Ato contra tarifas propõe inaugurar ‘novo 7 de setembro’
Ato na Faculdade de Direito da USP contra as restrições às exportações do Brasil ao EUA reúne mais de 800 pessoas, e mais de 200 entidades nacionais subscrevem carta de protest

Por Luiz Roberto Serrano
“Estamos inaugurando um novo 7 de setembro”, disse o ex-ministro da Justiça José Carlos Dias do púlpito do Salão Nobre da Faculdade de Direito da USP, lotado com uma multidão de mais de 800 pessoas e saudada por uma entusiasmada salva de palmas, durante a sua fala na cerimônia de leitura da Carta em Defesa da Soberania Nacional promovida pela direção da escola nesta sexta-feira, 25 de julho.
A Carta protesta contra a descabida taxa de 50% às exportações do Brasil para os Estados Unidos que o governo de Donald Trump ameaça impor, em função, entre outros inúmeros motivos, do julgamento que o ex-presidente Jair Bolsonaro enfrentará por parte do Supremo Tribunal Federal por acusações de organização criminosa armada, tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito e de golpe de Estado.
O documento que, até sexta-feira, já havia recebido mais de trezentas manifestações de adesão de entidades de classe e associações de todo o país é enfático ao protestar contra a intromissão do presidente dos EUA em questões de soberania brasileira:
“Exigimos o mesmo respeito que dispensamos às demais nações. Repudiamos toda e qualquer forma de intervenção, intimidação ou admoestação, que busquem subordinar nossa liberdade como nação democrática. A nação brasileira jamais abrirá mão de sua soberania, tão arduamente conquistada. Mais do que isso: o Brasil sabe como defender sua soberania […]. Intromissões estranhas à ordem jurídica nacional são inadmissíveis.”
No parágrafo final, a Carta enfatiza:
“Brasileiras e brasileiros, diálogo e negociação são normais nas relações diplomáticas, violência e arbítrio, não! Quando a nação é atacada, devemos deixar nossas eventuais diferenças políticas, para defender nosso maior patrimônio. Sujeitar-se a esta coação externa significaria abrir mão da nossa própria soberania, pressuposto do Estado Democrático de Direito, e renunciar ao nosso projeto de nação. Nossa soberania é inegociável.”
No texto da convocação antecipada do ato na Faculdade de Direito, Celso Campilongo, diretor da Faculdade de Direito, já rememorara as tradições combativas da escola, que o motivaram a realizar o evento:
“Como uma instituição vigilante da defesa do Estado de Direito e formadora do pensamento jurídico do Brasil, a Faculdade de Direito da USP convoca esse ato para fortalecer os pilares democráticos do Brasil diante de ameaças à soberania nacional. Nenhum outro País tem autoridade para interferir no sistema de Justiça nacional. Muito menos, constranger decisões tomadas pelo Judiciário, por contrariar interesses de empresas estrangeiras.”
Ao se manifestar diante da repleta plateia de autoridades, representantes do Judiciário, da sociedade civil, dos movimentos sociais, juízes, promotores, advogados e defensores dos direitos humanos que prestigiaram o ato, Campilongo, foi enfático: “O Brasil somos nós e mais ninguém. É inadmissível assistir interferências externas em questões políticas, ideológicas, de direito internacional”. (Ouça, abaixo, a entrevista que Campilongo e a vice‑diretora da Faculdade, Ana Elisa Bechara, concederam nesta sexta-feira à Rádio USP).
A presidente do Centro Acadêmico XI de Agosto, tradicional agremiação estudantil da Faculdade de Direito, por sua vez, inspirou-se em uma frase do multifacetado sociólogo Darcy Ribeiro, ao falar no evento “Resignar-se ou ser resignada, o Brasil não se resignará nunca”.
