Pandemia, Quarentena e Recessão: Novos Grandes Desafios para o Brasil
Impactos da pandemia sobre a atividade econômica e expectativas
Na passagem de 2019 para 2020, a economia brasileira vinha mostrando claros sinais de reação, com indícios de que a gradual recuperação seguia em curso. O mercado de trabalho vinha melhorando e o desemprego seguia em trajetória de queda, com aumento do emprego formal. Essa trajetória virtuosa, no entanto, foi interrompida pelo choque provocado pelo novo coronavírus. Hoje, alguns números já atestam os primeiros impactos da epidemia sobre a atividade econômica do país.
O resultado do PIB no 1º trimestre de 2020 já dá sinais dos primeiros impactos da Covid-19 sobre a atividade econômica. O PIB recuou 1,5% frente ao trimestre anterior, puxado pelo desempenho ruim dos serviços e da indústria, que caíram 1,6% e 1,4%, respectivamente. Outros resultados conhecidos da atividade econômica, como o da indústria automobilística, cuja produção recuou quase 100% em maio frente a abril, apontam para uma queda histórica do PIB no 2º trimestre.
Os efeitos sobre o mercado de trabalho em março e abril foram expressivos. Com a economia parcialmente paralisada devido à pandemia, o Brasil perdeu 860 mil postos de trabalho formal só em abril. Somados os números de março, mês em que começaram as medidas de isolamento e que registrou corte líquido de 240 mil vagas, a crise da Covid-19 já levou ao fechamento de 1,1 milhão de postos com carteira assinada. No bimestre, foram fechados quase 220 mil postos de trabalho na indústria de transformação. No comércio foram eliminadas aproximadamente 300 mil vagas e no setor de serviços, cerca de 460 mil – isto apenas no mercado de trabalho formal. No mesmo período, outros 1,5 milhão de empregos sem carteira assinada foram perdidos no mercado privado. A taxa de desemprego, por sua vez, atingiu 12,6% em abril, o que significou 12,8 milhões de desempregados e um aumento de 0,1 p.p. na taxa em relação a abril de 2019. O resultado marcou a reversão da trajetória de queda do desemprego que vinha sendo observada no país desde o início de 2018.
Como mencionado, o maior impacto da crise da Covid-19, no entanto, ocorrerá no 2º trimestre. Por isso, devemos ampliar os esforços para apoiar empresas e famílias. Garantir a oferta de crédito é essencial neste momento, dando fôlego para atravessarmos este período de turbulência e garantindo a manutenção do emprego e do consumo. As linhas de crédito criadas até o momento foram no sentido correto, mas é necessário aumentar o seu alcance e garantir que cheguem àqueles que realmente precisam.
As expectativas do mercado para a variação do PIB neste ano seguem se deteriorando, e a projeção era de menos 6,48% no dia 8 de junho. Para 2021, o mercado prevê um crescimento que não recupera as perdas em 2020, com as projeções para a variação do PIB no próximo ano em 3,5%. Para a indústria de transformação, a nossa projeção é de um recuo ao redor de 8% neste ano e um crescimento da ordem de 4,1% em 2021. Nesse contexto, o número de desempregados deverá saltar de 11,6 milhões, em 2019, para cerca de 16 milhões, em 2020. No entanto, devido à excepcionalidade do choque atual, a incerteza quanto à dinâmica da atividade econômica nos próximos meses é muito maior do que o habitual. Ademais, a velocidade de recuperação dependerá da duração da pandemia e das medidas econômicas que serão implementadas pelo governo neste período. De qualquer forma, devemos esperar grande contração da atividade econômica na maior parte do mundo neste ano, conforme os países combatem a epidemia da Covid-19.
No Estado de São Paulo, em particular, as medidas de distanciamento social foram tomadas de forma improvisada e confusa, e isso aprofundou os impactos da pandemia sobre a nossa economia, que é a mais pujante do país. O grande objetivo das medidas de confinamento social é ganhar tempo para ter uma estrutura de saúde que faça frente à pandemia. Infelizmente, depois de mais de 70 dias, essa meta não foi alcançada em boa parte das regiões. Não foi tempo suficiente? O que as prefeituras e o governo do Estado de São Paulo fizeram que não equacionaram essa questão? Além disso, as decisões de distanciamento em São Paulo foram tomadas de forma horizontal, o que não faz sentido. O estado possui 645 munícipios. A realidade de Monteiro Lobato é igual a de São José dos Campos ou da capital? Não! São 645 histórias diferentes. Cabe, portanto, ao município decidir o momento adequado da reabertura, atendendo a critérios rigorosos de saúde. Uma ação não horizontal teria significado proteção do emprego, além de possibilitar às regiões do estado adaptarem-se a conviver com a Covid-19, que não vai embora em poucos dias ou em poucas semanas. O vírus ficará entre nós por meses, talvez um ano ou mais. Apesar disso, o governo do Estado de São Paulo optou por tratamento homogêneo durante 68 dias e, após esse período, o governo anunciou um plano de abertura a partir de 1º de junho, analisando as 16 regiões administrativas mais a capital e classificando a abertura segundo a disponibilidade de leitos de UTI e a evolução da doença. Embora haja limitações no plano, foi um avanço, pois ofereceu uma maior autonomia às prefeituras na gestação das ações de combate à pandemia.
