemporâneas, o trabalho em grupo ocupa espaço preferencial, para estimular o trabalho em equipe e o desenvolvimento coletivo.
A aprendizagem, antes limitada tipicamente ao espaço da escola, espalha-se por outros espaços, compreendendo o ambiente doméstico, o do trabalho e o caminho de um para outro. De fato, estamos diante de um novo paradigma espaciotemporal, sem limites de qualquer natureza, nem no tempo nem no espaço. Assim, sem prejuízo das especificidades do ambiente escolar, o ensino rompe barreiras e não aceita fronteiras, incorporando todos os possíveis e imagináveis nichos e a todos eles podemos proclamar espaços e tempos de aprendizagem.
A educação permanente ao longo da vida, a inundação da aprendizagem ocupando todos os possíveis espaços e a concepção de que todos seremos estudantes para sempre estão em perfeita coerência com a predição de Albert Einstein, que um dia ousou definir que educação é aquilo que fica quando esquecemos o que nos foi ensinado.

O perfil do profissional contemporâneo


Como abordado acima, no que concerne às aulas tradicionais, pouco ou nada tem-se alterado ao longo de décadas. Há quem prefira falar em séculos ou milênios. Poder-se-ia argumentar até mesmo em favor das boas tradições, alegando sua eficiência e eficácia (afinal funcionava!). No entanto, a verdade no universo educacional é que o mundo extraeducacional tem-se alterado com rapidez e profundidade antes inimagináveis, enquanto as metodologias adotadas, associadas aos processos de ensino-aprendizagem, invariavelmente, têm-se mantido essencialmente as mesmas.


O que esperar de um profissional, egresso de um curso superior, é tudo menos o mesmo, se compararmos décadas atrás com os tempos atuais. Mais ainda, se pensarmos o que se demandará uma década à frente. Há, de fato, um abismo entre o que seria o indiscutível talento de outrora e o que é alguém preparado para o futuro.
Um grande complicador é que o que se espera, em termos de competência, hoje e amanhã, inclui os requisitos de ontem. Isso faz com que seja necessário criar novos atributos sem abrir mão dos anteriores. Um resumo de todas as mudanças está na diferenciação entre competência técnica e competências múltiplas.


Houve um período em que era suficiente o domínio de um conjunto razoavelmente delimitado de conhecimentos, associado a um elenco restrito de técnicas e procedimentos básicos contidos nos currículos-padrão definidos para cada profissão.


Assim, cumpridos (muitas vezes compridos também) os créditos, tínhamos o formando, no limite, preparado para o exercício profissional. Era por essa simples razão que funcionava, quase sempre. O dilema de hoje, bem como do futuro, é mais singelo ainda: simplesmente, não funciona mais!


A sala de aula reproduz e reforça o padrão do bom comportamento desejável do estudante calado. Sentado em fileiras, invariavelmente bem separadas e organizadas de tal modo que, dispostos um atrás do outro, estejam distanciados ao máximo. Preparados para copiar a fala do professor e estudar depois, tal como previsto e apregoado. Individualmente, tal como será depois testado.


O espaço organiza a não-interação, o não-discurso entre os pares, em total não-sintonia com o mundo do trabalho em que eles (os estudantes) estarão imersos em suas vidas profissionais.


Em complemento à competência técnica, aspecto quase único dos enfoques tradicionais, existem hoje múltiplas habilidades a serem desenvolvidas e estimuladas. Entre elas, destaco a competência emocional, a capacidade de trabalhar em equipe e a vivência em laboratórios no enfrentamento de situações-problema, elementos em geral inexistentes (ou pouco explorados) nos currículos típicos.


O aspecto comportamental é absolutamente crucial quando um profissional se depara com um problema inédito, um tema inovador ou tecnologias recentes. Se ao longo do período escolar, o qual é rigorosamente infindo, essas emoções, que preparam para enfrentar desafios, não tiverem sido trabalhadas, o suposto cidadão, ainda que dominando as técnicas convencionais, terá enorme chance de fracasso.


E provavelmente não terá instrumentos para até mesmo lidar com o fracasso. Se os entornos emotivos comportamentais não tiverem sido preparados adequadamente ao longo dos percursos acadêmicos, a prática no trabalho talvez não lhe seja suficiente para as superações requeridas, dentro dos tempos disponíveis.
Uma outra capacidade associada às novas competências é o trabalho em equipe. No passado recente, os exercícios profissionais eram atos majoritariamente isolados à semelhança dos processos avaliativos típicos, nos quais a relação básica era entre um problema discreto (isolado) e um indivíduo. No futuro próximo, inclusive hoje, a imensa maioria dos desafios, em qualquer profissão, envolve um grupo de atores e um somatório de questões complexas e inter-relacionadas.


