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Interesse Nacional
24 maio 2024

A (in)sensibilidade política diante da agenda ambiental

Avanço de pautas problemáticas em meio às consequências da tragédia no Rio Grande do Sul mostra o grau de preocupação de grande parte da classe política com o meio ambiente e a mudança de clima

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobrevoo região de Canoas afetada pelas inundações (Foto: Ricardo Stuckert / PR)

A tragédia que está afetando todo o estado do Rio Grande do Sul, com reflexos nacionais, é um dos efeitos da mudança de clima provocada pelo aquecimento global.

Depois de um período em que o governo brasileiro não só negava o impacto do aquecimento global sobre a vida dos países e das pessoas, como desmontou todo o sistema governamental de proteção ao meio ambiente, o atual governo mudou de posição e colocou o meio ambiente e a mudança de clima como uma de suas prioridades. 

‘Alguns resultados importantes podem ser registrados, mas será necessária maior coordenação com o Congresso’

Alguns resultados importantes podem ser registrados, como a redução do desmatamento da Amazônia, a realização de encontro presidencial do Tratado de Cooperação Amazônica e a convocação em 2025 da COP 30. Muito ainda necessita ser feito com maior coordenação entre os órgãos governamentais, com a efetivação do Plano Clima e da Estratégia Nacional de Adaptação, prevenção aos fenômenos climáticos, e a implementação da nova política industrial que leve em conta a transição energética, mas não impacte negativamente o setor industrial. 

Será necessária sobretudo maior coordenação com o Congresso, onde tramitam 25 projetos de lei e três emendas constitucionais com grandes chances de avançar rapidamente. 

Entre as iniciativas nocivas ao meio ambiente estão: anistia para desmatadores, flexibilização do Código Florestal, regularização fundiária, exploração mineral em unidades de conservação e redução da reserva legal da Amazônia de 80% para 50%. Os projetos foram recentemente elaborados ou são antigos, que passaram a ganhar novos apoios, muitas vezes sendo aprovados rapidamente pelas comissões de forma definitiva, sem passar pelo plenário. 

A Frente Parlamentar da Agropecuária rejeita as críticas e as preocupações com o exame dessas matérias, com o argumento de que os projetos são votados e aprovados pelas duas casas legislativas e não pela bancada, acrescentando que o Brasil possui 66% de seu território preservado e nenhum projeto amplia a área de produção ou incentiva desmatamento ou crimes ambientais. 

‘Espera-se que a catástrofe no Rio Grande do Sul sirva para os parlamentares repensarem suas atitudes em relação à agenda ambiental e climática’

Espera-se que a catástrofe no Rio Grande do Sul sirva para os parlamentares repensarem suas atitudes em relação à agenda ambiental e climática.  O Congresso brasileiro precisa dar satisfações para a população e assumir suas responsabilidades. Antes de aprovar esses projetos, os congressistas, diante da gravidade do momento e do impacto que essa agenda poderá causar, deveriam promover um debate público sobre a conveniência e os impactos dessas medidas. O conjunto de medidas em discussão no Congresso pode trazer danos irreparáveis aos ecossistemas brasileiros, às comunidades tradicionais, ao clima global e à segurança de cada cidadão. 

Os principais projetos de lei em tramitação no Congresso dizem respeito à flexibilização do Código Florestal e da proteção da vegetação nativa, ao licenciamento ambiental, ao financiamento da política ambiental, à grilagem, a unidades de conservação e terras indígenas. 

  • Eliminação da proteção dos campos nativos e outras formações não florestais O texto pode retirar proteção adicional de toda a Mata Atlântica, bem como deixar completamente desprotegidos cerca de 48 milhões de hectares de campos nativos em todo o país, o que significa desproteger 50% do Pantanal (7,4 milhões de hectares), 32% do Pampa (6,3 milhões de hectares) e 7% do Cerrado (13,9 milhões de hectares), além de quase 15 milhões de hectares na Amazônia, sujeitando-os a uma conversão agrícola descontrolada e ilimitada.
  • Viabiliza a redução da reserva legal na Amazônia Reduz de 65% para 50% a parte do território dos estados amazônicos ocupada por áreas protegidas para que se possa reduzir a reserva legal de 80% para até 50%. É uma redução significativa em termos de área preservada.
  • Lei geral do licenciamento ambiental, tornando o licenciamento ambiental uma exceção ao invés de regra
  • Flexibilização das normas sobre regularização fundiária, inclusive o marco temporal para regularização das terras da união. Prevê anistia a quem invadiu e desmatou ilegalmente terra pública até dezembro de 2014 e incentiva a ocupação ilegal ao estender o marco temporal de julho de 2008 para maio de 2014. Pode ser visto como um incentivo a ocupações ilegais, pois sugere que invasões realizadas após o prazo inicial estabelecido pela lei podem eventualmente ser legalizadas, o que encoraja futuras ocupações ilegais com a expectativa de regularizações. Beneficia grileiros que ocuparam terras ilegalmente entre os dois períodos. Isso pode ser interpretado como uma anistia para comportamentos que violam a legislação ambiental e de propriedade de terras, prejudicando esforços para combater a grilagem.
  • Exploração mineral em Unidades de Conservação. A permissão da exploração mineral em parques e reservas extrativistas é extremamente danosa à proteção dessas áreas e incompatível com os objetivos de criação de categorias de UCs.
  • Terras indígenas. O direito dos povos indígenas ao seu território tradicional foi estabelecido pelo poder constituinte originário no art. 231 da Carta de 1988 sem menção a marco temporal. 

Nesta semana, mostrando as contradições e inconsistências nas políticas ambientais, o líder do governo na Câmara, José Guimarães, protocolou projeto de lei que beneficia usinas de carvão, permitindo que elas possam participar de licitações de reserva de capacidade de potência. 

A insensibilidade com as consequências da tragédia que estamos acompanhando no Rio Grande do Sul mostra o grau de preocupação de grande parte da classe política com o meio ambiente e a mudança de clima.

Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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