Sem dúvida, temos grandes desafios pela frente, mas com planejamento, coordenação e a adoção das medidas corretas é certo que conseguiremos atravessar mais essa crise e retomar a trajetória de crescimento e geração de empregos e renda de que o país tanto necessita. Ademais, é fundamental uma reabertura gradual da atividade econômica, de forma equilibrada, responsável e, principalmente, preservando a saúde das pessoas. Por isso, é necessário tomar todos os cuidados e cautelas, pois a prioridade é a saúde.
Plano de retomada da atividade econômica após a quarentena
Enquanto a sociedade discutia se devia fazer ou não a quarentena, a Fiesp se antecipou e fez um plano de retomada da economia para ser usado no momento de iniciar a flexibilização. Foram elaborados protocolos sugerindo regras de nova convivência social, buscando reduzir a propagação da Covid-19, até o surgimento de uma vacina. O plano foi enviado a todas as esferas de governo do país e está disponível para todos no site da Fiesp.
As medidas de distanciamento social adotadas pelos governantes são cruciais para uma evolução controlada da Covid-19, algo essencial para que o sistema de saúde tenha tempo de ser reforçado com a expansão do número de leitos, especialmente de UTIs, maior disponibilidade de equipamentos de proteção individual (EPIs) e ampliação da nossa capacidade de testes para detectar o vírus. Mas, tão importante quanto as ações de controle da pandemia são as iniciativas que devem ser tomadas no momento de retomada das atividades econômicas. Assim, é fundamental que se construa um plano que sirva como um guia de execução para os cidadãos no momento em que as condições sanitárias sejam adequadas.
Com esse objetivo em mente, uma equipe multidisciplinar da Fiesp e colaboradores elaboraram um plano para a retomada da atividade econômica após a quarentena. O plano é amplo (76 páginas) e apresenta a experiência de retomada na Áustria, Alemanha, China, Dinamarca, Espanha, Itália, República Tcheca, França, Noruega, Nova Zelândia, nos Estados Unidos, em Taiwan, na Suécia e Coreia do Sul. Estudaram-se também as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) para construir um planejamento para a retomada da atividade econômica por etapas. As recomendações da OMS para a retomada são resumidas nos seis pontos abaixo:
1) A transmissão do vírus deve estar controlada;
2) O sistema nacional de saúde deve ter a capacidade de detectar, testar, isolar e tratar cada caso, acompanhando a rede de contágios;
3) O risco de um surto deve ser minimizado, em especial em ambientes como instalações de saúde e asilos;
4) Medidas preventivas devem ser implementadas em locais de trabalho, escolas e outros locais onde a circulação de pessoas seja essencial;
5) O risco de “importação” do vírus deve estar sob controle;
6) ED50A sociedade deve estar plenamente educada, engajada e empoderada para aderir às novas normas de convívio social.
No momento da flexibilização, é importante ter segurança de que o sistema de saúde estará pronto para o combate ao vírus. Complementando as recomendações da OMS, o trabalho sugere os seguintes critérios para a retomada das atividades no Brasil:
- A retomada deve ser gradual e escalonada;
- A retomada das atividades deve respeitar protocolos de convivência e de distanciamento social voltadas ao combate da Covid-19;
- A cada 7 dias a situação da epidemia deve ser reavaliada e, com isso, os protocolos relaxados ou intensificados;
- A liberação completa da atividade estará condicionada à evolução da epidemia.
Atendidas essas recomendações, tem início o processo de reabertura gradual das atividades segundo o grau de essencialidade, de maneira a abranger todas as atividades em até quase 45 dias. Eventos de grande número de pessoas continuam suspensos.
