08 janeiro 2015

Os Partidos e o Xadrez Político de 2018

A exemplo de outros governantes antes dela, a presidente Dilma Rousseff promete dar prioridade para a reforma política, no segundo mandato. Dilma reiterou seu propósito, manifestado pela primeira vez como resposta às manifestações de junho de 2013, em discurso proferido logo depois que a apuração dos votos da eleição presidencial, em segundo turno, mostraram que era irreversível a vitória do PT, a mais apertada desde que o sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva subiu a rampa do Palácio do Planalto, em janeiro de 2003.

A exemplo de outros governantes antes dela, a presidente Dilma Rousseff promete dar prioridade para a reforma política, no segundo mandato. Dilma reiterou seu propósito, manifestado pela primeira vez como resposta às manifestações de junho de 2013, em discurso proferido logo depois que a apuração dos votos da eleição presidencial, em segundo turno, mostraram que era irreversível a vitória do PT, a mais apertada desde que o sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva subiu a rampa do Palácio do Planalto, em janeiro de 2003.
Desde então, a oposição nunca esteve tão perto de tirar o PT do governo quanto nas eleições de 2014. Apenas 3,4 milhões de votos separaram o candidato do PSDB, Aécio Neves, da presidente da República, candidata à reeleição. Uma diferença de 3,8% entre um e outro, pequena diante das surras que o PT se acostumou a infligir ao PSDB, desde a eleição de Lula na onda vermelha de 2002. Sempre em segundo turno, é bem verdade, mas em geral com diferenças grandes e que chegaram, em alguns casos, a mais de 20 pontos. O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, e o senador eleito, José Serra, conhecem bem essa história.
O fato é que a oposição nunca antes, desde então, avançou tanto sobre territórios do eleitorado antes exclusivos do PT. Já não é uma trincheira de convertidos, como antes, e ganhou musculatura, o que deve pautar a agenda não só do PSDB com vistas à sucessão presidencial de 2018, como a do próprio PT, uma nação perplexa com a rejeição que enfrenta na mesma classe média, que em 2002 foi decisiva na marcha batida do partido rumo ao Palácio do Planalto. Prova disso é que a direção petista encomendou pesquisas quantitativas e qualitativas para tentar entender as causas da rejeição e até que ponto a imagem do partido está corroída pelos casos de corrupção em série em que seus principais dirigentes foram envolvidos. Do mensalão ao petrolão — o gigantesco esquema de pagamento de propinas em negócios da Petrobras desvendado pela Polícia Federal.
A eleição de 2014 também demonstrou que é viável o surgimento de uma terceira via em relação a PT e PSDB. Em 2002, Ciro Gomes (PPS) e Anthony Garotinho (PDT) pareciam se constituir em uma alternativa a tucanos e petistas, mas Ciro enrolou-se no próprio destempero e faltaram a Garotinho alguns dias mais de campanha para ultrapassar José Serra na reta final. Foi por pouco. Em 2006, a polarização entre Lula e Geraldo Alckmin (sete pontos de diferença no primeiro turno) não deixou espaço para o senador Cristovam Buarque (PDT) nem para a senadora Heloisa Helena (PSOL), que, juntos, não chegaram a somar 10% dos votos.
A ex-senadora Marina Silva mostrou em 2010 que havia um caminho intermediário, quando surpreendeu com seus 20 milhões de votos, no terceiro lugar. Nas últimas eleições, o crescimento da candidatura de Marina foi bem mais que uma reação emocional do eleitorado ao trágico acidente em que morreu o ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos, até então o candidato do PSB a presidente. As pesquisas internas do partido indicavam que Eduardo Campos ocuparia esse espaço, à medida que se tornasse um candidato mais conhecido dos brasileiros. Mas, havia outros indícios.
Mudanças no sistema político-eleitoral
P elo menos desde as manifestações de junho de 2013, as pesquisas de opinião, intermitentemente, registravam que dois terços do eleitorado desejavam mudanças. Faltava quem personificasse essa mudança, figurino que, por algum tempo, pareceu talhado para Marina Silva, antes que a ex-senadora sucumbisse a uma bem arquitetada campanha negativa de marketing, alimentada por seus próprios erros.
