A esquerda pode estar perto de chegar ao poder na Colômbia pela primeira vez
Gustavo Petro tem chances de ser o primeiro candidato de esquerda a chegar à Presidência no país; eleições deste ano podem ser vistas como sinal de que a divisão esquerda-direita na Colômbia está passando do confronto armado para o desacordo democrático após quase um século de monopólio de poder por partidos elitistas liberais e conservadores, e de a esquerda ser retratada por décadas como o inimigo interno
Gustavo Petro tem chances de ser o primeiro candidato de esquerda a chegar à Presidência no país; eleições deste ano podem ser vistas como sinal de que a divisão esquerda-direita na Colômbia está passando do confronto armado para o desacordo democrático após quase um século de monopólio de poder por partidos elitistas liberais e conservadores, e de a esquerda ser retratada por décadas como o inimigo interno
Gustavo Petro, um ex-guerrilheiro, obteve 40,34% dos votos no primeiro turno das eleições colombianas em 29 de maio.
Ele enfrentará Rodolfo Hernández, um empresário que virou político e que conquistou 28,17% dos votos e ficou em segundo lugar, no segundo turno, em 19 de junho.
Esses resultados são impressionantes por três razões.
Primeiro, se Petro vencer, será a primeira vez que um candidato de esquerda se tornará presidente em um país tradicionalmente governado por partidos elitistas de direita.
Em segundo lugar, ambos os candidatos concorreram em plataformas críticas ao establishment político.
Terceiro, o ‘uribismo’, movimento político de direita dominante formado em torno do ex-presidente Álvaro Uribe, não terá um candidato na votação decisiva pela primeira vez em 20 anos.
Rebelde transformado em político
Ex-integrante da guerrilha de esquerda M-19, Petro iniciou sua carreira política em 1991, logo após o desarmamento da organização como parte de um processo de paz.
Nos últimos 30 anos, foi congressista (de 2006 a 2010 e novamente de 2018 a 2022), prefeito de Bogotá (de 2012 a 2015) e três vezes candidato à Presidência (em 2010, 2018 e 2022).
Nascido em uma família de classe média em uma pequena cidade na região caribenha da Colômbia, ele é diferente das chamadas elites andinas que tradicionalmente dominaram o país. Se eleito, Petro promete, entre outras coisas, interromper a exploração de petróleo, fornecer ensino superior público gratuito para todos e reformar completamente o sistema previdenciário para aumentar sua cobertura.
Suas propostas de mudanças radicais o tornaram popular entre os eleitores mais jovens e de baixa renda, muitos dos quais participaram de protestos maciços em 2021 contra o governo de direita do atual presidente Iván Duque, que detém os índices de aprovação mais baixos de qualquer presidente na história recente do país.
Os detratores de Petro, por outro lado, condenam sua participação anterior em uma organização rebelde e descrevem suas propostas como populistas. Os críticos argumentam que seu mandato como prefeito de Bogotá foi envolto em controvérsias e que ele tentará perpetuar esse estilo de governo se for presidente.
A resistência ao sucesso de Petro, no entanto, deve ser entendida dentro do contexto histórico do domínio elitista da direita na Colômbia e da exclusão de alternativas de esquerda.
O medo da esquerda na Colômbia
A Colômbia foi apontada no passado como um exemplo de estabilidade democrática na América do Sul. A única ditadura militar que o país sofreu em sua história recente (1953-57) foi de curta duração e relativamente benigna em comparação com os regimes mais repressivos de outros países sul-americanos.
Ao contrário da maioria dos países do continente, os líderes populistas não obtiveram poder na Colômbia. Além disso, enquanto a maioria da região virou à esquerda no início dos anos 2000, os colombianos elegeram Álvaro Uribe, um líder neoconservador que priorizou o mercado e a militarização da segurança.
Esta aparente estabilidade política não veio sem um preço. Partidos elitistas –tanto liberais quanto conservadores– monopolizaram o poder ao longo do século XX e frustraram a ascensão de partidos de esquerda e movimentos dissidentes.
O favorito para as eleições presidenciais no final da década de 1940, o líder populista Jorge Eliécer Gaitán, foi assassinado em 1948, dando lugar a um período sombrio conhecido como “La Violencia”, que resultou no massacre de milhares de pessoas. Mais tarde, o assassinato sistemático de líderes, políticos e ativistas de esquerda por paramilitares de direita e agentes do Estado manteve o poder firmemente nas mãos das elites tradicionais.
Durante os oito anos em que Uribe foi presidente, 6.402 pessoas foram vítimas de execuções extrajudiciais perpetradas pelo Exército.
Uribe tem sido uma figura dominante no país nos últimos 20 anos.
Foi presidente de 2002 a 2010; seu ministro da Defesa e ex-aliado foi eleito presidente em 2010; seu candidato escolhido, Iván Duque, venceu a eleição presidencial em 2018; e Uribe liderou com sucesso a campanha contra o acordo de paz com o maior grupo guerrilheiro do país –as FARC– no referendo de 2016.
O acordo foi finalmente implementado apesar do resultado negativo, e Uribe agora é cada vez mais impopular entre os colombianos. As reformas institucionais e o acordo de paz de 2016 também revigoraram a esquerda.
Depois de ser retratada por décadas como o inimigo interno, a esquerda é finalmente uma séria candidata à Presidência.
Implicações futuras
Petro enfrentará desafios importantes. Primeiro, forças políticas anti-esquerda dispersas provavelmente se unirão em torno do ‘outsider’ de direita Hernández, montando uma séria candidatura à Presidência.
Em segundo lugar, o partido de Petro, o Pacto Histórico, não tem maioria no Congresso e, se eleito presidente, ele terá que estabelecer alianças instáveis com parceiros improváveis.
E embora suas promessas de mudanças radicais tenham inspirado muitos, expectativas elevadas podem rapidamente se transformar em decepção ou reação, semelhante às enfrentadas por líderes de esquerda Gabriel Boric no Chile e Pedro Castillo no Peru.
No entanto, a consolidação da esquerda como opção eleitoral legítima e viável na Colômbia é importante para a democracia de um país que sofreu décadas de conflitos por motivos políticos e altos níveis de desigualdade socioeconômica.
Essas eleições podem ser vistas como um sinal de que a divisão esquerda-direita na Colômbia está passando do confronto armado para o desacordo democrático.
* Juan Manuel Morales é doutorando em ciência política pela Université de Montréal
Este texto é uma republicação do site The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original, em inglês.
Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional
Editor-executivo do portal Interesse Nacional. Jornalista e doutor em Relações Internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Mestre pelo KCL e autor dos livros Brazil’s international status and recognition as an emerging power: inconsistencies and complexities (Palgrave Macmillan), Brazil, um país do presente (Alameda Editorial), O Brazil é um país sério? (Pioneira) e O Brasil voltou? (Pioneira)
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