Número 23

Ano 6 / Out -Dez de 2013

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ex-ministro das Relações Exteriores, é chefe da Missão do Brasil junto à Organização das Nações Unidas (ONU)

O Mercosul e a Integração Regional

Alguns analistas têm apontado para su- posta “paralisia” do Mercosul. A reali- dade, entretanto, não corresponde a es-

sa avaliação. Os resultados do Mercosul são positivos, concretos e reais. Apesar dos efeitos negativos globais da grave crise econômica de 2008, o desempenho do intercâmbio intrazona é superior ao do comércio internacional. De 2008 a 2012, o comércio global cresceu 13%, de US$ 16 trilhões para US$ 18 trilhões. No mesmo pe- ríodo, a corrente de comércio entre os membros do Mercosul cresceu mais de 20%, passando de US$ 40 bilhões para US$ 48 bilhões. Nos pouco mais de 20 anos de existência desde a assinatura do Tratado de Assunção, em 1991, o valor do comércio intrabloco cresceu mais de nove ve- zes, enquanto a corrente comercial do bloco com o resto do mundo multiplicou-se por oito. Em ambas as dimensões, intrazona e com ter- ceiros, as estatísticas não sustentam as críticas aos resultados comerciais do Mercosul, que fo- ram muito positivos.

A dinâmica do Mercosul

Para o Brasil, o Mercosul constitui importante instrumento para a expansão das exporta- ções, em especial de produtos industrializados. Em 2012, depois de quatro anos de crise internacional, o bloco ocupou a quarta posição como destino de nossas mercadorias, com 9% das ex- portações nacionais – após União Europeia, China e Estados Unidos. Quando considerada a composição da pauta de exportações, a relevân- cia do Mercosul destaca-se ainda mais: cerca de 90% das exportações brasileiras para os demais países do bloco são de manufaturados. Para a União Europeia, para a China e para os Estados Unidos, os percentuais de manufaturados são de 36%, 5,75% e 50%, respectivamente. A indús- tria brasileira, desse modo, tem no Mercosul seu mais importante mercado externo. A indústria brasileira reconhece isso, como demonstra o re- cente estudo da Federação das indústrias do Es- tado de São Paulo (Fiesp) “Agenda de Integra- ção Externa”.

Dado igualmente relevante, mas de pouca di- fusão, é que, graças aos acordos de liberalização comercial firmados no âmbito da Associação Latino-Americana de Integração (Aladi), é pos- sível afirmar que já existe livre-comércio entre o Brasil e praticamente toda a América do Sul. A redução das tarifas alfandegárias a zero já se ve- rifica, no caso dos países do Mercosul, em 99,9% dos produtos provenientes da Argentina, em 98% para o Uruguai, em 93% para o Paraguai e em 88,1% para a Venezuela. Também se constatam valores significativos com relação a outros vizi- nhos: o grau de liberalização já é de 99% com o Chile e de 91% com a Bolívia. Com esse país, chegará a 100% em 2019; no mesmo ano, alcan- çará 94% com o Equador, 99,8% com o Peru e 83,6% com a Colômbia. Desse modo, haverá li- vre-comércio com quase todos os países da Amé- rica do Sul até 2019, existindo, ainda, relativo espaço a ser conquistado no comércio com a Co- lômbia. Assim, no Mercosul de hoje, a exemplo do que se verifica em projetos de integração em outras latitudes, as perturbações remanescentes nas condições de acesso a mercados devem-se mais à administração conjuntural do comércio exterior – ou a barreiras não tarifárias –do que às condições estruturais intrínsecas ao espaço eco- nômico-comercial comum já estabelecido com base na primazia do livre-comércio.