O advogado José Carlos Dias, já citado no começo desta reportagem, apontou um caminho: “Não é hora de partidos de situação e oposição divergirem, mas sim de união nacional. Não é possível uma democracia sem soberania”
Nunca é demais lembrar que, no momento, a Faculdade de Direito contabiliza dois ministros nos quadros do Supremo Tribunal Federal saídos dos bancos da escola: Alexandre de Moraes e Dias Toffoli. É, também, a Faculdade de Direito que mais teve ministros ao longo da história do STF: nada menos do que 57 de 169. E não bastasse essa profusão de quadros ocupando as cadeiras da Suprema Corte, vale lembrar que a Faculdade de Direito teve, até hoje, 13 ex-alunos ocupando outra vertente do poder brasileiro, a Presidência da República. Com o peso dessa história, nada mais natural que a escola promovesse um ato de repúdio ao atual e descabido confronto da presidência norte-americana com questões exclusivamente internas do Brasil, especialmente no caso do processo ao ex-presidente Bolsonaro.
A surpreendente atitude do presidente Trump também promoveu uma incomum união entre os três poderes da República, alinhando as duas Casas do Congresso, comandadas pela oposição, ao governo central.
Em uma live, divulgada pelos meios eletrônicos, na presença do vice-presidente Geraldo Alckmin, que vem coordenando as conversas com vários setores do País para debater uma solução para o problema, os presidentes das duas Casas se manifestaram: “O Parlamento brasileiro está unido em torno da defesa dos interesses nacionais. Nós vamos defender a soberania nacional, vamos defender os empregos dos brasileiros, vamos defender os empresários brasileiros que geram riqueza para o Brasil. E tenho convicção também que esse processo tem que ser liderado pelo Poder Executivo”, disparou o presidente do Senado Davi Alcolumbre.
Hugo Motta, presidente da Câmara dos Deputados, não ficou para trás: “Nós estamos aqui prontos para estar na retaguarda do Poder Executivo, para as decisões que forem necessárias, a ação do Parlamento, nós possamos agir com rapidez, com agilidade, para que o Brasil possa sair mais forte dessa crise”.
A crise se arrasta desde que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, assestou um polpudo rol de restrições contra atividades econômicas no Brasil que contrariariam ou prejudicariam os interesses norte-americanos. Vão desde o comércio popular da rua 25 de Março em São Paulo, a utilização do PIX como meio de pagamento, ao comércio de etanol e algodão, às regras de propriedade intelectual, à participação do Brasil nos BRICs e ao, aparentemente principal motivo, neste caso, político, o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e alguns ex-auxiliares, por tentativa de golpe de Estado para impedir a posse de Lula na Presidência da República.
Embora não esteja claro o caminho que levou à decisão de Trump, é amplamente noticiado que o deputado federal Eduardo Bolsonaro erradicou-se nos EUA, com o objetivo de alimentar a Casa Branca, sede do governo daquele país, com queixas e informações sobre o processo a que seu pai está sendo submetido pelo STF aqui no Brasil.
Ao que tudo indica, essa aproximação pesou para que Trump viesse a se pronunciar contra o processo de julgamento de Bolsonaro pelo STF. É considerada importante para a iniciativa de Trump, também, a realização da última reunião do Brics no Brasil: a intenção do grupo de excluir o dólar do intercâmbio comercial entre seus membros desagrada ao mandatário norte-americano.
Apesar de nunca ter tido convivência próxima com Trump quando os dois eram presidentes, Bolsonaro sempre manifestou admiração pelo estilo e pelas iniciativas políticas do presidente norte-americano. Trump era (e é) uma inspiração para Bolsonaro.
O ato realizado na Faculdade de Direito da USP, no Largo de São Francisco, foi a maior manifestação de protesto realizada no País desde que as restrições às exportações brasileiras aos EUA foram determinadas pelo presidente Trump. Até esta sexta-feira, 25 de julho, não havia indícios de que o governo norte-americano poderia abrir negociações em torno de uma eventual modificação do valor das taxas de 50%, apesar de acordos sobre o tema com outros países tenham sido anunciados.
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