30 junho 2022

O Itamaraty e a diplomacia da inovação

O ministro das Relações Exteriores escreve sobre como e por que o Itamaraty orgulha-se da estreita parceria que mantém com os diferentes atores do sistema brasileiro de ciência, tecnologia e inovação, no que é chamado de ‘diplomacia da inovação’. A iniciativa destina-se a contribuir para o fortalecimento da imagem do Brasil como país inovador. O objetivo, como ele acentua no texto, é fazer com que mais e mais pessoas associem o Brasil à inovação ambientalmente sustentável, como um novo polo de tecnologia de ponta no mundo em desenvolvimento em tempos de transição energética global.

O Itamaraty orgulha-se da estreita parceria que mantém com os diferentes atores do sistema brasileiro de ciência, tecnologia e inovação, no marco daquilo que chamamos de Diplomacia da Inovação. Esse esforço conjunto e coordenado entre estado e sociedade civil é crucial para a difusão da cultura de internacionalização no campo científico e tecnológico, uma das prioridades do governo do presidente Jair Bolsonaro.

A iniciativa destina-se, igualmente, a contribuir para o fortalecimento da imagem do Brasil como país inovador. Quando se faz referência a tecnologias vindas do Japão e da Coreia do Sul, por exemplo, a receptividade mostra-se sempre positiva, por serem países que souberam construir e projetar imagem de potências tecnológicas ao longo das últimas décadas. A China é também exemplo de país que tem registrado, recentemente, avanços rápidos nessa construção e projeção. Um dos principais objetivos da Diplomacia da Inovação é fazer que, quando se pense em nosso país, mais e mais pessoas o associem à inovação ambientalmente sustentável, a um novo polo de tecnologia de ponta no mundo em desenvolvimento, ao avanço científico em tempos de transição energética global.

A Diplomacia da Inovação implica fomentar o debate sobre ações e opções estratégicas de política externa relacionadas à inovação tecnológica. Em 2021, o Itamaraty, em parceria com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações e a Fundação Alexandre de Gusmão (Funag), organizou seminário virtual para debater a associação do Brasil à Organização Europeia de Pesquisa Nuclear (CERN). O evento demonstrou os impactos da entrada de países na entidade, quer do ponto de vista de nações que já passaram pelo processo, como Portugal e Turquia, quer da perspectiva da academia e do setor privado brasileiros.

A compreensão dos benefícios da associação do Brasil à organização levou à assinatura, em março último, de acordo que permitirá nossa participação em um dos maiores centros do mundo de pesquisa e laboratórios em física de altas energias e física de partículas. O acesso de pesquisadores e empresas brasileiros à estrutura da CERN possibilitará desenvolvimento de tecnologias para novos materiais com aplicação na indústria 4.0, no setor aeroespacial, na fabricação de isótopos de saúde, entre muitos outros segmentos. A construção das próximas instalações da CERN exigirá maiores inovações tecnológicas, com aplicações que transcenderão a física de partículas. O exemplo da CERN é emblemático, pois não se limita à cooperação científica, abrangendo, também, oportunidades de negócios para empresas do Brasil e de outros países.

Fronteira entre tecnologia e geopolítica

Nossas iniciativas contemplam temas na fronteira entre tecnologia e geopolítica. É o caso da atual ‘crise dos semicondutores’, decorrente da desestabilização das cadeias internacionais de suprimento de microchips, que vem resultando em aumento dos preços e até mesmo na escassez de componentes essenciais para a indústria brasileira, particularmente nos setores de eletroeletrônicos e automóveis. Trata-se de situação de alcance global, com repercussões no Brasil e no mundo desde 2020.

O Itamaraty acompanha de perto a questão, seja através dos postos no exterior, seja por meio dos funcionários envolvidos com a promoção tecnológica no Brasil. Com efeito, a importância do tema levou o Itamaraty a intensificar o diálogo com outros órgãos do Governo Federal, o Congresso Nacional e a sociedade civil sobre a promoção da indústria nacional de semicondutores e da inserção do Brasil nas cadeias internacionais de suprimento desses componentes.

Um marco desse diálogo foi a realização de seminário internacional sobre o tema no Palácio Itamaraty, em 27 de abril de 2022, com a participação de autoridades, empresários e especialistas brasileiros e estrangeiros. O evento analisa e discute os desafios atualmente enfrentados pelo setor; o quadro regulatório e as políticas aplicáveis às cadeias de suprimento desses insumos; e as perspectivas da indústria brasileira de semicondutores, de modo a contribuir para o delineamento de estratégia brasileira para o segmento.