Linha do tempo sugerida no processo de flexibilização das atividades:
- Dia 1: creches e escolas, porém, deverão seguir protocolos como entrevista para identificação de possíveis sintomas da Covid-19 e utilização de termômetro para medir a temperatura dos alunos; comércio de rua e restaurantes também reabrem, contudo, com regras de higiene e distanciamento;
- Dia 14: reabertura de shoppings centers, com uma série de cuidados para evitar a propagação do novo coronavírus, como garantir distância mínima na praça de alimentação, elaboração de campanhas de comunicação, entre outros;
- Dia 28: os parques são liberados mediante controle de entrada;
- Dia 42: cinemas, academias, teatros, museus e universidades passariam a funcionar.
No processo de retomada, recomenda-se que os transportes públicos operem com frota e programação de pico durante todo o dia, além de que se faça um escalonamento dos horários de funcionamento das atividades econômicas a fim de evitar aglomerações nos transportes.
É apresentada no trabalho uma proposta de horários de abertura e fechamento para os diversos setores da economia como forma de distribuir o fluxo de trabalhadores ao longo do dia e mitigar o contágio no transporte público. Entretanto, cada companhia sabe das suas próprias necessidades em termos de horários de expediente e deve ter liberdade para definir os horários de entrada e saída de seus funcionários. Adicionalmente, as atividades têm horários possíveis diferenciados de acordo com a região do país e o porte de cidade.
O estudo também oferece sugestões de protocolo para o domicílio, para os transportes privado e público, para as empresas de comércio e os shoppings, as fábricas, os escritórios, as escolas e creches e as academias de ginástica. As sugestões de protocolos para o momento da retomada são apresentadas abaixo:
Protocolo no domicílio:
- Ao chegar em casa: higienização imediata das mãos; cuidado e higienização das roupas, sapatos, bolsas, carteiras, chaves e celulares; higienização de sacolas e compras; menor lotação em elevadores;
- Convivência com pessoas de grupo de risco: camas separadas; higienização de banheiros e superfícies de alto contato; ventilação de ambientes; cuidados com roupas, toalhas, lençóis, talheres etc.;
- A situação das favelas e comunidades: áreas governamentais de distanciamento social com proteção da população de risco; doação de alimentos, produtos de higiene, álcool em gel, EPIs e outros produtos de necessidade básica; auxílio de renda aos que não puderem trabalhar.
No Trabalho:
- Desenvolver e implementar uma comunicação clara com os funcionários antes do retorno ao trabalho;
- Utilizar o Termômetro Digital Infravermelho de Testa;
- Uso obrigatório de máscaras;
- Revisar layouts e métodos de produção, ajustando-os para atender às necessidades sociais de distanciamento;
- Colocar sinal indicativo de número máximo de pessoas permitido para garantir o distanciamento social nos ambientes;
- Rever a lotação de elevadores em prédios comerciais;
Priorizar a realização das reuniões por teleconferência; - Reforçar a limpeza de locais que ficam mais expostos ao toque das mãos;
- Manter ambientes bem ventilados ou aplicar a limpeza frequente do ar condicionado;
- Aumentar o período de funcionamento de refeitório e distribuir os funcionários em horários de refeição distintos;
- Cada gestor acompanha diariamente o estado de saúde do seu time.
Creches e escolas:
- Uso de máscaras;
- Distanciamento das crianças;
- Regras de higiene e lavagem das mãos;
- Ventilação e janelas abertas.
Fábricas:
- Revisar layouts e métodos de produção, garantindo uma distância mínima segura entre as pessoas;
- Limpeza das ferramentas principais duas vezes por turno.
Escritórios:
- Aprimoramento do layout das mesas para atender à distância mínima segura;
- Não realizar reuniões em área fechada e procurar reduzir o número de participantes;
- Estimular teletrabalho.
Lojas de rua:
- Limitação de acesso às lojas, com controle do número de entradas;
- Disponibilização de pontos com dispensadores de álcool em gel;
- Utilização de canais on-line para continuar atendendo a clientes que ainda tenham movimentação restringida;
- Se possível, isolar áreas dos estabelecimentos para facilitar o controle da operação e reduzir custos.
Shoppings:
- Aplicar comunicados de prevenção à Covid-19 em elevadores de carga e sociais;
- Manter distanciamento físico mínimo seguro entre cada cliente e/ou funcionários em filas de estacionamento, bancos, lotéricas e caixas eletrônicos, entre outros, demarcando o chão com adesivos;
- Delimitar mesas e bancos que podem ser usados, respeitando o distanciamento, inclusive em elevadores;
- Garantir uma distância mínima segura entre os usuários nas praças de alimentação;
- Sanitários:
- Manter controle de quantidade de pessoas, respeitando as regras de saúde;
- Manter as portas dos sanitários prioritariamente abertas para beneficiar a ventilação.
Alimentação:
- Uso de máscaras por todos funcionários;
- Aumentar a separação e distanciamento das mesas;
- Reforçar a higienização de mesas e cadeiras;
- Priorizar os serviços de delivery e de retirada de refeições.