O Mercosul é também exemplo de sucesso para além do terreno comercial, tanto na área econômica propriamente dita quanto no que diz respeito a iniciativas e interesses das sociedades dos países-membros em seu conjunto. No âmbito econômico, têm crescido os investimentos pro- dutivos entre os países-membros e com os países associados. São notáveis as iniciativas empresa- riais nos mais variados setores de atividade: pro- dução de insumos industriais, construção civil, manufatura de máquinas e equipamentos, bens intermediários e de consumo, distribuição e lo- gística, comércio atacadista e varejista. A intensi- dade e a diversificação crescente dessas iniciati- vas empresariais atestam a importância da am- pliação dos mercados para a expansão, a moder- nização e a integração das unidades produtivas nos membros e nos países vizinhos.

Participação da sociedade civil

Com relação à questão essencial da redução e superação de assimetrias entre os paíse membros, o Fundo para Convergência Estrutu- ral do Mercosul (Focem) representa o único me- canismo regional de financiamento da América Latina com recursos transferidos de maneira in- tegral, sem pagamento de juros ou reembolso do principal. Os projetos submetidos à avaliação do Fundo devem promover a convergência estrutu- ral, a competitividade, a coesão social – em par- ticular, das economias menores e regiões menos desenvolvidas – e apoiar o funcionamento da estrutura institucional e o fortalecimento do pro- cesso de integração. A vocação solidária do Fo- cem evidencia-se ao serem comparadas as pro- porções dos aportes previstos e os benefícios re- cebidos em termos de distribuição de recursos. Dos US$ 100 milhões que alimentam a cada ano o total do Fundo, 70% cabem ao Brasil; à Argen- tina, 27%; ao Uruguai, 2%; e ao Paraguai, 1%. A distribuição dos financiamentos, por sua vez, se faz no sentido inverso: o Paraguai recebe 48%; o Uruguai, 32%; a Argentina, 10%; e o Brasil, 10%. Esses percentuais são revistos regularmen- te e serão reapreciados com o ingresso da Vene- zuela no Mercosul. Desde que começou a fun- cionar, em 2007, foram aprovados 43 projetos do Focem, em um total de US$ 1,38 bilhão. Desses projetos, 17 localizam-se no Paraguai, totalizan- do US$ 624 milhões, e compreendem obras para distribuição de energia elétrica, saneamento ur- bano, rodovias, habitações para famílias de baixa renda, entre outros.

O Mercosul destaca-se, ainda, em outra vertente tão ou mais relevante: o da participação da sociedade civil no avanço do processo de inte- gração, em sua dimensão social e cidadã. Desde 2006, são realizadas, semestralmente, as cúpulas sociais, em paralelo às reuniões de cúpula presi- denciais. A 14ª Cúpula Social, realizada em Bra- sília, em dezembro de 2012, trouxe ao diálogo temas como a livre circulação de pessoas e o re- conhecimento de diplomas escolares, objetivos que constam do Plano de Ação do Estatuto da Cidadania do Mercosul.

Os Acordos de Residência, o Acordo de Se- guridade Social e o Estatuto da Cidadania do Mercosul são avanços importantes em matéria de livre circulação de pessoas. Os Acordos sobre Residência aplicam-se aos cidadãos dos países membros e também a alguns dos países associa- dos, como o Chile, o Peru e o Equador – este úl- timo em fase final de aprovação legislativa. Es- ses acordos permitem aos nacionais brasileiros, argentinos, paraguaios, uruguaios, chilenos, pe- ruanos e, em breve, equatorianos estabelecer residência em qualquer dos países signatários e neles gozar de direitos civis, de deveres, de responsabilidades trabalhistas e previdenciárias, en- tre outros.

O Acordo de Seguridade Social, firmado em 2005, permite que os trabalhadores dos países signatários incluam, no cálculo de suas aposenta- dorias concedidas em um país, o tempo em que trabalham em outro. Ao entrar com pedido de aposentadoria em Montevidéu, por exemplo, um profissional uruguaio que tenha trabalhado tam- bém no Brasil pode requerer a contagem do tem- po de contribuição que terá feito para o sistema de previdência social brasileiro. O Acordo tam- bém permite a concessão de outros auxílios, inclusive aposentadoria por invalidez.