PT, PSDB e PSB — ou Rede Sustentabilidade — iniciam 2015 como os mais prováveis protagonistas da sucessão de 2018. Até lá, no entanto, há um deserto para ser atravessado. Os primeiros movimentos de Dilma apontam para um governo de transição para assegurar a eleição de Lula e a manutenção do PT no Palácio do Planalto, na eleição de 2018. O ex-presidente foi quem deu as cartas na formação da nova equipe econômica, e o governo Dilma vai sepultar a “nova matriz macroeconômica” que quase custa o fim do projeto de poder do PT, na última eleição.
Apesar dos 51 milhões obtidos pelo senador Aécio Neves, o PSDB ainda está atrás da modulação certa para exercer a oposição ao governo Dilma. Nunca, desde que deixaram o governo, os tucanos se apresentaram tão unidos numa eleição presidencial, mas o enredo será outra vez diferente em 2018. E a ex-senadora Marina Silva, candidata acidental do PSB, precisa não só viabilizar seu próprio partido, a Rede Sustentabilidade, como definir uma política de alianças sem a qual a nova sigla não terá condições de sair do papel. As regras para a criação de partidos mudaram e a Rede, depois de cumpridas as exigências legais para sua constituição, não terá tempo de televisão nem fundo partidário. Logo, para disputar as próximas eleições, Marina terá de fazer alianças para poder mostrar seus candidatos na TV. O caminho natural é o PSB, mas o PSDB também é uma alternativa, uma vez que o PT lhe fecha os caminhos à esquerda.
O futuro dos partidos passa, necessariamente, pelas mudanças no sistema político-eleitoral. A reforma política seria uma hipótese, mas as propostas de mudanças amplas parecem definitivamente bloqueadas. Veja-se o caso da sugestão feita pela presidente da República, no discurso da vitória. Dilma propôs a convocação de plebiscito e de uma Constituinte exclusiva para fazer a reforma. A ideia não resistiu a uma semana de exposição. Foi abatida na largada pelo presidente do Senado, Renan Calheiros, para quem plebiscito e Constituinte exclusiva significam, na prática, a subtração de poderes do Congresso, a quem cabe fazer a reforma política.
Além do conservadorismo dos parlamentares, que hesitam mexer nas regras pelas quais foram eleitos, esse é o impasse da reforma política: todos concordam que ela é necessária e que o atual modelo está esgotado, mas nada avança porque cada partido, cada parlamentar e cada grupo têm a sua própria visão da reforma política. E a proposta da presidente da República é o projeto que há anos o PT tenta, sem sucesso, impor aos demais partidos. O grave é que a falta de mudanças está levando o Congresso a uma perigosa fragmentação partidária que pode levar o Legislativo ao imobilismo, com sérios riscos à governabilidade.
A legislatura passada terminou com 22 partidos representados na Câmara dos Deputados. Agora, são 28 as siglas que elegeram um ou mais representantes nas eleições de 2014. A situação piorou, o Congresso está mais pulverizado, numa configuração singular e praticamente “inadministrável”. A maior bancada partidária na Câmara hoje é a do PT, e ela responde só por 13,6% do total de 513 deputados. O PMDB vem a seguir, com 12%, e o PSDB está em terceiro, com 10%, sempre em percentuais arredondados. Ou seja, não há uma força francamente majoritária. São 11 os partidos com menos de 1% de percentual de participação na composição da Casa. Um caos.
Nesta babel de siglas, ganha a oposição, pois é mais difícil para o governo atender aos pequenos e grandes favores demandados por uma base de sustentação parlamentar inchada. Só a coligação que reelegeu a presidente é integrada por nove partidos. Outros que por qualquer motivo ficaram de fora da aliança vitoriosa, como o PTB, logo se inscreveram para participar do butim dos vencedores. É inviável governar com tantos partidos, não só pela quantidade, mas também heterogeneidade das siglas. A confusão é aliada da oposição.
O governo, na realidade, paga por uma situação que ajudou a criar, ao estimular o surgimento de novos partidos. A constituição de uma grande coligação partidária para a disputa da sucessão presidencial sempre foi um objetivo estratégico do PT e do governo da presidente Dilma Rousseff. Não importava a coloração partidária, apenas o tempo de televisão no horário eleitoral gratuito que cada sigla poderia agregar. Quando pouco, a aliança impedia que um aliado inconveniente fosse reforçar o tempo de rádio e televisão dos adversários.