Assim, não é mais aceitável que a preparação para ambientes tão distintos, o passado e o futuro, seja a mesma. É óbvio que não pode ser. No entanto, em quase todas as práticas educacionais atuais (há exceções que confirmam a regra, notadamente em nossa boa pós-graduação), os processos avaliativos baseiam-se predominantemente em relações simples e singulares entre um educando isolado e um problema discreto e dissociado.


A competência de liderança dos estudantes, a capacidade de tomar iniciativa, a habilidade gerencial, a compreensão do coletivo e a sensibilidade quanto ao ambiente em que estão imersos são atributos que raramente estão presentes nas avaliações, tanto de ingresso como de saída, dos estudantes de graduação.


O papel-síntese das experiências em laboratórios, os estímulos diversos ao trabalho em grupo e a sensibilidade que reconhece no outro, e em si mesmo, as qualidades, peculiaridades e limitações são práticas pouco, ou nada, exercitadas nas metodologias clássicas adotadas.


Para tratar do avesso do avesso, insisto que nada disso isenta a necessidade de profundo conhecimento dos aspectos técnicos específicos (capacidade técnica). Os estímulos às novas competências não menospreza o conhecimento tradicional e mesmo os procedimentos-padrão de avaliação. Não se trata de substituir, mas sim de agregar. Ensinar não ficou mais simples, transformou-se em mais complexo, como a vida e o mundo do trabalho que nos cerca.


Estudar antes: uma solução simples e eficiente


Não há teoria educacional aceitável que não esteja baseada na prática. Por outro lado, pouco ajuda a prática dissociada e que dispensa teorias, dado que errática. Se um resumo fosse necessário para identificar de forma sintética a “novidade” ou “característica” do processo proposto, diria: simples, basta estudar antes.


A proposta de estudar antes das aulas lembra, guardadas as diferenças e circunstâncias, uma frase presente nas manifestações estudantis de 1968 na França: sejamos realistas, peçamos o impossível! A semelhança entre o realismo e o impossível é o caminho em construção. Ninguém imagine a tarefa simples ou imediata.


Trata-se efetivamente de mudar uma cultura. Antiga porque calcada em hábitos que vêm da educação básica e arraigada porque envolve todos os atores, tanto alunos como professores. No entanto, não há outro caminho capaz de formar pessoas preparadas adequadamente aos nossos tempos, daí o realismo.


Para termos noção da dimensão do problema, é bom recordarmos que em nossa cultura educacional a criança com seis ou sete anos é obrigada a ir à escola. E é bom que seja assim. Os pais ou responsáveis respondem legalmente pelo não-cumprimento dessa obrigação.


De forma que, mesmo que puxados pelos braços, os alunos iniciam a vida escolar no ensino fundamental e permanecem ao longo do ensino médio, ao menos aqueles que atingem este nível. Em suma, permanecem as características de escola enquanto obrigação e o ideal do aluno associado fortemente ao ato de estudar somente depois aquilo que foi ministrado previamente em sala de aula.


Até o passado recente, o ensino universitário era predominantemente de acesso exclusivo às classes sociais médias e altas. O caso mais comum (típico) era de jovens em torno de vinte anos, seguindo para universidade quase por inércia, imediatamente após o ensino médio, por impulso social, quase sempre sem compromisso com o trabalho e com hábitos e costumes totalmente “grudados” àqueles do ensino médio.


Coerentes com tal perfil, os métodos educacionais adotados não procuraram em nada destoar das metodologias pedagógicas anteriores, muitas vezes agravados pelo estímulo à memorização e preparação a responder questões, elementos típicos associados aos processos seletivos que ainda perduram.


Tal cenário tem sido invadido por todos os lados e, às vezes, demoramos para percebê-lo, dando uma sobrevida a algo que não mais responde às novas realidades. Os estudantes já não são os mesmos, sendo que na virada desta década, do que estamos próximos, a maioria do corpo discente terá mais de vinte e cinco anos, será casada, com filhos, trabalhando e, em geral, estudando à noite.