O Plano de Ação do Estatuto da Cidadania prevê a implementação e o aprofundamento, até 2021, de iniciativas de impacto positivo e direto na vida cotidiana das pessoas e das fa- mílias, entre as quais: livre circulação de pes- soas dentro do Mercosul, igualdade de direitos e liberdades civis, sociais, culturais e econô- micas para os nacionais dos países-membros e igualdade de condições para o acesso a traba- lho, saúde e educação.

Todos esses avanços reais e concretos estão relacionados à construção de um projeto de inte- gração profundo e multifuncional, inspirado, também, em considerações de natureza política, estratégica e de longo prazo, no comércio, na economia, na cidadania e no conjunto dos princi- pais interesses das sociedades. Esses desenvolvi- mentos não só têm despertado atração no âmbito dos Estados associados ao Mercosul, mas tam- bém têm suscitado a aproximação dos demais países da América do Sul, seja pela adesão for- mal (caso da Venezuela, que aderiu em julho de 2012, e da Bolívia, que assinou o Protocolo de Adesão em dezembro de 2012), seja pela mani- festação de interesse (o presidente Rafael Cor- rea, depois de sua reeleição, manifestou que o Equador também tem interesse em participar do Mercosul como membro pleno, em um processo que deverá ter início ainda neste ano). Em julho de 2013, Guiana e Suriname tornaram-se Esta- dos associados do Mercosul.

Com o ingresso da Venezuela, o Mercosul passou a integrar área que se estende da Terra do Fogo ao Caribe. O bloco representa mais de 80% do PIB regional a valores de 2012 – US$ 3,3 trilhões, sobre US$ 4 trilhões para toda a América do Sul –, 72% do território, 70% da população, 58% dos ingressos de investimento estrangeiro direto e 65% do comércio exterior.

É muito difícil corroborar, portanto, diante dos fatos e dados mencionados, a percepção – que por vezes surge na mídia ou em fontes de pensamento e análise sobre os cenários regional e internacional – de que o Mercosul seria projeto de integração “antiquado” ou “desvantajoso” para o desenvolvimento de seus países-mem- bros. Apesar de exceções à tarifa externa comum, restrições não tarifárias e medidas administrati- vas de importação, tal como é o caso das DJAIs (“Declaração Jurada de Antecipação de Importa- ção”), os índices acima mencionados compro- vam a abertura de mercado intrazona e na Amé- rica do Sul.

Prosperidade compartilhada

Outro argumento frequentemente apresenta- do é de que o bloco ainda não conseguiu concluir acordos de livre-comércio com grandes economias industrializadas e que já negocia com a União Europeia há quase 15 anos, sem êxito. Em verdade, se o Mercosul tivesse concordado com toda a linha de demandas negociadoras da União Europeia, já teríamos chegado a um acor- do. Se a União Europeia tivesse, por sua vez, concordado com todas as nossas ambições, tam- bém teríamos conseguido chegar a acordo equili- brado, amplo e mutuamente vantajoso. Até ago- ra, não foi possível chegar a tal ponto. Vale lem- brar, não obstante, que, no contexto da reunião da Parceria Estratégica Brasil-União Europeia, realizada em janeiro deste ano, em Brasília, con- versou-se sobre a retomada das negociações. Subsequentemente, à margem da Cúpula da

Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos, realizada em Santiago, também em janeiro deste ano, ocorreu encontro de negocia- dores de Mercosul e União Europeia, que estabe- leceram o fim de 2013 como prazo para a circu- lação de ofertas melhoradas – requisito funda- mental para a conclusão do processo negociador. O processo está ingressando em fase efetivamen- te conclusiva, na medida em que o setor privado brasileiro também tem demonstrado grande inte- resse na sua conclusão, após consulta pública realizada ao final de 2012. Com base nessa mani- festação, existe em curso um processo de prepa- ração da nossa oferta melhorada, que deverá es- tar pronta até outubro deste ano.

Sem interpretação ideológica ou de outra na- tureza, e apenas baseando-se em fatos, pode-se afirmar que a conclusão de acordos de livre-co- mércio não implica, necessariamente, incremen- to das exportações dos países signatários. Tal constatação pode ser verificada nas estatísticas fornecidas pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal). Exemplo in- teressante é o do acordo de livre-comércio assi- nado entre Chile e Estados Unidos. Apesar do acordo, as exportações chilenas para o mercado norte-americano, nos últimos cinco anos, cres- ceram menos do que as vendas do Mercosul para os Estados Unidos, com quem o bloco não tem acordo de livre-comércio. O que aconteceu, na verdade, foi significativo aumento das expor- tações norte-americanas para o Chile. A conclu- são a que se chega, então, é que um acordo de livre-comércio pode ser mutuamente benéfico quando equilibrado. Dependendo da circunstân- cia, ele também pode acentuar desequilíbrios, sobretudo no curto prazo. Tais desequilíbrios poderão, eventualmente, ser mitigados no mais longo prazo.

É inegável que o Mercosul constitui a mais bem-sucedida iniciativa de integração profunda e abrangente já empreendida na América do Sul. Em seus mais de 20 anos de avanços, desde a assinatura do Tratado de Assunção, incorporou as dimensões econômica, social e cidadã à expansão sustentada do comércio intrabloco e ex- trabloco, configurando-se como projeto comum de prosperidade compartilhada na região.

A Aliança do Pacífico em perspectiva

A Aliança do Pacífico, integrada inicialmente por Chile, Colômbia, México e Peru, foi lançada em abril de 2011. Seus principais com- promissos e objetivos estão escritos em Acordo-Quadro assinado em dezembro de 2012, mas ainda não vigente, porque não foi aprovado por todos os seus países-membros. Não obstante a inexistência prática do Acordo-Quadro, a Alian- ça já realizou várias reuniões presidenciais. En- tre os resultados anunciados na última Cúpula, em Cali, no dia 23 de maio, sob a presidência pro tempore da Colômbia, foi destacada a decisão de reduzir a zero, quando entrar em vigor o Acordo–Quadro, os direitos de importação de 90% do universo tarifário no comércio entre os países-membros, e os 10% restantes deverão ser des- gravados, conforme resulte das negociações em curso entre os quatro países.

Os compromissos anunciados em Cali sobre a eliminação de tarifas, em verdade, representam pouco em relação ao que já fizeram os países da Aliança do Pacífico na qualidade de membros da Aladi. De fato, já existem acordos de livre-comér- cio entre todos os países da Aliança do Pacífico, ao amparo do Tratado de Montevidéu, de 1980. Conforme os mais recentes estudos sobre comér- cio preferencial (ou seja, realizado ao amparo de reduções tarifárias) na região, elaborados pela se- cretaria-geral da Aladi e pela Cepal, o grau de li- beralização comercial entre os países da Aliança superava os 90% já no ano de 2010. A declaração, portanto, de que se vai estabelecer zona de comér- cio preferencial para 90% do universo tarifário é um anúncio sobre algo que já existe. A única exce- ção é o comércio Peru-México, cujo índice de li- beralização, apesar de inferior, deverá aumentar em função de acordo de livre-comércio assinado entre os dois países em abril de 2011 (antes, por- tanto, da criação da Aliança).

Quanto ao acesso dos produtos brasileiros aos mercados dos países-membros da Aliança do Pa- cífico, os cronogramas de desgravação dos acor- dos de livre-comércio firmados na Aladi pelo Mercosul com o Chile, com o Peru e com a Co- lômbia promoverão, até 2019, a liberalização abrangente do comércio regional. Como afirmado anteriormente, segundo dados da Aladi, o grau de liberalização do comércio bilateral com o Brasil – medido pela proporção de itens com 100% de preferência em benefício das exportações brasilei- ras – será, no caso do Chile, de 99,9%; com o Peru, de 99,8%; e com a Colômbia, de 83,6%.

Os presidentes do Chile, da Colômbia, do México e do Peru anunciaram em Cali a desgra- vação tarifária total no comércio de todos os pro- dutos entre os quatro países. Esse objetivo, na verdade, será alcançado entre os quatro países, conforme os acordos que já haviam sido firma- dos anteriormente, na sua condição de membros da Aladi. Mesmo assim, dependerá da imple- mentação de cronogramas de desgravação para os remanescentes 10% do universo tarifário.