Protocolos nos transportes:
- Públicos: uso de máscaras, reforço de limpeza e higienização; governo deve garantir frota de horário de pico para evitar aglomeração;
- Taxis/Aplicativos: motoristas e passageiros devem usar máscaras, vidros abertos;
- Particulares: máscaras se tiver mais que uma pessoa e vidros abertos.
Gestão da Saúde:
Por fim, e de fundamental importância, o trabalho apresenta sugestões para a gestão da saúde que são descritas a seguir:
- Ampliar capacidade de cuidados hospitalares críticos;
- Treinamento de equipes de saúde voltadas para o manejo de casos críticos de Covid-19;
- Facilitar a produção, importação e distribuição de insumos hospitalares;
- Revisar práticas de regulação dos leitos nos hospitais públicos e integrar os dados.
- Informar população constantemente;
- Manter canal de comunicação com a população com informações das ações sendo tomadas e atualizações sobre a Covid-19 baseado em evidências científicas;
- Incentivar práticas de distanciamento social;
- Conscientizar sobre o uso de máscaras comunitário.
- Adequar a infraestrutura de UTI e expandir o número de leitos comuns e leitos de UTI com respiradores mecânicos;
- Implantar capacidade de detecção, testagem e isolamento rápido;
- Pontos de triagem nos locais de trabalho e de compras;
- Barreiras físicas e tecnológicas nas cidades a fim de identificar infectados e direcioná-los para a quarentena domiciliar;
- Barreiras físicas em aeroportos, portos, rodoviárias, pedágios, postos de caminhoneiros, terminais urbanos, entradas de estações de trem e metrô e prédios comerciais;
- Uso de câmaras térmicas em locais de alto fluxo.
- Construir sistemas de identificação, isolamento e testagem de contatos próximos dos casos confirmados por meio de ferramentas digitais e/ou serviços de teleatendimento;
- Uso de tecnologia (aplicativo) para monitoramento dos infectados e pessoas em quarentena, para teleassistência;
- Identificar zonas de calor para a Covid-19 através de integração de dados e geolocalização;
- Testar em grande intensidade a população: testar para a Covid-19 e para a presença de anticorpos;
- Monitorar curva epidemiológica;
- Monitorar curva de soroconvertidos (imunizados);
- Direcionar para a quarentena todos os pacientes que mostrarem os menores sinais de sintomas;
- Acompanhar e adotar protocolo de medicações que mostrem potencial de eficácia no tratamento da Covid-19;
- Ampliar utilização de telemedicina no sistema público;
- Garantir a disponibilidade de equipamentos de proteção para todos os profissionais da saúde (máscaras, aventais etc.);
- Reforçar todas as medidas de controle e destinação de lixo hospitalar;
- Garantir a disponibilidade de material profilático para a população:
- Máscaras para os infectados;
- Oferta de álcool gel e produtos de limpeza gratuitos para baixa renda.
- Reforçar a limpeza de locais que ficam mais expostos ao toque das mãos, como maçanetas de portas, braços de cadeiras, telefones e bancadas;
- As pessoas que continuarem em quarentena e não forem trabalhadores de carteira assinada ou participantes de programas de transferência de renda devem receber um auxílio mensal do governo (R$ 600 já aprovado no Congresso, garantir orçamento para esta destinação).
Uma vez definido o protocolo final a ser seguido no processo de reabertura, um plano de comunicação deve ser construído para dar suporte à sua implementação. Até o surgimento de uma vacina ou de um tratamento efetivo contra a Covid-19, uma nova realidade se impõe a todos os cidadãos, na qual o convívio social exigirá novos hábitos e a adoção de medidas de prevenção que garantam a saúde e o bem-estar de toda a sociedade.
Considerações finais
Durante a pandemia, a Fiesp trabalhou intensamente elaborando protocolos para o momento da reabertura da economia e propôs políticas públicas visando minimizar os efeitos econômicos dessa grave crise sobre a sociedade. Por intermédio do Sesi, produziu gratuitamente mais de 5 milhões de refeições para os menos assistidos. Por intermédio do Senai, realizou o conserto de respiradores, máscaras e álcool em gel a custo zero para a sociedade. O momento é duro, e exige grande esforço de todos na sua superação, pois teremos que aprender a conviver com o vírus até o surgimento de uma vacina. No entanto, com planejamento, coordenação e a adoção das medidas corretas é certo que conseguiremos atravessar mais essa crise. Temos confiança no futuro do Brasil. Vamos juntos superar esse momento difícil e reencontrar o caminho da prosperidade.
É presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp).
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