Nesse contexto, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) foi camarada na interpretação das regras para a criação de novos partidos. Que o diga o ex-prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab. Graças à garantia de acesso ao fundo partidário e ao tempo de televisão, assegurados pelo TSE, Kassab conseguiu as adesões necessárias para registrar o PSD, já como um partido de médio porte. Na esteira do ex-prefeito vieram outros, entre os quais o governista Pros, criado para rachar o Nordeste e o PSB, do governador Eduardo Campos, e o Solidariedade, de matiz mais oposicionista.
Mudanças possíveis
A mão invisível do Palácio do Planalto também esteve por trás da recusa das assinaturas que permitiriam à ex-senadora Marina Silva criar a Rede Sustentabilidade. Os cartórios, especialmente aqueles localizados na região do ABC paulista, berço do PT, nunca foram tão rigorosos ao conferir assinaturas assentadas, às vezes, há décadas. No final das contas, a coligação da presidente Dilma foi integrada por nove partidos políticos, a maioria constituída de legendas criadas recentemente ou que ganharam importância no espectro político nos governos do PT, como o PR e o PRB, para citar apenas dois exemplos.
A garantia da portabilidade, pela qual deputados que aderem a um partido em criação podem levar sua cota de tempo de televisão e do fundo partidário para a nova sigla, acentuou a tendência à proliferação e elevou de 22 para 28 o número de partidos com representação na Câmara dos Deputados. No Rio Grande do Norte, a situação atingiu o paroxismo: dos oito deputados federais eleitos pelo Estado, cada um é de um partido político. E todos são candidatos por apenas duas coligações – um caso emblemático, pois ajuda a explicar as razões mais antigas da multiplicação partidária, caso da permissão para que os partidos façam coligação para as eleições proporcionais.
Sem uma reforma política e eleitoral, a fragmentação deve se acentuar ainda mais. Mas, como não existe consenso sobre uma reforma ampla, é certo que algumas pequenas mudanças, em torno das quais há maioria congressual, permitiriam a redução do quadro partidário para meia dúzia de siglas em duas, três, no máximo quatro eleições, o que seria já um grande passo para a governabilidade e a estabilização de forças no Congresso. Ou seja, é possível ordenar o caos.
Uma dessas mudanças é o fim da coligação nas eleições proporcionais para as câmaras de vereadores, assembleias legislativas e para a Câmara dos Deputados. É uma medida que encontra resistência localizada apenas nas pequenas agremiações representadas no Congresso. Algumas delas históricas, é bem verdade, como é o caso do PCdoB, mas nenhuma delas siglas efetivamente de alcance nacional.
A segunda mudança seria a instituição da cláusula de desempenho: para ter bancada na Câmara dos Deputados, o partido precisaria alcançar 5% dos votos nacionais, sendo 3% em pelo menos nove Estados, como dizia um projeto aprovado pelo Congresso, mas derrubado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), devido a firulas técnicas.
Atualmente, permite-se a aliança, numa mesma coligação, de candidatos a vereador, deputado estadual e deputado federal de siglas diferentes e até antagônicas em termos doutrinários. Na prática, ocorre que partidos grandes como o PT e o PMDB asseguram a eleição de candidatos mais votados dos partidos menores, que sozinhos não conseguiriam o coeficiente exigido para eleger um só parlamentar. São coligações com cinco, seis, dez ou mais partidos políticos que encerram em si mesmas um mundo de contradições.
Coligação proporcional
V eja-se o caso do Distrito Federal, onde a mesma coligação elegeu os deputados Erika Kokay, pelo PT, e o pastor Ronaldo Fonseca, pelo Pros. Ela defende a legalização do aborto; ele abomina; o pastor é a favor da redução da maioridade penal; a petista é contra; Erika tem posições liberais em relação ao consumo da maconha; Fonseca, por seu turno, acha descriminalização e legalização coisa de maconheiro. Em resumo: a coligação proporcional deturpa a representação partidária. É improvável que a bancada eleita pelo Rio Grande do Norte seja constituída de oito cabeças e oito sentenças. Os novos deputados federais do estado provavelmente caberiam em dois, no máximo três diferentes partidos políticos.
O Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) dedica-se aos assuntos do Congresso desde a Assembleia Nacional Constituinte que escreveu a Constituição de 1988. Está para o Legislativo assim como o Dieese para os assuntos econômicos. Ambos assessoram as centrais sindicais, em suas respectivas áreas. O diretor de pesquisas do Diap, Antonio Augusto Queiroz, fez algumas simulações, a partir dos números das eleições de 2014, sobre como ficariam os partidos, se valesse a regra da cláusula de desempenho ou fossem proibidas as coligações para as eleições proporcionais.
Caso não houvesse coligação para as eleições proporcionais, em vez de 28 partidos, 21 teriam enviado representantes para a Câmara dos Deputados. Não parece muito, mas seria um número um quarto menor. Nessa progressão, bastariam mais duas eleições para acabar com a fragmentação. Os números seriam mais expressivos ainda se estivesse valendo a cláusula de desempenho. Neste caso, apenas sete partidos teriam eleito representantes para a Câmara dos Deputados em 2014: PT, PMDB, PSDB, PSB, PP, PSD e PR.
Sem a coligação para as eleições proporcionais, mostra o estudo do Diap, PT, PMDB e PSDB também teriam bancadas de acordo com a importância que detêm no cenário político nacional. O PT, por exemplo, elegeu 69 deputados federais. Se não tivesse se coligado com partidos nanicos, nas últimas eleições para a Câmara, teria feito uma bancada de com 101 deputados federais, segundo o levantamento feito pelo Diap. O PMDB, seu parceiro de aliança no governo, seria majoritário com 102 deputados, e não apenas os 66 que efetivamente enviará para a Câmara agora em fevereiro.
O PSDB, maior partido de oposição, elegeu 54 deputados, mas seriam 68 se o partido não tivesse também se coligado nas eleições para a Câmara com siglas de menor expressão. Com 204 deputados apenas nos dois partidos preferenciais da aliança governamental — PT e PMDB —, o Palácio do Planalto disporia de menos interlocutores e, consequentemente, de mais margem de manobra para articular a aprovação de projetos de interesse do governo no Congresso Nacional. Não eliminaria, mas poderia negociar a uma distância mais higiênica do balcão em que se mercadeiam cargos e emendas parlamentares ao Orçamento da União em troca de votos. A oposição, por seu turno, também ficaria mais nítida ao eleitor que não sabe muito bem o que difere o PSDB do Democratas, o PPS, na origem comunista, do sindicalismo do Solidariedade.
Criação de novos partidos
Pulverizado e confuso, o quadro partidário parece um cenário moldado para a crise, mas é também de oportunidades. Ao menos três novos partidos anunciam que neste início de ano terão cumprido as exigências da legislação eleitoral para funcionar. Na ponta de lança está, sem dúvida, o ex-prefeito de São Paulo Gilberto Kassab. Ele abriu a fila para ao criar o PSD, em 2011, e agora articula a criação do Partido Liberal. Desta vez, ao contrário do que aconteceu quando Kassab fundou o PSD, os deputados que aderirem ao PL não poderão levar junto suas cotas no fundo partidário e de tempo de televisão. Mas, poderão trocar para um partido novo, no caso, o PL, sem o risco de sofrer sanções de sua legenda anterior, como a devolução do mandato.
A exemplo do que aconteceu em 2011, Kassab descobriu uma outra via para usar a seu favor a legislação eleitoral. O pulo do gato será a fusão ou incorporação, mais tarde, entre PSD e PL, constituindo, assim, uma bancada maior que os 37 deputados pessedistas que foram eleitos em outubro. O objetivo de Kassab é reunir os deputados governistas dispersos em legendas nanicas num partido de apoio ao Palácio do Planalto com muito maior poder de fogo. Se tiver pleno êxito, Kassab pode liderar um partido capaz de concorrer com o PMDB na disputa pelos favores do governo. É, sem dúvida, a maior aposta na fragilidade dos partidos, no momento. Mas, é o tipo de movimento que, se der certo, pode proporcionar um enxugamento partidário e um pouco mais de estabilidade ao Congresso, como acredita Gilberto Kassab. E uma força a ser considerada no xadrez de 2018.
