16 dezembro 2022

A irrealista moeda regional sul-americana

Proposta pelo novo ministro da Fazenda Fernando Haddad em artigo, ideia de uma moeda comum na integração da América do Sul esbarra nos diferentes estágios de amadurecimento econômico na região, na ausência de uma autoridade monetária regional e em outras dificuldades institucionais. Para o fortalecimento da integração regional, falta vontade política e sobram propostas sem conexão com a realidade

Proposta pelo novo ministro da Fazenda Fernando Haddad em artigo, ideia de uma moeda comum na integração da América do Sul esbarra nos diferentes estágios de amadurecimento econômico na região, na ausência de uma autoridade monetária regional e em outras dificuldades institucionais. Para o fortalecimento da integração regional, falta vontade política e sobram propostas sem conexão com a realidade

Cúpula de Chefes de Estado do Mercosul e Estados Associados, em 2020 (Foto: Marcos Corrêa/PR)

Por Rubens Barbosa*

Em artigo recente, o novo ministro da Fazenda Fernando Haddad e o agora secretário-executivo da Fazenda, Gabriel Galípolo, chamaram a atenção para a supremacia das moedas dos Estado Unidos e Europa, que, inclusive, foram utilizadas como sanções contra a Rússia, devido à guerra na Ucrânia pelo confisco das reservas mantidas por Moscou nos Bancos Centrais desses países.

“Durante os anos 1990, sucessivas crises globais levaram diversos países latino-americanos a recorrer ao FMI (Fundo Monetário Internacional) para poder honrar seus pagamentos em moedas internacionais. O apoio do FMI era usualmente condicionado à adesão ao receituário econômico ‘sugerido’”, relembram, em outro trecho do artigo. 

No contexto da discussão sobre o fortalecimento da integração na América do Sul, Haddad e Galipolo defendem um projeto que aumente o comércio e os investimentos para dar mais força ao bloco econômico “com maior relevância na economia global e conferir maior liberdade ao desejo democrático, à definição do destino econômico dos participantes do bloco e à ampliação da soberania monetária”. Para isso sugerem que seja criada uma nova moeda digital sul-americana. Ambos reconhecem que a situação não é simples, em função das diferenças estruturais e macroeconômicas dos países da região. Porém, “a experiência monetária brasileira, como o êxito na operacionalização da URV (Unidade Real de Valor), pode subsidiar um paradigma à criação dessa moeda digital sul-americana”.

Segundo a proposta, a moeda seria emitida por um Banco Central Sul-Americano, com capitalização inicial feita pelos países-membros, proporcionalmente às suas participações no comércio regional a partir de reservas internacionais ou taxas sobre exportações. “A nova moeda poderia ser utilizada tanto para fluxos comerciais quanto financeiros entre países da região”. “A criação de uma moeda sul-americana é a estratégia para acelerar o processo de integração regional, constituindo um poderoso instrumento de coordenação política e econômica para os povos sul-americanos. É um passo fundamental rumo ao fortalecimento da soberania e da governança regional, que certamente se mostrará decisivo em um novo mundo”. A moeda, que poderia chamar SUR, teria uma taxa de câmbio flutuante com as moedas nacionais.

A ideia não é nova, e o atual ministro da Economia Paulo Guedes, no início do ano, em Davos, havia feito menção a essa possibilidade. Na prática, os países abririam mão do real, peso ou bolívar, e adotariam uma mesma moeda oficial como meio de pagamento para transações comerciais e financeiras dentro e fora de suas fronteiras.  

A União Europeia introduziu o Sistema Monetário com moeda única em 1999. Como aconteceu na Europa, o estabelecimento da moeda comum representa a etapa final de um processo de integração econômica ainda inicial na região, com volume de comércio interno bem menor que o da zona do euro. Quando o Banco Central Europeu sobe os juros, por exemplo, a alta vale para toda a moeda euro. No nosso caso, em uma política como esta, o Brasil estaria dependente da situação fiscal da Argentina para definir o aumento dos juros, visto que o risco seria percebido como sendo do bloco. Além disso, para chegar à moeda única, seria preciso uma política de livre comércio e um imposto comum em todos os países. 

Os diferentes estágios de amadurecimento econômico na região, a ausência de uma autoridade monetária regional e outras dificuldades institucionais tornam essa ideia um sonho de difícil materialização. Para o fortalecimento da integração regional, falta vontade política e sobram propostas irrealistas como a criação de uma moeda regional.


*Rubens Barbosa foi embaixador do Brasil em Londres, é diplomata, presidente do Instituto Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e coordenador editorial da Interesse Nacional.

Editor-executivo do portal Interesse Nacional. Jornalista e doutor em Relações Internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Mestre pelo KCL e autor dos livros Brazil’s international status and recognition as an emerging power: inconsistencies and complexities (Palgrave Macmillan), Brazil, um país do presente (Alameda Editorial), O Brazil é um país sério? (Pioneira) e O Brasil voltou? (Pioneira)

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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