O mundo do trabalho está a exigir profissionais mais bem formados do que simplesmente informados, com capacidade de trabalhar em equipe e preparados para se educarem ao longo da vida. Enfim, que tenham habilidades e competências capazes de fazer com que não temam o novo, estejam preparados para desafios, sejam eles quais forem. Tais ingredientes serão definidores do sucesso ou insucesso das empreitadas.


Assentadas nos argumentos dos mecanismos autoinstrutivos  tradicionais, buscando compatibilidade com os perfis dos estudantes atuais e com os futuros profissionais que pretendemos formar, as considerações apresentadas aqui valem indistintamente para a modalidade presencial ou a distância.


As atividades que precedem os momentos presenciais não têm a intenção de substituí-los, mas de prepará-los para uma nova dinâmica de sala de aula. As abordagens aqui propostas aproximam-se daquilo que costumamos denominar de modalidade híbrida flexível, a qual procura combinar os elementos mais adequados das duas modalidades, presencial e a distância.


As tecnologias inovadoras que puderem ser incorporadas são essenciais, ainda que apenas ferramentas do processo, para viabilizar a transmissão do conteúdo das disciplinas, bem como seus cronogramas e outras funcionalidades, de modo que todos esses elementos estejam acessíveis aos estudantes desde os primeiros momentos da relação professor-estudante.


As experiências de sala de aula são o motor principal capaz de dar vida às teorias. Dessa forma, construídos coletivamente, os procedimentos e abordagens jamais pretenderão ser receitas gerais, universais e atemporais, o que contrariaria os postulados de respeito às diferenças e de reconhecimento das peculiaridades, riquezas maiores do cenário educacional brasileiro.


A criatividade e o papel do professor


A civilização micênica, em torno do século XVII a.C., constituiu-se no primeiro império do mundo ocidental por controlar o bronze e, a partir dele, obter ferramentas para uma agricultura geradora de excedentes e para a fabricação de armas de guerra, que permitiram escravizar seus vizinhos . Ela foi, posteriormente, derrubada pelos dórios, no século XII a.C., que, por sua vez, dominavam o ferro, superior ao bronze para aquelas finalidades.


Mais recentemente na história da Humanidade, o país que controlasse colônias e, consequentemente, o fluxo de matérias-primas, transformava-se em nação dominante. Em seguida, a prioridade esteve associada ao controle do processo industrial e da apropriada manipulação da ciência e, especialmente, da tecnologia dela decorrente.
Considerar o passado ajuda a entender o presente e ousar prever o futuro. Temos pouquíssimos elementos para saber o que será, nos próximos anos, determinante na relação entre países e entre grupos sociais dentro de um mesmo país. No entanto, se tivéssemos que apostar em uma única palavra, para definir o que está por vir como determinante, provavelmente a palavra-chave seria criatividade.


A dificuldade, no entanto, começa por não termos uma definição precisa do que seja afinal criatividade. Para a mais abrangente abordagem, ela está associada, genericamente, à ação de um indivíduo ou grupo, o qual, usando os símbolos e conceitos de um dado domínio da arte ou da ciência, introduz uma nova ideia, que é coletivamente considerada relevante para o desenvolvimento daquele próprio domínio.


Criatividade está também associada a processos de mudança, de desenvolvimento e de evolução na organização da vida subjetiva, através da manipulação de símbolos ou objetos externos para produzir um evento incomum para nós ou para nosso meio.


Seria mais adequado afirmar que, dentro do amplo universo de conceitos sobre criatividade, eles se assemelham e muitas vezes se complementam. Os diversos conceitos estão ligados a estilos de pensamento, características de personalidade, valores e motivações pessoais ou coletivas, bem como a fatores de ordem social e normas previamente estabelecidas.


Portanto, criatividade está associada a variá¬veis diversas, contendo elementos de natureza complexa, de características multifacetadas, envolvendo uma interação dinâmica entre elementos relativos à pessoa, ao coletivo, ao ambiente, a valores e normas culturais. A criatividade contempla associações e combinações inovadoras de planos, modelos, sentimentos, experiências e fatos.