Há marcado contraste, portanto, com a situa- ção já existente de livre-comércio intrazona no Mercosul e de ampla liberalização comercial no intercâmbio dos seus países-membros com os vi- zinhos na região.

Interconexões físicas

Ainda no campo comercial, em Cali também foi destacada a conclusão das negociações sobre facilitação de comércio e cooperação adu- aneira. São assuntos que já ocupam, há muitos anos, os países da própria Aliança e os demais países da Aladi, e que também ocupam os países do Mercosul. A decisão de aprofundar ou de in- tensificar discussões com vistas à harmonização de procedimentos aduaneiros pode ser ampla- mente vantajosa para o Mercosul e para o Brasil.

Isso facilitará o desenvolvimento do comércio com os integrantes da Aliança do Pacífico. O Acordo-Quadro da Aliança tem outros ob- jetivos mais ambiciosos do que a mera liberalização tarifária. Em seu artigo 3º, por exemplo, pre- vê “avançar progressivamente até a livre circula- ção de bens, serviços, capitais e pessoas”. O mesmo artigo determina que os países integran- tes da Aliança deverão, por exemplo: liberalizar o intercâmbio comercial de bens e serviços; avançar rumo à livre circulação de capitais e à promoção de investimentos; desenvolver ações de facilitação de comércio; promover a coopera- ção entre as autoridades migratórias e consula- res; e facilitar o movimento de pessoas e o trân- sito migratório nos seus territórios. A homoge- neização dos procedimentos comerciais e de in- vestimentos apresenta interesse, em si mesmo, para o Mercosul e para o Brasil individualmente. Na Cúpula de Cali, há passos anunciados, ainda sem resultados conclusivos, como: diretri- zes para um futuro acordo de cooperação entre autoridades sanitárias; instâncias para facilitar o comércio de cosméticos; consideração dos avan- ços nas negociações sobre serviços e capitais (serviços profissionais, de telecomunicações, fi- nanceiros, marítimos, ou de transporte aéreo), para além dos dispositivos hoje vigentes; e início das atividades de projeto para incrementar a competitividade de micro, pequenas e médias empresas –, que aguardam discussões mais apro- fundadas antes de se transformarem em resultados concretos.

O tema das interconexões físicas entre os países da Aliança deverá demandar grandes e onerosas estruturas para avançar. Há desconti- nuidade geográfica entre Chile, Peru, Colômbia e México, o que faz esse bloco não ter potencial de integração física, como, por exemplo, o Mer- cosul. Ainda assim, os integrantes da Aliança comprometeram-se, até o dia 30 de junho, data que foi posteriormente prorrogada, a concluir conjunto de negociações de ambição ampla, não somente sobre a desgravação tarifária total do universo de mercadorias em “prazos razoá- veis”, mas também sobre temas como regime de origem para as mercadorias comercializadas e medidas sanitárias e fitossanitárias. Todos os propósitos e tarefas anunciados em Cali têm, de fato, o potencial de contribuir para o aprofunda- mento da integração entre esses países. Suas metas, contudo, não se materializam dentro de prazos curtos.

É pertinente, também, comparar o que foi anunciado em Cali pela Aliança do Pacífico em termos do estabelecimento de fundo de coopera- ção entre os países-membros, que alcançaria US$ 1 milhão, e o Focem – que, em cinco anos de operação, já financiou 43 projetos, com valor total de mais de US$ 1 bilhão.

Passando-se ao tema da anunciada conces- são de bolsas de estudo para pós-graduação, cada país da Aliança do Pacífico está oferecen- do aos demais cem bolsas. Vale lembrar que o Programa de Estudantes-Convênio de Pós-Gra- duação brasileiro – o PEC-PG, que oferece bol- sas para nacionais de países em desenvolvimen- to, com os quais o Brasil possui acordos de co- operação cultural e educacional –, ao longo dos últimos 12 anos, selecionou mais de 1.600 estu- dantes estrangeiros, 75% dos quais das Améri- cas. Entre 2000 e 2012, foram contemplados quase 450 estudantes da Colômbia, um dos paí- ses que mais faz uso das bolsas de estudo ofere- cidas no Brasil. Na edição de 2012 do PEC-PG, foram concedidas 226 bolsas, sendo mais de cem para estudantes oriundos de países da Aliança do Pacífico.