Na mesma linha, o governador do Ceará, Cid Gomes, anunciou a criação de um partido de esquerda a ser formado pela fusão ou incorporação do Pros, PDT e PCdoB. O novo partido faz parte dos cenários analisados pelo governo e pelas outras siglas, mas não se trata de uma empreitada fácil. É muito difícil que o PDT venha a abrir mão do legado brizolista que ainda hoje lhe assegura o Ministério do Trabalho, por exemplo, ou que o PCdoB deixe de lado uma história que se confunde com o século 20.
Somente o fim das coligações às eleições proporcionais ou a criação da cláusula de desempenho pode levar partidos como PDT e PCdoB a abrir mão de suas histórias e das regalias a que seus dirigentes têm direito na condição de presidentes e líderes dessas agremiações. Uma opção seria a permissão para a formação de federações partidárias para reunir as siglas que não conseguissem alcançar o percentual mínimo exigido de votação. Existe em outros países, mas é uma solução meia sola.
Fala-se nas regalias a que dirigentes e líderes têm acesso porque a vaidade pessoal é ingrediente que nunca deve ser subestimado nessa situação. É uma forte explicação, por exemplo, do por que PSDB e Democratas dispersam energia na oposição, depois de 12 anos de governo do seu principal adversário, o Partido dos Trabalhadores. Na prática, pouco ou quase nada difere o Democratas, partido sucedâneo do antigo PFL, do PSDB. Na última eleição, os tucanos ganharam um novo alento com o crescimento de 22,73% de sua bancada. O DEM, no entanto, definha em praça pública.
Fusão de siglas
Em 2002, ano da eleição do sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva, o PFL ainda elegeu uma bancada de 84 deputados. Desde então, caiu para 65, em 2006; 43, em 2010; e foi sendo canibalizado por outros partidos, especialmente pelo PSD de Gilberto Kassab, até chegar as eleições passadas com 28 deputados. Terminada a eleição e contabilizados os votos, o DEM registrou uma quebra de seis deputados. A bancada deve tomar posse com os 22 eleitos em outubro passado. Dificilmente acabará a legislatura desse tamanho.
O PSDB também vinha em queda livre, mas elegeu 11 deputados a mais nas últimas eleições. Foi também o primeiro partido em voto de legenda, modalidade em que o Partido dos Trabalhadores costumava ser campeão, com 1,9 milhão de votos, contra 1,7 milhão do PT. No cômputo geral ficou em segundo, com 11 milhões de votos válidos para a Câmara dos Deputados contra 13 milhões do PT, em números redondos. O PMDB veio em terceiro com 10 milhões. O DEM ficou na faixa dos 4 milhões baixos. Para os caciques do Congresso está mais que evidente a vantagem de uma fusão entre as duas siglas que estiveram juntas nos dois governos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2003).
Às contas: juntos, PSDB e DEM contariam com a maior bancada partidária da Câmara, com 76 deputados, contra 69 do PT e 66 do PMDB. Na prática, isso significaria também o maior tempo de televisão no horário eleitoral gratuito já nas próximas eleições municipais, em 2016, quando os partidos devem assentar as bases para as eleições presidenciais dois anos depois. E tempo de televisão, como se viu na eleição presidencial de 2014, faz muita diferença. Tanto o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, como o senador mineiro Aécio Neves têm essas contas na ponta do lápis: com um grande tempo de televisão, os dois largariam na frente com seus candidatos já nas eleições municipais de 2016.
Para Aécio e Alckmin, 2016 é uma passagem obrigatória para 2018. A eleição de um prefeito do PSDB, em São Paulo, seria a consolidação de um espaço que o governador Alckmin assegurou no partido ao se reeleger no primeiro turno, nas últimas eleições. Ele já desenha seu novo mandato com vistas à indicação tucana à Presidência da República, em 2018. Para Aécio, a vitória de um candidato apoiado por ele, em Belo Horizonte, significaria o início da recuperação do território que não podia perder em 2014. Aécio seria um candidato mais forte, na sucessão de Dilma, se tivesse vencido em Minas Gerais, seu Estado natal, o segundo maior colégio eleitoral do país.