Etimologicamente, criatividade deriva de criar, do latim creare, que significa dar existência ou estabelecer relações até então não-configuradas no universo do indivíduo ou do coletivo.
Educacionalmente, é preciso estabelecer que criatividade não é privilégio de selecionados, podendo e devendo ser desenvolvida através de determinadas condições que colaboram com suas manifestações ou com a amplificação das mesmas.
Mesmo não excluindo ninguém de potencial criativo, é certo também q

ue alguns indivíduos já apresentam, naturalmente, maiores evidências desse padrão de comportamento curioso, investigativo e voltado para a experimentação, tanto em suas áreas de interesse como em terrenos nem tão familiares, envolvendo outras culturas, tecnologias, idiomas etc.
Acredita-se também que o potencial criativo tenha início na infância. Quando as crianças têm suas iniciativas criativas elogiadas e incentivadas pelos pais, tendem a ser adultos mais ousados, propensos a agir de forma inovadora. O inverso também parece ser verdadeiro.


Enfim, embora não conheçamos nenhuma regra preestabelecida, podemos elencar fatores que podem ser positivos ou negativos para a criatividade, estimulando-a ou inibindo-a, fatores que dependem das características presentes em determinada organização e nas concepções e posturas dos responsáveis pela sua gestão.


A grande novidade que enfrentaremos, em futuro bem próximo, será menos a comprovação da relevância da criatividade e mais a constatação de que se trata de algo que podemos despertar e estimular ou, alternativamente, reprimir, inibir e sufocar. Em especial, perceberemos, cada vez mais, que Educação tem tudo a ver com criatividade.
Assim, no campo educacional, a criatividade está relacionada com a capacidade de absorver, transformar e produzir conhecimento. Cabe à escola garantir as condições fundamentais para a educação e propiciar o ambiente adequado para que o estudante seja estimulado a criar a partir do que já foi aprendido, lidando com o novo e despertando valores positivos associados à invenção em geral e à descoberta de conhecimentos originais.


Partindo do pressuposto de que criatividade é uma capacidade que pode ser estimulada, ela está relacionada de várias formas com os atos de ensinar e de aprender, através de suas metodologias, no sentido amplo do termo.
No meio escolar, se o educando estiver inserido num ambiente acolhedor e prazeroso, estimulador da inventividade e do apreço pelo novo, certamente isso contribuirá (pelo menos haverá uma chance maior disso) para que ele seja um cidadão e um profissional mais criativo nas etapas posteriores.


Fundamental é expor o educando à criatividade, ou seja, propiciar-lhe oportunidades e incentivá-lo a buscar novas experiências, motivando-o a testar hipóteses e, principalmente, a estabelecer novas formas de diálogos. Esse processo fica ainda mais rico quando realizado com pessoas de outras formações, com diversos tipos de experiências e provenientes de diferentes culturas.
A dificuldade é que sabemos muito pouco acerca desse suposto ambiente acolhedor e estimulador da criatividade. Curiosamente, sabemos muito mais sobre como inibi-la, como bloquear inventividades e como dar espaço ao desprezo e ao preconceito contra o novo. São muitos os exemplos desses obstáculos, inclusive ambientes escolares desmotivadores, metodologias ultrapassadas e desconectadas da realidade do educando, viés autoritário e repressor etc.
Saber o que inibe a criatividade não é desimportante; ao contrário, é muito importante. Ao identificarmos os elementos que cerceiam inovações, temos metade do caminho cumprido em direção a gerar os ingredientes que despertam a inventividade e deixam fluir a capacidade de criação.


Certamente. o papel do professor no contexto escolar é crucial nessa mediação de processos de ensino-aprendizagem que tenham como preocupação central desinibir aspectos associados à criação. Cabe especialmente (não exclusivamente) ao docente a difícil identificação dos fatores influenciadores (estimuladores e inibidores) da inventividade no ambiente educacional.

Várias barreiras a superar

Adams , analisando aspectos da criatividade, assinala quatro tipos de fatores ou barreiras potencialmente bloqueadores da inventividade: i) emocionais, quando as emoções agem sobre a capacidade de pensar, de comunicar as ideias e opiniões, associadas a receios diante da possibilidade de fracasso; ii) culturais e ambientais, quando as ideias e concepções de uma determinada sociedade, cultura ou grupo atuam de forma a inibir a quebra de paradigmas das próprias crenças, dificultando a aceitação de um novo modo de pensar; iii) de intelecto e de expressão, que interferem diretamente na formulação de ideias, gerando inibição e desconforto na forma de expô-las com clareza e convicção; iv) de percepção, quando os obstáculos impedem compreender problemas ou as informações necessárias para a sua resolução.


