10 outubro 2017

O Japão e a crise com a Coréia do Norte

Por RUBENS BARBOSA O Estado de S.Paulo – 10 de outubro 2017 Quando se compara o entorno geográfico do Brasil na América do Sul com a vizinhança do Japão no Leste da Ásia, pode-se entender, em grande parte, porque a área externa não está presente no debate politico e econômico em nosso país. Ao contrário […]

Por RUBENS BARBOSA
O Estado de S.Paulo – 10 de outubro 2017
Quando se compara o entorno geográfico do Brasil na América do Sul com a vizinhança do Japão no Leste da Ásia, pode-se entender, em grande parte, porque a área externa não está presente no debate politico e econômico em nosso país. Ao contrário do Brasil, o Japão está cercado por países não democráticos e crescentemente hostis. China e Rússia são potências nucleares, que também dispõem de forte poderio militar convencional.
A Coréia do Norte com o desenvolvimento de armas nucleares e a crescente capacidade de lançamento de misseis balísticos coloca em risco a paz e a estabilidade na região. Com a recente ameaça de “afundar“ o Japão com ataque devastador e com os seguidos misseis cruzando o céu japonês, a tensão em Tóquio tem aumentado significativamente. Se a isso for acrescentado a secular relação de desconfiança desses países em relação ao Japão por razões históricas e as incertezas em relação à garantia de apoio dos EUA, surgidas com a eleição do presidente Trump, descortina-se um quadro realista das razões da crescente perplexidade do governo e do povo japonês.
Os países diretamente envolvidos tem visão diferente em relação a Coreia do Norte. A China e a Rússia favorecem o diálogo e aceitam com relutância a escalada das sanções impostas pelo Conselho de Segurança da ONU, desde 2006, por pressão sobretudo dos EUA, inclusive as últimas com restrições financeiras e limitação de fornecimento de petróleo. Washington ameaça países que continuam a manter laços comerciais com a Coreia do Norte, como a China.
A vulnerabilidade japonesa fica ainda mais exposta quando se sabe das limitações do sistema de defesa contra o tipo de armamento sendo desenvolvido pela Coreia do Norte e pela ameaça de ataque eletromagnético com a detonação de uma bomba nuclear no espaço. O Japão poderia sofrer a destruição do sistema de geração e fornecimento de energia elétrica, de comunicação, de transporte e bancário, de hospitais e mesmo das usinas nucleares.
O Japão está dividido entre várias alternativas: aumentar a pressão sobre a Coreia do Norte por meio de sanções aprovadas na ONU, estabelecer diálogo direto com as lideranças norte-coreanas para deixar a porta aberta e estimular o intercâmbio entre os dois países ou aumentar sua capacidade defensiva e voltar a armar-se, inclusive nuclearmente, para sua própria defesa, o que é proibido pela Constituição de 1947. Há correntes mais radicais, mesmo dentro do governo de Tóquio, que defendem um ataque preventivo contra o regime de Kim Jung Un de modo a que não se repita a inação de 1954, quando da guerra entre as duas Coreias.
Em julho passado, o primeiro ministro Shinzo Abe cogitou visitar a Coreia do Norte para conversas diretas com o líder norte-coreano visando a restabelecer o mecanismo de conversação suspensas desde 2009, envolvendo seis países (EUA, Japão, Rússia, China e as duas Coreias) para encontrar uma fórmula de sustar o desenvolvimento do programa nuclear. Segundo se comentou, a ideia não prosperou devido à oposição dos EUA. Mais recentemente, Abe se encontrou com o presidente Putin em Moscou, não para discutir a questão das ilhas ocupadas pela Rússia, e depois com Xi Jinping, não para tratar da construção de bases chinesas no mar do Sul da China, mas para obter o apoio de ambos de modo a aumentar a pressão sobre a Coreia do Norte. Desde a eleição de Trump, Abe tem procurado ampliar o relacionamento com os EUA.
Embora Trump tenha declarado, já depois de eleito, que não iria manter a proteção militar ao Japão, o Secretario da Defesa retificou essa afirmativa. Foi mantida a politica dos EUA de dar proteção ao Japão e a Coreia do Sul e evitar que mais um pais frustre os objetivos do Tratado de não proliferação nuclear e o regime de controle de misseis. A noticia de que há um canal direto de comunicação entre EUA e Coreia do Sul suaviza a recente escalada de declarações belicosas entre Trump e Kim e deixa aberta a possibilidade de eventual entendimento – apesar do ceticismo e da ameaça críptica do presidente americano de que “só uma coisa vai funcionar com a Coreia”.
Tudo indica que a Coreia do Norte apenas aceitará negociar diretamente com os EUA, quando completar seu programa de testes balísticos e nucleares. Em uma posição de força, buscará fórmula negociada que permitiria a continuidade do regime comunista no pais. Mas, nunca se deve encurralar um rato, diz um ditado norte-coreano.
Nessa altura, seria realista a desnuclearização da península coreana? Seria possível forçar a Coreia do Norte a aceitar um programa de controle de armas nucleares e de misseis? Seria preferível conversar diretamente com Kim Jung Un ou partir para ações visando a mudança de regime ou a morte do líder norte-coreano? Como evitar que a Coreia do Norte possa lançar um ataque contra o Japão e a Coreia do Sul por erro de cálculo? Qual a melhor combinação de pressão e de engajamento nas conversações? Seria viável ou aceitável uma Coreia unificada? Como fortalecer a cooperação entre o Japão, a Coreia do Norte e os EUA para a dissuasão e a defesa? Como engajar seriamente a China, a Rússia e outros parceiros relutantes no processo negociador? Quais os efeitos de uma intervenção militar da China? Seria possível examinar uma solução como a encontrada para o programa nuclear do Irã?
Levando em conta esse quadro e os diferentes interesses envolvidos entre os países da região diretamente envolvidos, parece difícil uma solução militar. Os riscos seriam imensos e o custo de vidas terrível. Em vista de personagens tão imprevisíveis como Trump e Kim Jung Un, e de agendas de afirmação global como as da China e especialmente as da Rússia, nenhuma hipótese pode ser descartada.
 

Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

Cadastre-se para receber nossa Newsletter