Vista da perspectiva de experientes caciques do Congresso, a fusão entre PSDB e Democratas é um projeto viável. É possível compatibilizar a situação entre os dois partidos na maioria dos Estados, salvo algumas exceções que parecem instransponíveis, como é o caso de Goiás, onde o deputado Ronaldo Caiado (DEM) e o governador Marconi Perillo (PSDB) decididamente não se bicam. Mas, os dirigentes do Democratas têm dificuldades para abrir mão de poder, dos amplos gabinetes e do número maior de funcionários à disposição dos líderes. Adiam apenas um fim que parece inexorável.
Sem perspectivas, o que resta de futuro no esvaziado DEM pode migrar para outras plagas. O melhor exemplo disso é o prefeito de Salvador, Antonio Carlos Magalhães Neto, uma das principais promessas da nova geração, que depois de anos na oposição ameaça engrossar as fileiras do PL de Gilberto Kassab. Afinal de contas é prefeito de uma das maiores capitais do país e depende de uma boa relação com o poder central, em Brasília, para governar com mais tranquilidade. Um golpe mortal.
O futuro da Rede
Outra sigla que deve ficar pronta até abril é o Partido Novo, uma experiência de economistas liberais com origem no sistema financeiro. Pode ser uma boa novidade no quadro político-partidário, mas ainda não tem uma referência como a Rede Sustentabilidade, que também fala em se constituir no primeiro trimestre de 2015. Sem dinheiro do fundo partidário e, sobretudo, sem tempo de televisão no horário eleitoral gratuito, devido às novas regras, o partido de Marina Silva vai precisar de alianças para disputar as eleições em pé de igualdade com os demais. É um desafio, porque o grupo mais próximo da ex-senadora é extremamente refratário a associações com outras siglas, como ficou demonstrado no segundo turno da eleição presidencial de outubro passado, quando boa parte da Rede se recusou a seguir a orientação de Marina e apoiar a candidatura do senador Aécio Neves.
A Rede provavelmente deve iniciar sua trajetória pela disputa de cargos majoritários nas eleições municipais de 2016. Tem boas chances de se estabelecer no Rio, onde Marina sempre foi bem votada e qualquer candidato que tiver seu apoio será competitivo. Mas, há dificuldades a contornar: o eleitorado de Marina trafega numa faixa já ocupada pelo virtual candidato do PSOL, Marcelo Freixo. Das duas uma: ou Marina compõe com Freixo, o que o tornaria favorito às eleições do Rio, ou divide seus votos. Uma coisa é certa: as eleições passadas deixaram Marina Silva um pouco mais distante da “seita”, como é apelidado o grupo mais radical que cerca a ex-senadora, e mais aberta ao diálogo.
Depois de despencar da condição de favorita para o terceiro lugar na disputa presidencial, Marina é uma política hoje mais experiente, madura e mais receptiva a decisões pragmáticas nem sempre do agrado do círculo mais próximo. Como aconteceu com Lula, em 2002, quando, depois de perder três eleições consecutivas, contrariou a esquerda do PT e chamou um empresário para candidato a vice-presidente, em sua chapa, contratou o publicitário Duda Mendonça, à época hostilizado pelos petistas, e profissionalizou a arrecadação de recursos para a campanha. Nessa retomada, a caminhada de Marina parece irremediavelmente entrelaçada ao PSB de Eduardo Campos. Na realidade, dependendo do ritmo da coleta de assinaturas para a criação da Rede, Marina Silva pode até retardar sua saída do partido.
Dos três grandes, o PMDB voltou a falar em candidatura própria à Presidência da República. Desde 1994, quando concorreu com Orestes Quércia, o partido não lança um nome ao Palácio do Planalto. Continua com uma grande bancada, elegeu mais governadores (sete) que qualquer outro partido, mas perde prefeitos a cada eleição. Em número total de votos, nas últimas eleições, ficou em terceiro lugar, abaixo de PT e PSDB. A novidade é o aumento da influência da bancada do Rio de Janeiro nas decisões do partido. O líder da bancada na Câmara, Eduardo Cunha, tem tudo para ser o próximo presidente da Câmara, se não for abatido por algum estilhaço do petrolão. O vice-presidente Michel Temer seria uma possibilidade, mas, aos poucos, perde espaço para os cariocas.