Para superar as barreiras emocionais, há que criar, especialmente no espaço da sala de aula, um ambiente que valorize também o erro, tal qual o acerto, como elementos integrantes do mesmo processo de aprendizagem. O fracasso, ou aquilo que assim é entendido, deve ser lido como ingrediente motivador na construção do processo dinâmico seguinte. E a superação tratada com naturalidade. Não é simples essa construção, mas é fundamental que a persigamos na prática.


Já os bloqueios culturais e ambientais, gerados por pressões sociais, culturais ou de um determinado grupo a que pertencemos, podem tornar nada fácil a aceitação de ideias diferentes ou divergentes daquelas tradicionalmente dominantes.


É bom destacar que se costuma associar o fato de maior diversidade de ritmos musicais a espaços mais propícios para o estímulo da criatividade. Haveria, em tese, uma correlação entre diversidade musical, seja ela produzida, praticada ou simplesmente ouvida, e ambientes criativos. Quanto mais ritmos musicais um grupo social, uma região ou um país dominam, praticam e divulgam, mais criativos tendem a ser seus habitantes ou componentes. Assim, ambientes que se caracterizam pela pluralidade, flexibilidade, diversidade e tolerância são, em princípio, mais propícios a derrubar barreiras culturais e ambientais.


Na escola, o professor que, além do conhecimento específico que o caracteriza, tem também um papel de orientador e facilitador, deve estar atento a todas as situações. O ambiente escolar é composto de pessoas felizmente bastante diferentes entre si. Os preconceitos e prejulgamentos devem ser pauta de discussões entre o corpo docente e o corpo discente para que todos possam compreender e respeitar as diferenças existentes dentro de qualquer grupo formado por pessoas. Ser diferente é normal.


Outro fator apontado são as barreiras intelectuais. Essas barreiras estão relacionadas com a dificuldade de escolha ou com a falta de linguagens ou de estratégias para solucionar problemas, situação em que um indivíduo ou um grupo acaba prejudicado, pois desmotivado a buscar criativamente alternativas para transpor os problemas apresentados.
Para a superação das barreiras intelectuais, pode o docente trabalhar com possíveis sistematizações para a solução de problemas (existem várias), apoiando-se nos estágios clássicos: primeiramente, a percepção do problema; em seguida, a teorização do mesmo e o estímulo à inspiração sobre os possíveis caminhos para sua solução; e, por último, a conversão da ideia mental em ideia prática, na busca da solução final do problema proposto.


Dois elementos complementares contribuem para quebrar barreiras intelectuais. O estímulo à boa prática da expressão escrita, bem como da expressão oral, as quais compõem elementos determinantes no sucesso de qualquer profissional na realidade atual. Segundo, agrega-se a isso a capacidade de desenvolver-se e produzir em equipe, aspecto vital nas ações contemporâneas do mundo do trabalho. São elementos conectados: o trabalho em equipe é mecanismo fortemente estimulador da capacidade de comunicação; por sua vez, as habilidades de comunicação favorecem sobremaneira o trabalho em equipe.


Quanto às barreiras de percepção, um fator que pode acarretar prejuízo é o excesso de informações. Às vezes, muitas aulas expositivas, ao invés de esclarecer a respeito do que deve ser feito, acabam tendo um efeito contrário, gerando aquilo que Adams denominou “limites imaginários”.


Por vezes, os estudantes não conseguem avançar devido à ilusão da impossibilidade ou à dúvida sobre a capacidade própria de criar. É muito importante que o professor perceba, mais do que ninguém, que, quando as pessoas sabem que suas ações serão valorizadas, parecem tender a criar mais. Quando sentem que não estão sob ameaça (de ser reprovados injustamente ou de cair no ridículo, por exemplo), os estudantes perdem o medo de inovar e revelam melhor suas habilidades criativas.


Criatividade é o elemento mais importante dos processos educacionais do futuro e do presente. O fato de seu conceito ser complexo não pode e não deve minimizar sua relevância. Ela deve estar permanentemente associada, como fator principal, inerente a todas as estratégias educacionais, para que estas sejam compatíveis com a realidade do mundo atual.

Um novo cenário: os riscos da concentração e pasteurização

No cenário atual de crise financeira no mundo, a escala é um fator preponderante na sobrevivência, sucesso ou desaparecimento de empresas em todos os ramos de atividades. Na educação não é diferente e as instituições privadas não estão imunes à crise, seja no que ela representa de crise ou de oportunidades.


Há uma clara tendência macro à incorporação das instituições menores pelas maiores, gerando a formação de empresas holding, as quais muitas vezes se estabelecem como empresas de capital aberto em bolsas de valores, criando espaços compartilhados de controle e de definição de valores.


