15 agosto 2025

A segurança ameaçada

A tensão entre o Brasil e os EUA em função do tarifaço de Trump, pode acarretar medidas restritivas em áreas em que a dependência brasileira do mercado americano afete a segurança nacional

Ensaio para o desfile cívico-militar do 7 de setembro na Esplanada dos Ministérios (Foto Antônio Cruz/Agência Brasil)

Pressionada pelo presidente Donald Trump e pelo temor de que a Rússia possa atacar países europeu, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) decidiu, no fim de junho, que todos os países membro aumentarão substancialmente seus gastos militares e deverão investir 5% dos seus Produtos Internos Brutos (PIB) em Defesa, bem acima dos 2% atuais. 

Esses 5% do PIB serão divididos em duas categorias. Uma parcela de 3,5% será diretamente alocada para a obtenção das capacidades militares estipuladas pela Otan para cada um dos aliados (soldados e armamentos). Trata-se de investimentos diretos em sistemas e materiais de emprego militar, munições, preparo de pessoal, entre outros. 

Os outros 1,5% serão destinados principalmente a investimentos em infraestrutura crítica, como, por exemplo, estradas e pontes, linhas férreas capazes de deslocar rapidamente grandes efetivos e equipamentos pesados para pontos estratégicos na Europa, além de defesa cibernética e fortalecimento da base industrial de defesa (produção de armamentos e oleodutos).

‘Esse aumento substancial de gastos militares terá impacto na manutenção de programas sociais dos países europeu’

Esse aumento substancial de gastos militares terá impacto na manutenção de programas sociais dos países europeus (como já ocorreu na Inglaterra), no rearmamento da Alemanha e no aumento das compras de equipamentos militares nos EUA. À Espanha, que declarou que vai gastar muito menos do que essa diretriz, Trump ameaçou com um acordo comercial mais rigoroso do que com a União Europeia.

Segundo o Instituto Internacional de Pesquisa da Paz de Estocolmo (Sipri), os gastos militares aumentaram em todas as regiões do mundo, atingindo, em 2024, a cifra de US$ 2,718 trilhões. Foi o décimo ano consecutivo de aumento desse tipo de despesa, levando os países a gastarem, em média, 2,5% dos seus PIBs em Defesa.

Países em guerra, como Rússia e Israel, tiveram impressionantes aumentos de 38% e 65%, respectivamente. Mesmo onde a guerra ainda não chegou, como no Japão, os investimentos em Defesa aumentaram 21%, fazendo com que a parcela do PIB destinada à defesa fosse a maior desde 1958. 

‘Em vista das incertezas e inseguranças do cenário global, cabe uma reflexão sobre o lugar do Brasil no mundo e a atual política de Defesa’

Em vista das incertezas e inseguranças do cenário global, com a possibilidade do aparecimento abrupto de crises, cabe uma reflexão sobre o lugar do Brasil no mundo e a atual política de Defesa.

No seu entorno geográfico, o Brasil tem fronteira com dez países, crescentes problemas com o crime transnacional pelo tráfico de drogas, de armas e mais recentemente pelo garimpo ilegal na Amazônia. 

No litoral, a proteção dos campos de petróleo no território marítimo e o crime transnacional são preocupações. Nas duas frentes, as Forças Armadas não estão adequadamente equipadas para a defesa da soberania e do território nacional. 

‘Em tempos em que se menciona a possibilidade de aquisição da Groelândia e a retomada do Canal do Panamá, é bom lembrar a riqueza mineral e a biodiversidade da Amazônia’

Em tempos em que se menciona a possibilidade de aquisição da Groelândia e a retomada do Canal do Panamá, é bom lembrar a riqueza mineral e a biodiversidade da Amazônia, sem falar na disponibilidade da água, cada vez mais fatores estratégicos. 

Por outro lado, em uma região livre de conflitos armados, surgiu a ameaça da Venezuela atacar a Guiana para atender à reivindicação territorial, o que representa um desafio para a Defesa nacional. 

Duas das principais vulnerabilidades na área da defesa são a quase completa dependência do fornecimento de equipamento bélico dos EUA e da Otan e a imprevisibilidade orçamentária. 

Os programas estratégicos das forças armadas são frequentemente postergados por sucessivas reduções e contingenciamentos de recursos, atrasando indefinidamente entregas de capacidades militares. 

‘Embora sejamos a décima economia mundial, investimos em 2024 apenas 1,1% do PIB em Defesa, menos da metade da média global’

Embora sejamos a décima economia mundial, investimos em 2024 apenas 1,1% do PIB em Defesa, menos da metade da média global, o que não reflete as necessidades reais das três forças, cujas despesas discricionárias estão muito abaixo do que seria necessário para atender os projetos especiais. 

A obsolescência dos equipamentos, em especial os da Marinha, e a falta de previsibilidade orçamentária, dificultam um planejamento de médio e longo prazo, agravado agora pela instabilidade no cenário global. 

As áreas prioritárias definidas na Estratégia Nacional de Defesa, cibernética, nuclear e espacial, requerem investimento, que são insuficientes. A Base Industrial de Defesa se ressente da baixa aquisição de seus produtos pelo governo (diferente do que ocorre em outros países) e da falta de apoio oficial para o financiamento das exportações e de maior estímulo para a pesquisa e desenvolvimento no setor. 

‘O esforço para uma autonomia gradual das Forças Armadas exige um planejamento de longo prazo (10 a 20 anos), que deveria incluir o processo de atualização conceitual das três forças, material e orçamentário’

O esforço para uma autonomia gradual das Forças Armadas exige um planejamento de longo prazo (10 a 20 anos), que deveria incluir o processo de atualização conceitual das três forças, material e orçamentário, com a redução de seu efetivo, com maior mobilidade e aquisição de equipamentos modernos e mais adequados às realidades das novas formas de ameaças internas e externas, com a criação de uma base logística de defesa, subordinado ao ministério da Defesa, como  ocorre em outros países desenvolvidos para racionalizar a aplicação dos investimentos. 

A tensão entre o Brasil e os EUA em função do tarifaço de Trump, pode acarretar medidas restritivas em áreas em que a dependência brasileira do mercado americano afete a segurança nacional. A Defesa pode ser um desses setores, visto que os equipamentos bélicos das Forças Armadas são oriundos na quase totalidade da Otan, sobretudo dos EUA. 

O Brasil deveria levar a sério a defesa nacional, ampliando investimentos e promovendo um debate público sobre os riscos que ameaçam sua soberania e segurança. 

Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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