O BRASIL E O MERCADO ESPACIAL GLOBAL
A ratificação pelo Congresso Nacional do Acordo de Salvaguarda Tecnológica (AST) com os EUA torna possível o uso comercial do Centro de Lançamento de Alcântara, no Maranhão. Com isso, ficam viabilizadas significativas perspectivas comerciais para o Brasil entrar em um mercado anual de mais de US$ 12 bilhões, em especial no de satélites de pequeno porte.
O interesse brasileiro é de tornar possível um centro de lançamento competitivo, o que permitirá a entrada do Brasil no nicho de mercado de satélites de telecomunicações e de meteorologia.
Com a entrada em vigor do acordo, o grande desafio agora será tornar o Centro operativo para lançamento de satélites no prazo mais curto possível. Para tanto, serão necessárias medidas de caráter politico para abrir ao Brasil as portas do importante mercado global espacial. A partir de agora, espera-se que o governo federal acelere e complete as mudanças na governança do setor e defina uma estratégia, de longo prazo, que dê previsibilidade para as eventuais empresas interessas, não só dos EUA, mas de outros países, com a França, Israel e Japão.
Os setores competentes do governo estão trabalhando para acelerar os entendimentos internos e externos para aprovação de propostas que permitam a negociação de contratos comerciais com as empresas externas interessadas. O grande desafio será superar os tramites burocráticos – que ainda dificultam a tomada de decisões – com a rapidez que atenda aos interesses do pais.
Dentre as negociações e decisões decorrentes da entrada em vigor do Acordo de Salvaguardas Tecnológicas, cabe mencionar:
Lei Geral do Espaço. Definição do papel das ações civis e militares, bem como das atividades comerciais no espaço, tais como mitigação de detritos espaciais, entre outros. É relevante ressaltar a importância de consultas com as empresas potenciais parceiras de lançamento para que possam compartilhar as suas ideias sobre medidas que fariam do Brasil um lugar atrativo para investimento versus outras opções (Cazaquistão, Açores, etc.). Na legislação deveria estar incluída regulamentação do uso privado de recursos recolhidos no espaço (ex: mineração da Lua), como fizeram nossos concorrentes. EUA, China, Luxemburgo, Nova Zelândia e Emirados Árabes Unidos criaram regras para exploração privada de recursos achados no espaço, com uma clara posição de favorecimento de negócios.
Atualização das regras de lançamento espacial. Para facilitar e acelerar os contratos, deveria ser permitido co-validação de licenças. O reconhecimento mútuo permitiria que empresas que já tiraram licença com a agência (FAA), dos EUA, teriam a sua licença aceita no Brasil, reduzindo por muito a carga burocrática.
Modelo de negócios para uso de Alcântara para lançamento comercial. Uma das definições mais urgentes se refere a negociação dos contratos comerciais para uso do Centro. Quem firmará com a empresa estrangeira? As regras atuais inadequadas para o tipo de negociação com parceiro comerciais externos desaconselha a prática de licitação prevista para qualquer outro contrato. De natureza completamente distinta, se não for encontrada uma fórmula mais desburocratizada, ágil e com segurança jurídica, haveria um grande desincentivo para investidores. Existem algumas opções em discussão, mas o importantes seria que os contratos pudessem ser negociados diretamente com as empresas, sem necessidade de licitação.
Infraestrutura. Serão necessários investimentos para que não só lançamentos pequenos, mas também pesados, possam ocorrer no CLA. Isso significa a construção de um porto de porte adequado para acomodar foguetes de qualquer tamanho, e de um nova estrada, inteiramente dentro do Centro, conectando os vários setores, ampliação da pista e construção de um aeródromo maior e moderno. Para tudo isso, terá de ser resolvido definitivamente a questão fundiária com negociação com as famílias de quilombolas que vivem em parte do território do Centro.
Facilitação de comércio. A conclusão das negociações sobre acordo de Pesquisa, Desenvolvimento, Teste e Avaliação (RDT&E, em inglês) com o governo de Washington para permitir que os dois governos e as empresas de defesa de ambos lados possam trabalhar em projetos de P&D conjuntos para produtos militares e controlados, como satélites. Existe mais do que US$ 100m do lado americano aguardando a conclusão das negociações e a assinatura para poder ser utilizado em projetos conjuntos. Por outro lado, deveria ser proposto ao lado norte-americano um acordo semelhante ao já existente com a Índia para permitir o rápido acesso de empresas brasileiras a equipamentos de uso dual, em particular na área espacial. Deveriam também ser exploradas possibilidades de cooperação e mesmo de propostas de projetos conjuntos no contexto do novo situação do Brasil como aliado preferencial dos EUA extra-Otan. A adesão do Brasil aos acordos multilaterais de controle do Grupo da Austrália (armas químicas) e de Wassenar (tecnologia de uso dual) também facilitariam o acesso a produtos e a tecnologias sensíveis na área da Defesa.
Na semana passada, esteve no Brasil missão comercial integrada por seis empresas norte-americanas interessadas na utilização de Alcântara. Depois de visita ao Centro de Lançamento, as empresas mantiveram encontros com autoridades brasileiras em São José dos Campos e reuniões com empresas nacionais para examinar possiblidades de cooperação.
Depois de vinte anos de atraso, governo e setor privado deveriam superar problemas burocráticos menores e acelerar as decisões para permitir que o Brasil posssa competir com sucesso no mercado global especial. A atual janela de oportunidade tem de ser aproveitada, antes que as tensões EUA-China transbordem para a área de inteligência e defesa, colocando em risco a cooperação com empresas norte-americanas.
Rubens Barbosa
Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.
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