Tradição em promover ciência e tecnologia

Não é de hoje que o Itamaraty trabalha para promover a ciência e a tecnologia brasileiras. Dispõe, desde 1968, de unidade específica para tratamento do tema com governos e outros interlocutores estrangeiros. A atuação do Ministério das Relações Exteriores já havia aportado, em momentos anteriores, importantes contribuições para a criação das bases da infraestrutura de pesquisa brasileira, que resultaram na constituição de entidades que são pilares do nosso sistema nacional de ciência, tecnologia e inovação, como o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), o Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA) e a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN). O trabalho do Itamaraty nesse campo passou a dar-se em estreita coordenação com o Ministério da Ciência e Tecnologia a partir de sua criação, em 1985.

As lições aprendidas naquele tempo permanecem válidas. Parcerias na área de tecnologia exigem a construção de laços de confiança, pois são iniciativas de longa maturação. Esse processo passa pela correta apresentação, ao potencial parceiro estrangeiro, das oportunidades que se apresentem no Brasil. Frente à crescente complexidade dos mecanismos de fomento à inovação no mundo atual, o desenvolvimento desses relacionamentos passa a exigir, do diplomata brasileiro, uma nova gama de habilidades.

Com esse pano de fundo, a diplomacia brasileira adapta-se e transforma-se de modo a contribuir para tornar nosso país, reconhecidamente, um hub de inovação regional e mundial. É um empreendimento que requer especialização na área científica e tecnológica. Exige, da diplomacia, o empenho de reconhecer e projetar os setores de alta tecnologia do país por meio do fortalecimento da ‘marca Brasil’ como selo de inovação e de ganho de imagem para quem nela investe.

O valor das parcerias

A aquisição dessas habilidades não se faz isoladamente, mas em parceria. Exemplo relevante de arranjos instituídos com demais entidades foi a realização de seminário de capacitação de diplomatas para atração de investimentos, realizado em coordenação com o BNDES, em dezembro de 2021. O evento, realizado em Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo, contou com a presença de diplomatas lotados nas cidades de países exportadores de capitais com alto potencial de direcionar ao Brasil parte de seus investimentos: Berlim, Copenhague, Estocolmo, Lisboa, Londres, Madri, Nova York, Oslo, Ottawa, Paris, Roma, Singapura, Toronto, Tóquio e Washington.

Ademais, ao longo de março e abril deste ano, 81 servidores do MRE, em cerca de 50 embaixadas e consulados, foram capacitados na área de promoção tecnológica, de modo a melhor atender às demandas de nossos pesquisadores e empreendedores. O treinamento incluiu estudos de caso e boas práticas em iniciativas de ‘incubação cruzada’ de startups, mobilização da diáspora científica, ações de diplomacia pública, internacionalização de startups, organização de hackatons (maratonas de programação), produção de inteligência de mercado e promoção da indústria de jogos eletrônicos, entre outros tópicos.

Desde 2017, o Itamaraty passou a reunir as ações de promoção tecnológica realizadas pelos consulados e embaixadas do Brasil no exterior em torno do Programa de Diplomacia da Inovação, o PDI, em sua maioria executado por 55 postos dotados de setores de Ciência, Tecnologia e Inovação, os chamados Sectecs. Essas unidades acumulam conhecimento especializado sobre os mercados locais para promover parcerias entre centros de pesquisa, ambientes de inovação, para prospectar informações de inteligência, para apoiar a internacionalização de empresas tecnológicas e para atrair investimentos, de maneira a contribuir para consolidar o perfil de país inovador.

As diversas ações da Diplomacia da Inovação executadas pelo Itamaraty têm denominador comum: pragmatismo e foco em melhorar a vida dos brasileiros. São iniciativas que procuram aumentar a competitividade da economia brasileira por meio do desenvolvimento tecnológico. É a missão da Diplomacia da Inovação: identificar oportunidades de cooperação, descobrir potenciais nichos de atuação e abrir caminhos para acelerar qualificação de recursos humanos, aperfeiçoamento institucional e desenvolvimento de empresas e startups para a conquista de novos mercados.   n


Carlos Alberto Franco França é diplomata, advogado e atual ministro das Relações Exteriores do Brasil. Graduou-se em Relações Internacionais (1986) e em Direito (1990) pela Universidade de Brasília.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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