A verdadeira integração

Todos esses exemplos apresentados acima ajudam a colocar em perspectiva realista e a aquilatar o que representam o Mercosul e a Aliança do Pacífico Vale, igualmente, lembrar que três dos qua- tro membros originais da Aliança do Pacífico são países sul-americanos, membros da União de Nações Sul-Americanas (Unasul). O Peru exerceu, até agosto de 2013, a presidência pro tempore desse bloco. A colombiana María Emma Mejía exerceu a secretaria-geral da Una- sul no biênio 2011-2012. O Chile, o Peru e a Colômbia, como anteriormente mencionado, já mantêm acordos comerciais com os restantes membros do Mercosul e com os vizinhos da América do Sul que deverão entrar em vigor plenamente até o fim desta década.

A Unasul é projeto especialmente abrangente e ambicioso e contempla objetivos e agendas de trabalho que, em vários sentidos, vão muito além dos que pautam qualquer outro exercício de inte- gração em curso na América Latina. Regida pelo Tratado de Brasília, assinado em 2008 e em ple- no vigor desde 2011, a Unasul conta, hoje, com 12 instâncias setoriais, que tratam, dentre outros, de temas como defesa, combate ao problema mundial das drogas e ao crime organizado inter- nacional, cooperação em saúde, educação, ciên- cia e tecnologia, direitos humanos, acompanha- mento eleitoral.

Dimensão que se reveste de particular signifi- cado na Unasul é a da integração física. A Amé- rica do Sul, quando olhamos para o mapa, so- bressai-se como um continente em si mesmo. Por motivos históricos, que guardam relação com os modelos de colonização que prevalece- ram na região durante séculos, ainda é baixo o nível de integração entre nós em matéria de transporte e de energia, o que é incompatível com a ideia de um espaço sul-americano de pros- peridade compartilhada. A Unasul tem no tema da integração física uma de suas atividades cen- trais – daí a importância do Conselho de Integra- ção e Planejamento da organização, o Cosiplan, criado em 2009.

A agenda de projetos prioritários de integra- ção do Cosiplan, aprovada em 2011, então sob a presidência pro tempore brasileira, é a primeira compilação de projetos de infraestrutura em que cada projeto implica, necessariamente, a partici- pação de dois ou mais países da América do Sul. A agenda inclui 544 projetos que, somados, tota- lizam US$ 130 bilhões em investimentos na inte- gração da infraestrutura regional. A título de exemplo, podem ser mencionados alguns proje- tos dos quais o Brasil participa diretamente: o corredor ferroviário bioceânico Paranaguá-An- tofagasta, que envolve Brasil, Paraguai, Argentina e Chile; a rodovia Boa Vista-Georgetown, entre Brasil e Guiana; o corredor ferroviário Montevidéu-Cacequi, que envolve o Brasil e o Uruguai. Esses projetos impactam diretamente na geração de comércio e de investimentos, reve- lando esforço de integração verdadeiramente amplo e profundo.

A Constituição brasileira, em seu artigo 4°, parágrafo único, indica que o Brasil perseguirá a integração latino-americana como um de seus objetivos em matéria de política externa. Temos hoje à nossa disposição, para que todos esses exercícios de integração sub-regional convirjam, a Comunidade de Estados Latino–Americanos e do Caribe (Celac), criada em Caracas, em dezembro de 2011, e que se reu- niu, em nível de chefes de Estado e de gover- no, em Santiago do Chile, em janeiro de 2013, quando a presidência pro tempore foi passada para Cuba.