Talvez ainda seja prematuro emitir juízos definitivos de valor e sobre tendências de ganho ou perda de qualidade. No entanto, é perceptível que tais movimentos caminham em direção à incorporação de metodologias educacionais padronizadas, currículos unificados, sistemas de ensino mais estruturados e cada vez menos espaço para metodologias inovadoras, dependentes de conjuntos específicos de professores ou de especificidades regionais ou de propósitos peculiares a um certo contexto ou clientela.


Tende-se, nas instituições componentes de um grande grupo, a um processo de pasteurização metodológica, para aproveitamento de ganhos de escala e otimização de custos.


É inegável que a padronização de metodologias, via ensino estruturado, pode eventualmente acarretar melhoria de qualidade em instituições previamente muito deficientes e sem rumo. Por outro lado, há exemplos de perdas irreversíveis de qualidade resultantes do menosprezo e do atropelo, decorrentes da centralização da gestão, a abordagens que levavam em conta contextos regionais, especificidades históricas próprias e relacionamentos pes¬soais estabelecidos na instituição incorporada ao grupo maior.


No cenário de concentração que se desenha em nível macro, creio que sobreviverão, além dos grandes grupos, pequenas instituições que consigam explorar suas especificidades e peculiaridades e incorporar novos modelos acadêmicos com agilidade e ousadia. Fazer uso de suas escalas menores, perante uma conjuntura educacional em que todos estarão desafiados a se reestruturar, pode ser uma agradável novidade em um cenário em que instituições de porte médio (mezoescala) tenderão a desaparecer.


Restarão em médio prazo, portanto, no setor educacional privado, em condições de enfrentar os períodos pós-crise, as grandes empresas, com seus atributos e fragilidades, e aquelas nano, quase familiares, que fazem uso intensivo de seus elementos diferenciais.

O emaranhado jurídico como obstáculo à inovação


Não há um elemento único capaz de expressar a extrema complexidade que caracteriza o setor da educação superior no País. Um deles, no entanto, contribui no sentido de dificultar os processo de mudanças necessárias: a febre jurídica que assola a educação superior no País.


Baseados na fé da capacidade normativa, abundam decretos, portarias, resoluções e órgãos. Em que pese a boa-fé das iniciativas, elas nada mais são do que reflexos perversos da falta de perspectivas educacionais. A ausência do saber o que fazer educacionalmente é preenchida pela edição de normas, sem perceber que as normas não só não induzem à qualidade como, ocasionalmente, a prejudicam sobremaneira.


Curiosamente, os instrumentos jurídicos criados, que têm seus estímulos principais no controle sobre o setor privado, geram máquinas de desestímulo às necessárias inovações e ousadias acadêmicas, as quais, em geral, têm no terreno normativo extremado seus maiores inimigos.


As iniciativas educacionais inovadoras nesse emaranhado normativo, decorrente da extrema judicialização do ensino superior, poderão representar um fôlego fundamental. Por exemplo, no setor público federal, o Programa REUNI (Reestruturação Acadêmica e Expansão das Universidades Federais)  é um sopro de ar fresco em uma sala já quase sem ar, ainda que ao longo de seu processo de implantação tenha progressivamente perdido sua ênfase na reestruturação acadêmica, fixando-se cada vez mais e tão somente na expansão de oferta de vagas.


Em tese, o setor privado poderia estar igualmente experimentando novas experiências, emtermos de modelos acadêmicos e adoção de metodologias inovadoras, com o mesmo vigor ou até mais disposição do que o setor público. Mas, definitivamente, não está.


As razões são múltiplas, mas o cerceamento normativo, fruto da extrema judicialização do ensino superior, é uma das razões principais. O setor privado não está fazendo uso, infelizmente, de sua maior agilidade, de sua mais natural flexibilidade, especialmente instituições de menor porte e com maior capacidade de impor comandos mais rapidamente.


Enfim, as tendências acadêmicas expe

rimentadas pelas pequenas instituições ousadas poderão no futuro próximo representar um desafio capaz de amedrontar o macrodragão dos empecilhos jurídicos normativos que ocupam os espaços educacionais.


É secretário de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação do Ministério da Ciência e Tecnologia, professor titular de Física da Universidade Federal de Santa Maria e pesquisador do CNPq. Anteriormente, foi secretário da Educação Superior e secretário de Educação a Distância do Ministério da Educação.

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