16 junho 2022

Aceleração da destruição da Floresta Amazônica ameaça povos indígenas

Além dos danos ambientais, estudos mostram que o desmatamento ameaça direitos humanos, em particular os direitos à vida, à integridade física, a uma qualidade de vida razoável e à dignidade das comunidades marginalizadas. O Brasil é um dos casos mais preocupantes nesse sentido e, sob Bolsonaro, multiplicaram-se as redes criminosas que acentuam a destruição na Amazônia

Além dos danos ambientais, estudos mostram que o desmatamento ameaça direitos humanos, em particular os direitos à vida, à integridade física, a uma qualidade de vida razoável e à dignidade das comunidades marginalizadas. O Brasil é um dos casos mais preocupantes nesse sentido e, sob Bolsonaro, multiplicaram-se as redes criminosas que acentuam a destruição na Amazônia

Fogo destrói floresta em Roraima, na Amazônia (Foto: WWF)

Por Félix Bhérer-Magnan*

As florestas do mundo estão diminuindo a cada ano. E o Brasil é o epicentro do fenômeno. De acordo com o World Wide Fund for Nature (WWF), mais de um quarto da Floresta Amazônica estará sem árvores até 2030, se a velocidade com que estão caindo continuar.

Se nada acontecer, estima-se que 40% dessa floresta única no mundo será arrasada até 2050.

Além das consequências materiais e ambientais, esse desmatamento ameaça certos direitos humanos, em particular os direitos à vida, à integridade física, a uma qualidade de vida razoável e à dignidade das comunidades marginalizadas. O Brasil é um dos casos mais preocupantes nesse sentido.

Doutorando em ciência política, meus interesses de pesquisa se concentram em justiça climática, transição energética, economia verde e políticas ambientais internacionais.

Massacre da motosserra

O artigo 25 da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas (2007) afirmou que essas comunidades têm pleno “… direito de manter e fortalecer sua relação distinta com suas terras, territórios, águas e mares costeiros que pertençam a eles ou que tradicionalmente ocupem e usem […]”.

Este artigo não é respeitado pelo Estado brasileiro na Amazônia.

‘Motosserras destruíram quase 13.000 km² de florestas tropicais virgens, tornando as comunidades indígenas ainda mais vulneráveis’

Embora o país tenha se comprometido a reduzir significativamente o desmatamento e limitar o corte raso a 3.925 km², dados da Human Rights Watch, uma organização internacional de direitos humanos, mostram que as motosserras destruíram quase 13.000 km² de florestas tropicais virgens, tornando as comunidades indígenas ainda mais vulneráveis.

A taxa de desmatamento nos territórios onde essas comunidades vivem aumentou 34% entre 2018 e 2019, apesar do compromisso do país em 2009 de reduzi-la em 80%. Isso leva a deslocamentos forçados ao longo de centenas de quilômetros, grandes problemas de saúde e perda de marcos. De acordo com a Human Rights Watch, cerca de 13.235 km² de Floresta Amazônica virgem foram derrubados entre agosto de 2020 e julho de 2021, um aumento de 22% na área desmatada em relação ao mesmo período do ano anterior.

Isso coincide com a ascensão ao poder de Jair Bolsonaro. Apenas para o mês de janeiro de 2022, registra-se a destruição de 430 km² de floresta tropical, uma área cinco vezes maior do que em janeiro de 2021.

Ameaças e assassinatos

Múltiplos abusos foram registrados desde o início da colonização, incluindo a invasão ilegal do Estado brasileiro em territórios oficialmente indígenas. Mas sob o atual presidente Bolsonaro, multiplicaram-se as redes criminosas que acentuam o desmatamento da Amazônia. O crime organizado vê as grandes indústrias madeireiras e agrícolas como oportunidades para movimentar e lavar dinheiro. Ele explora ilegalmente territórios florestais e depois esconde drogas em carregamentos de madeira com destino à Europa ou à Ásia.

‘Sob o atual presidente Bolsonaro, multiplicaram-se as redes criminosas que acentuam o desmatamento da Amazônia’

Especialistas chamam esse fenômeno ilegal de “narcodesmatamento”. Muitos locais ilegais de mineração de ouro e outros minérios também estão ativos na Amazônia, e as empresas que os administram costumam fazer ameaças contra a comunidade indígena Munduruku que vive lá.