Pode-se, dessa maneira, suscitar reflexão mais abrangente sobre qual é o modelo de inte- gração para o qual devemos nos dirigir no futuro, a partir dos êxitos inegáveis já conquistados pelo Mercosul e por outros exercícios sub-regionais – que não devem ser vistos como ameaça, mas como oportunidade. São dignos de nota, por exemplo, os exercícios de diálogo Brasil-Cari- com: seguramente, a aproximação político-co- mercial do Mercosul com os países do Caribe poderá gerar múltiplos e mútuos benefícios.

Para o Brasil, uma iniciativa como a Aliança do Pacífico ou qualquer outra que contribua para a prosperidade, para o desenvolvimento em nos- sa região, representa, antes de qualquer coisa, uma oportunidade que precisa ser devidamente entendida e aproveitada.

Mantemos relações próximas com os países da Aliança do Pacífico, de maneira muito provei- tosa em distintos campos, inclusive no comércio e nos investimentos, e continuaremos a trabalhar para aprofundar esses vínculos. À medida que aqueles países tenham êxito em seus objetivos, de crescimento econômico e desenvolvimento social, isso só nos trará vantagens.

Sociedade brasileira precisa debater

No plano político, não há dificuldade de co- municação com o grupo ou com os países individualmente. Até mesmo quando o Brasil venceu a campanha para diretor-geral da OMC, em que havia um candidato do Mercosul, o em- baixador Roberto Azevêdo, que concorreu contra um candidato mexicano – que, portanto, poderia ser visto como um candidato da Aliança do Pací- fico –, a vitória do candidato brasileiro não cau- sou mal-estar na relação bilateral com o México. O melhor exemplo disso foi o fato de o chanceler José Antonio Meade, do México, ter realizado uma visita oficial ao Brasil menos de duas sema- nas após a divulgação do resultado do processo de seleção.

A questão de fundo que se deve suscitar é a seguinte: saber se convém ou não fazer a opção por uma forma de inserção internacional e de es- truturação de modelo de desenvolvimento eco- nômico e social que leve à especialização das economias nacionais em torno de alguns poucos produtos, que tenderão a ser primários ou de es- casso valor agregado local e de alguns poucos mercados que, em geral, estão concentrados geo- graficamente. Isso em detrimento de uma estraté- gia que favoreça a diversificação produtiva e os destinos e origens de comércio, a inclusão social mais ampla, com distribuição de renda e em de- mocracia. Essa é uma questão que precisa ser debatida amplamente na sociedade brasileira. A primeira opção, a da especialização das econo- mias de concentração de mercados, parece ter duvidosa sustentabilidade ao longo do tempo.

Relatório recentemente divulgado pela Ce- pal, intitulado “O investimento estrangeiro direto na América Latina e Caribe 2012”, aponta no sentido de que os investimentos estrangeiros em alguns países da região não estão contribuindo, ao contrário do que se pensava, para fomentar novos setores ou estimular atividades de maior conteúdo tecnológico, nem para gerar empregos de melhor qualidade. De maneira inversa, os in- vestimentos têm reforçado as estruturas produtivas prevalecentes em detrimento da produção e dos empregos mais qualificados da economia, que, em geral, se localizam no setor industrial e nos serviços a ele relacionados.

Esse mesmo tipo de especialização tem sido estimulado pelos acordos de livre-comér- cio firmados pelos países da região com par- ceiros do mundo desenvolvido. A edição de dezembro de 2012 da revista Cepal indica que, apesar da celebração de vários desses acordos, a composição da pauta das exportações dos seus signatários em nossa região – em geral, com a expressiva participação de produtos bá- sicos – não sofreu mudanças significativas, e tampouco se constatou incremento nas expor- tações de maior valor agregado. Pareceria, as- sim, que essa primeira opção da especializa- ção, da concentração em poucos mercados, pode levar ao enfraquecimento da indústria na América do Sul. É possível argumentar que esse modelo não constituiria uma plataforma para sustentar a integração regional no longo prazo. Seu objetivo estratégico estaria mais voltado para abrir mercados para a região para os excedentes exportáveis, sobretudo de pro- dutos manufaturados provenientes da extrazo- na e provenientes de economias altamente de- senvolvidas, para promover as exportações regionais de bens primários para seu consumo em outras partes do mundo.

