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Interesse Nacional
04 agosto 2022

A ‘Nova África’ e as oportunidades para o Brasil

A percepção de que a África é um ambiente hostil aos negócios é um viés que deve ser revisto. O que deveria chamar atenção dos investidores brasileiros é o surgimento de um continente que cresce, se desenvolve e oferece enormes oportunidades para investimentos

A percepção de que a África é um ambiente hostil aos negócios é um viés que deve ser revisto. O que deveria chamar atenção dos investidores brasileiros é o surgimento de um continente que cresce, se desenvolve e oferece enormes oportunidades para investimentos

Por Natália Dias*

A África é uma região relevante para as grandes multinacionais – em qualquer aspecto. Nos últimos 20 anos, foi a segunda região com maior crescimento econômico, atrás apenas do leste asiático. Tem um PIB somado de US$ 2,5 trilhões, 60% das áreas cultiváveis do planeta e a população que mais cresce no mundo e, segundo a consultoria McKinsey, irá criar um mercado consumidor de quase US$ 5,5 trilhões em 2030. Não é por acaso que grandes corporações, como Coca-Cola, DHL e outras, têm investimentos nos principais mercados africanos. Em 2015, por exemplo, a AB Inbev pagou 30 bilhões de dólares pela cervejaria sul-africana SABMiller. Em eventos públicos, o empresário Jorge Paulo Lemann já afirmou que a África é uma das regiões que oferecerá maiores oportunidades de negócios para empresas do setor de consumo.

A despeito de tudo disso, há inúmeras empresas brasileiras que sequer cogitam a África como destino de investimentos.

Como costuma dizer a embaixadora Irene Vida Gala, uma das maiores especialistas em África, isso se deve ao racismo estrutural que infelizmente ainda vigora na nossa sociedade. Ela tem razão. Empresários brasileiros projetam na África a percepção que têm sobre o negro. E a ideia da África como uma grande aldeia subdesenvolvida persiste.

Investir na África ainda é um nicho ocupado por poucas empresas brasileiras, como Weg, Vale, Embraer, InterCement, Marcopolo, BRF, entre outras. Não por acaso, empresas que têm a internacionalização em seu DNA e presença em outras regiões.

  ‘Ao ignorar a África, as empresas brasileiras deixam de explorar um dos maiores e mais promissores mercados do planeta’

Ao ignorar a África, as empresas brasileiras deixam de explorar um dos maiores e mais promissores mercados do planeta e abrem espaço para concorrentes de outros países ocuparem um lugar que poderia ser delas. Desde 2000, os investimentos brasileiros na África se aproximaram de US$ 15 bilhões. É um décimo dos US$ 150 bilhões investidos pela China no mesmo período.

O ano passado marcou um recorde na atração de investimentos privados no continente africano: US$ 7,4 bilhões, um aumento de 118% em relação a 2021. Do total, US$ 5,2 bilhões vieram de venture capital. Os dados são da African Private Equity and Venture Capital Association.

Além dos investimentos, estamos perdendo espaço relevante na participação no comércio exterior. Entre 2000 e 2019, as trocas comerciais da África Subsaariana com o mundo saíram de US$ 243 bilhões para US$ 1 trilhão. Novamente, enquanto a África se abriu para o mundo, o Brasil se fechou para a África.

‘Enquanto a África se abriu para o mundo, o Brasil se fechou para a África’

Na primeira década do século, o comércio exterior entre Brasil e África Subsaariana apresentou tendência crescente. Em 2008, as exportações brasileiras superaram a barreira dos US$ 10 bilhões. A tendência foi interrompida com a crise financeira mundial. Mas, em 2011, as vendas retomaram o patamar anterior – superando os US$ 12 bilhões em 2013 e 2014. A partir do ano seguinte, as nossas exportações estagnaram no patamar de quatro bilhões.

Um estudo feito pela MB Associados mostrou que as exportações brasileiras para a África podem aumentar 50% em 2025, chegando a US$ 12 bilhões com o aproveitamento do potencial da indústria brasileira. As maiores oportunidades estão no agronegócio, setor que o Brasil tem grande competitividade global e que poderia ter presença maciça no continente africano.

‘A verdade é que fazer negócios no Brasil é ainda mais complexo do que em muitos países africanos’

A ideia de que o baixo investimento se deva a um ambiente hostil aos negócios não procede. Ainda mais em se tratando de empresas brasileiras, habituadas a um país notório pela alta burocracia, com sistema tributário caótico e infraestrutura defasada. A verdade é que fazer negócios no Brasil é ainda mais complexo do que em muitos países africanos. Uma evidência é o fato de haver dez países africanos mais bem posicionados no ranking Doing Business 2019, do Banco Mundial. O Brasil apareceu na 109 posição, atrás de nações como Quênia, Botsuana, Ruanda e Maurício.

Ou seja, a percepção de que a África é um ambiente hostil aos negócios é outro viés que deve ser revisto. O que deveria chamar atenção dos investidores brasileiros é o surgimento de uma nova África, que cresce e se desenvolve. Em 2010, o Standard Bank apontou cinco tendências que impulsionavam o desenvolvimento econômico da região. Em 2020, o trabalho foi revisto e as tendências continuam. Em resumo, são elas: crescimento da população jovem e em idade ativa; aumento da urbanização; digitalização da sociedade; maior inclusão financeira; e reformas institucionais que estão sedimentando a democracia em diversos países.

Em 2021, foi ratificado o Acordo de Livre Comércio Africano. Com 54 países, é o maior acordo já celebrado no mundo e com um PIB somado de quase US$ 3,5 trilhões e uma população de 1,3 bilhão de pessoas. Trata-se de mais um avanço institucional no continente africano com potencial de destravar negócios e promover o desenvolvimento social. Um estudo recente do Banco Mundial mostrou que a queda das barreiras comerciais na África pode adicionar US$ 450 bilhões ao PIB da região até 2035.

A África do século XXI não quer ajuda humanitária –quer investimentos. Os principais países da região têm uma agenda de desenvolvimento, que passa pela transição para a economia verde, a inclusão digital, melhoria de infraestrutura e a montagem de um parque industrial que reduza a dependência das importações.

O Brasil pode participar dessa revolução ou ver a indústria de outros países ocuparem esse espaço. O passado nos liga ao continente africano. Em diversos aspectos, podemos encontrar mais afinidades na África do que na América Latina espanhola. A economia bem que poderia ser um canal para essa maior integração.


*Natália Dias é CEO do Standard Bank Brasil


Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

Editor-executivo do portal Interesse Nacional. Jornalista e doutor em Relações Internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Mestre pelo KCL e autor dos livros Brazil’s international status and recognition as an emerging power: inconsistencies and complexities (Palgrave Macmillan), Brazil, um país do presente (Alameda Editorial), O Brazil é um país sério? (Pioneira) e O Brasil voltou? (Pioneira)

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