Em toda a Amazônia, pessoas e ativistas que resistem a esses cortes são ameaçados, perseguidos e muitas vezes mortos. Em 2019, a ONG Global Witness registrou 24 mortes de defensores do meio ambiente e da terra, quase todas na Amazônia. O Brasil encontra-se assim na terceira posição entre os países mais letais em relação aos defensores do meio ambiente, depois da Colômbia e das Filipinas.

A atualidade vem nos lembrar: Bruno Araujo Pereira, defensor dos direitos ambientais e dos direitos indígenas, e o jornalista britânico Dom Phillips, estão desaparecidos desde 5 de junho na Amazônia em uma região considerada “sem lei”. Eles haviam recebido ameaças de morte pouco antes, segundo a organização local que faz busca por eles. A polícia brasileira esclareceu no domingo que as equipes de busca descobriram seus pertences pessoais e, na segunda-feira, que corpos foram vistos na área de seu desaparecimento. No entanto, eles ainda não foram identificados formalmente.

Além disso, o número de mortes atribuíveis à defesa do meio ambiente e do território pode estar muito subestimado, uma vez que os dados não estão disponíveis e não são transparentes para todos os países.

Mulheres e crianças, as principais vítimas do desmatamento

Um relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) revela que existe uma forte correlação entre o agravamento das mudanças climáticas e a deterioração dos direitos humanos em todo o mundo.

O desmatamento afeta desproporcionalmente as comunidades indígenas, incluindo crianças e mulheres. Aumenta a pressão que já recai em grande parte sobre os ombros das mulheres para alimentar seus filhos e famílias, limitando o acesso a produtos essenciais, incluindo medicamentos.

‘O desmatamento afeta desproporcionalmente as comunidades indígenas, incluindo crianças e mulheres’

Com isso, a sua saúde depende do acesso a medicamentos naturais encontrados na biodiversidade. A Amazônia é um grande reservatório de substâncias utilizadas na fabricação de diversos produtos farmacêuticos disponíveis no continente sul-americano. Ainda hoje, quase 80% da população dos países em desenvolvimento dependem de medicamentos naturais para seus cuidados primários. Na maioria das comunidades, as mulheres também são responsáveis ​​pelo cultivo da terra e pelo transporte e tratamento da água.

As crianças estão igualmente em risco. Por exemplo, um estudo realizado nos países da África Subsaariana mostra uma ligação entre a perda de cobertura florestal e a deterioração das condições de saúde dos mais jovens. A desnutrição, causada pela disponibilidade reduzida de frutas, vegetais e nozes, pode afetar o crescimento das crianças. A exposição de crianças à fumaça de múltiplos incêndios florestais na Amazônia também pode causar problemas respiratórios e patologias ainda mais graves em crianças.

Quanto mais cultivamos, mais árvores cortamos

O desmatamento no Brasil oferece uma amostra do impacto que as mudanças climáticas terão sobre os direitos humanos, tanto na América Latina quanto em outras partes do mundo. Além disso, devido à guerra na Ucrânia, o maior país da América do Sul pretende suprir o déficit de recursos alimentares nos mercados mundiais, como trigo e grãos.

Embora a contribuição do Brasil seja apreciada pelos países mais afetados pela crise alimentar decorrente do conflito na Ucrânia, como Sudão, Paquistão e Haiti, o aumento da produção ameaça acelerar perigosamente o desmatamento e pode-se esperar um aumento das violações de direitos humanos.

Uma coisa é certa, um dos pulmões do nosso planeta está gravemente doente e o tempo está se esgotando.

https://interessenacional.com.br/edicoes-posts/cinquenta-anos-de-diplomacia-ambiental-da-onu-o-que-funcionou-e-as-tendencias-futuras/

*Félix Bhérer-Magnan é doutorando em ciência política na Université Laval


Este texto é uma republicação do site The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original, em francês.


Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

Editor-executivo do portal Interesse Nacional. Jornalista e doutor em Relações Internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Mestre pelo KCL e autor dos livros Brazil’s international status and recognition as an emerging power: inconsistencies and complexities (Palgrave Macmillan), Brazil, um país do presente (Alameda Editorial), O Brazil é um país sério? (Pioneira) e O Brasil voltou? (Pioneira)

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