Diversificação produtiva

esse contexto, cabe atentar para a similari- dade dos pesos relativos, por um lado, das atividades manufatureiras e, pelo outro, do setor de bens primários na composição atual do Pro- duto Interno Bruto de alguns países da região. A preferência deveria inclinar-se, então, pela op- ção que favorece uma inserção internacional e um modelo de desenvolvimento econômico e social que respondam a uma estratégia em favor da diversificação produtiva e do comércio com inclusão social mais ampla, redistribuição de renda e democracia.

Isso não significa complacência nem falta de rigor e empenho, inclusive político, no to- cante ao andamento, ao ritmo de avanço e à consistência interna dos processos de integra- ção que adotam essa orientação. A análise dos compromissos já assumidos entre os países sul-

-americanos no campo de liberalização comer- cial indica que já se está chegando ao esgota- mento da dimensão centrada na desgravação tarifária da integração. Não por falta de êxito. Pelo contrário, resta muito pouco espaço para fazer avançar ainda mais a área de livre-comér- cio regional, em grande medida já estabelecida plenamente entre os maiores mercados da re- gião, com a relevante participação de produtos manufaturados ou semimanufaturados.

Manter a integração sul-americana em mo- vimento passará, dessa forma, a exigir, crescen- temente – em especial do Brasil, a maior e a mais diversificada unidade econômica e comer- cial da região –, ações e decisões para além do comércio. Serão cada vez mais necessárias ini- ciativas no plano dos investimentos de infraes- trutura ou produtivos, dos financiamentos de médio e longo prazos, dos sistemas de paga- mento em moeda locais, das garantias às expor- tações, da facilitação de comércio, do aumento da produtividade, da inovação científica e tec- nológica para implementação de políticas de integração regionais profundas, que visem ao fortalecimento da dimensão regional das políti- cas públicas de desenvolvimento econômico e social e que abram caminho para que a iniciati- va privada contemple, de maneira efetiva e crescentemente proveitosa e benéfica para o Brasil, a dimensão regional como espaço capaz de agregar valor aos seus investimentos, à sua produção e às suas vendas. O setor empresarial dos quatro países integrantes da Aliança do Pa- cífico, no âmbito de seu conselho empresarial, tem planejado sua primeira macrorrodada de negócios, anunciada na recente Cúpula presi- dencial, em Cali. Cumpre lembrar que, por ini- ciativa do Brasil, o Mercosul passou a organi- zar, igualmente, encontros empresariais à margem das cúpulas. Essa prática, que foi inaugurada em 2012 e repetida em julho de 2013, deverá continuar no futuro.

Serão, e talvez já o sejam também indispen- sáveis medidas nos campos da educação, do tra- balho, da previdência social e da saúde que for- taleçam e tornem duradouros os efeitos positi- vos que os acordos de facilitação de viagens e de residência entre os países da região acarre- tam para a vigência da livre circulação das pes- soas, para o benefício e exercício mais amplos de suas cidadanias. Muito já se avançou nesse terreno, em especial para o turismo e os negó- cios, mas ainda resta muito a fazer na constru- ção de uma autêntica cidadania regional.

Para que a integração da região tenha um futuro promissor, é preciso envolver as pessoas direta- mente, fazer o mesmo com o conjunto das socieda- des, de maneira a torná-las partícipes de um proces- so de mudança de mentalidade, de transformação profunda que ajude a enxergar o outro lado da fron- teira como um espaço de convivência, de oportuni- dades maiores e melhores para todos. Essa percep- ção crescente de comunidade, de mais prosperida- de compartilhada, de riqueza e vigor na diversidade que começa a caracterizar a região, é que dará legi- timidade e sustentação perene em tempo histórico à integração. É a chave para garantir à nossa região uma presença de paz, democracia, justiça e inclu- são social e prosperidade no século XXI.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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