Rearrumação no PT
O nome que os pemedebistas cultivam, no entanto, é o do prefeito do Rio, Eduardo Paes. O chefe do paço, no momento, pensa mais no Palácio das Laranjeiras que no Palácio do Planalto. Seu trunfo, os Jogos Olímpicos do Rio. Aos 45 anos de idade, Paes é político muito jovem e tem tempo de sobra para construir com calma uma carreira vitoriosa. O mais provável é que o PMDB dobre suas apostas nas eleições municipais e para os governos estaduais, em 2018.
Depois do susto por que passou na eleição presidencial, o PT deve fazer uma rearrumação interna. O primeiro passo é identificar as razões do antipetismo que a cada eleição aumenta a competitividade dos candidatos do PSDB a presidente. Estima-se que mais de um terço dos 51 milhões de votos recebidos por Aécio Neves tiveram origem no antipetismo, forte, sobretudo, no Estado de São Paulo, o maior colégio eleitoral do país, com mais de 22 milhões de votos. No curto prazo, o principal partido brasileiro vai tentar se equilibrar entre a ala mais à esquerda, que defende uma postura mais ética e intransigente com práticas de corrupção, e a linha que apoiou a inflexão que o governo Dilma fará, no segundo mandato, à ortodoxia na política econômica, com um ajuste fiscal forte e menos intervencionismo estatal, como rezava a cartilha dilmista.
A volta de Lula
No que diz respeito à ética, a cúpula do PT entende que está diante da oportunidade de depurar e quer fazer do exemplo do deputado André Vargas, apanhado em traficâncias e expulso do partido, um padrão de conduta. Por outro lado, com a guinada na política econômica, espera recuperar apoio de “setores conservadores”, para usar a linguagem empregada no partido, que perdeu ao longo do governo Dilma. Nenhum dirigente petista dirá com todas as letras, mas neste caso está o mercado financeiro. Se é certo que os mercados não elegem ninguém, é reconhecido também que é difícil se eleger tendo contra o mercado. A reeleição da presidente foi pedagógica, nesse sentido.
Não é uma empreitada fácil. Na reunião do Diretório Nacional, que realizou em dezembro, a primeira depois das eleições, o PT aplaudiu de pé o tesoureiro do partido, João Vaccari, acusado de integrar o esquema de corrupção na Petrobras. Vaccari jurou inocência perante os delegados. Mas, todos os implicados nos escândalos seriais do PT também se proclamaram inocentes diante do partido, como aqueles acusados de participar do esquema de compra de votos no Congresso, o mensalão, marca indelével que o PT não consegue apagar.
Lançado oficialmente pelo presidente do partido, Rui Falcão, o PT já tem candidato a presidente da República — é Lula. O ex-presidente já queria ser candidato nas últimas eleições. Só não foi porque Dilma bateu o pé. E só não será se não tiver condições de saúde para a campanha. Para quem acha que Lula apenas ocupa espaço para evitar desde já uma disputa fratricida dentro do PT, é bom lembrar que vez por outra o ex-presidente diz sentir “saudades” do pôr do sol no Palácio da Alvorada. Lula é mais candidato quanto mais parece viável a volta do PSDB ao Palácio do Planalto.
Seja como for, a intervenção do ex-presidente da República na montagem do ministério de Dilma Rousseff, especialmente da equipe econômica, é o sinal mais eloquente de que o PT não pretende passar em 2018 pelo aperto que passou em 2014. É certo que o partido teve uma vitória eleitoral incontestável, mas a margem de diferença e a guinada que o governo dá agora na economia deixam claro que a vitória política foi da oposição. Ao fim e ao cabo é um governo de transição para a volta do líder inconteste do lulismo, daqui a quatro anos. É claro que tudo vai depender muito do sucesso de uma equipe que chega ao governo com o selo de Lula. Do contrário, Dilma muda o curso da prosa.


Raymundo Costa é repórter especial e colunista político do jornal Valor Econômico

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