A reconstrução da imagem e do prestígio do Brasil: Leia trecho da introdução do livro ‘O Brasil voltou?’
Primeiro texto da obra trata do trabalho para retomar laços no exterior e recuperar o status do país após quatro anos de encolhimento e isolamento sob Bolsonaro. Trecho também lista os artigos e temas que formam o livro
Primeiro texto da obra trata do trabalho para retomar laços no exterior e recuperar o status do país após quatro anos de encolhimento e isolamento sob Bolsonaro. Trecho também lista os artigos e temas que formam o livro
Daniel Buarque e Rubens Barbosa
O primeiro ano do terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva como presidente da República foi um período de tentativa de reconstrução do status internacional do Brasil.
Enquanto durante os quatro anos em que Jair Bolsonaro foi o governante o país deu passos claros na direção de perda de prestígio no mundo e ficou marcado por uma declaração do seu chanceler sobre ser aceitável virar um pária internacional, Lula voltou ao poder deixando claro que a sua “doutrina” em política externa seria baseada em restaurar a imagem do Brasil e suas relações. Foi o que ficou simbolizado pela declaração de que o mundo sentia falta do país e que “o Brasil voltou”.
Trata-se de um conjunto de intenções importante. De fato, o governo Bolsonaro abusou do desgaste da reputação ambiental e fez o país perder prestígio no mundo de forma marcante. Mais do que uma preocupação trivial ou de mera questão diplomática, uma boa imagem ajuda na projeção internacional de um país e pode impulsionar a sua capacidade de atrair comércio, investimentos, turistas, talentos e consumidores para seus produtos e serviços. É o primeiro passo para alcançar status no mundo, uma das grandes prioridades da política externa brasileira desde que o país se tornou um Estado dentro do contexto geopolítico global.
Por um lado, o objetivo do novo governo parece factível. A reconstrução dos laços formais e diplomáticos na tradição brasileira começou antes mesmo de Lula tomar posse, com uma ampla agenda de contatos e viagens com líderes estrangeiros – muitos dando sinais de que realmente sentiam falta do país. A retomada de relações institucionais de fato pareceu se concretizar.
Mas nem tudo é tão simples. Recuperar a imagem do país de forma mais ampla é um desafio muito maior do que o governo poderia imaginar, e não há uma fórmula que leve a uma melhora rápida da reputação do país no resto do mundo. Danificar a imagem de um país pode ser fácil, mas melhorar essa imagem é bem mais complicado.
Não há uma fórmula mágica que ajude a promover uma imagem positiva de um país no resto do mundo. O novo governo até retomou o uso da “marca Brasil” para tentar promover o país, mas campanhas de publicidade definitivamente não têm impacto no nível de prestígio de um país.
A notícia boa é que o Brasil tem um grande potencial para ampliar seu status global. O país tem uma imagem simpática, uma reserva de poder bruto e suave e é aceito como uma nação que pode ter um papel importante na política internacional. Isso se destaca especialmente por conta da importância da Amazônia para as questões ambientais que têm se tornado prioridade no mundo, tem influência na vida de todos no planeta e pode contribuir ativamente para melhorar o mundo com a sua luta pela proteção ambiental e contra o desmatamento. O desafio não é simples, mas há, portanto, espaço para o Brasil seguir.
Os capítulos do livro
Escritos por diplomatas e acadêmicos de diferentes áreas, os textos se debruçam sobre a situação do Brasil após o fim do governo Bolsonaro e os avanços e desafios enfrentados pela volta de Lula ao poder. A ideia é traçar um diagnóstico dos impactos deixados pelo governo anterior, as medidas tomadas pela atual administração e a situação do país perante o mundo.
O embaixador Rubens Barbosa trata da atuação da diplomacia brasileira desde a volta de Lula ao poder, com foco na reconstrução do lugar do Brasil no mundo. O diplomata Hayle Melim Gadelha discute como o país retomou o trabalho de tentar projetar o soft power brasileiro, assim como discute as limitações desse tipo de poder “suave”. O cientista político Anthony W. Pereira aborda as transformações da política externa brasileira sob Bolsonaro e os impactos de longo prazo para a diplomacia do país. O historiador Rafael R. Ioris trata da ampliação do Brics e de como isso pode influenciar na projeção internacional do Brasil.
O diplomata Sergio Abreu e Lima Florêncio foca o que chama de “questão militar”, tratando da história da presença das forças armadas na política brasileira (ampliada sob Bolsonaro) e da necessidade de separar o poder civil do militar; enquanto o pesquisador Felipe Tirado trata da tentativa de reconstruir o Estado Democrático de Direito no país.
Em um estudo inédito e aprofundado, a professora Wânia Duleba e os pesquisadores Alisson Felipe Moraes Neves e Milena Maltese Zuffo avaliam o progresso do primeiro ano do governo Lula na área ambiental em relação à inovação das ações implementadas.
A professora de Relações Internacionais Fernanda Cristina Nanci Izidro Gonçalves e o pesquisador Ghaio Nicodemos Barbosa analisam o ativismo do país na América do Sul ao longo do primeiro ano do terceiro mandato de Lula. O professor Miguel Mikelli Ribeiro aborda a estratégia de renovação do engajamento brasileiro na gestão de crises internacionais, sobretudo no caso de conflitos, e procura refletir sobre suas implicações na busca do Brasil por um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU.
Em meio a um acirramento de disputas internacionais, a cientista política Fhoutine Marie analisa a discussão em torno da ideia de terrorismo no Brasil, com o uso do termo tanto em questões de política externa quanto no âmbito doméstico.
O especialista em comércio exterior Mario Mugnaini Jr. trata dos impactos da eleição de Lula para as relações comerciais do país com o resto do mundo.
E o editor-executivo do portal Interesse Nacional, Daniel Buarque, aborda a tentativa de Lula de promover a sua própria imagem e reabilitar o seu nome como sendo um dos políticos mais populares do planeta ao tratar da “volta” do Brasil ao cenário global.
São avaliações que ajudam a pensar sobre esse momento importante do posicionamento global do país. A obra enfrenta o desafio de reunir análises escritas enquanto a história acontece, mas é uma tentativa de dar sentido ao trabalho de reconstrução do Brasil, e tenta não ser datada ao desenvolver discussões aprofundadas no calor do momento.
*Daniel Buarque é colunista e editor-executivo do portal Interesse Nacional, pesquisador no pós-doutorado do Instituto de Relações Internacionais da USP (IRI/USP), doutor em relações internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Jornalista, tem mestrado em Brazil in Global Perspective pelo KCL e é autor de livros como Brazil’s international status and recognition as an emerging power: inconsistencies and complexities (Palgrave Macmillan), Brazil, um país do presente (Alameda Editorial) e O Brazil é um país sério? (Pioneira).
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*Rubens Barbosa é diplomata, foi embaixador do Brasil em Londres e em Washington, DC. É presidente do Instituto Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e coordenador editorial da Interesse Nacional. Mestre pela London School of Economics and Political Science, escreve regularmente no Estado de São Paulo e no Interesse Nacional e é autor de livros como Panorama visto de Londres, Integração econômica da América Latina, O dissenso de Washington e Diplomacia ambiental
Leia mais editoriais de Rubens BarbosaO portal Interesse Nacional é uma publicação que busca juntar o aprofundamento acadêmico com uma linguagem acessível mais próxima do jornalismo. Ele tem direção editorial do embaixador Rubens Barbosa e coordenação acadêmica do jornalista e pesquisador Daniel Buarque. Um dos focos da publicação é levantar discussões sobre as relações do Brasil com o resto do mundo e o posicionamento do país nas relações internacionais.
Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional