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Interesse Nacional
11 abril 2022

Augusto Pestana: Brasil precisa transformar suas vulnerabilidades em oportunidades para o comércio exterior

bilidades em seu comércio exterior. O país ainda é dependente de um número pequeno de parceiros e de produtos que são exportados, o que cria limites e torna o Brasil dependente dessas poucas pontes. Para completar, uma reputação crescentemente negativa no resto do mundo nos últimos anos torna ainda mais difícil a projeção do país e dos seus produtos no exterior.

O presidente da ApexBrasil, Augusto Pestana, durante a abertura do Invest in Brasil Forum (Divulgação/ApexBrasil)

Por Daniel Buarque

Apesar de ter registrado resultados positivos na balança comercial nos últimos anos, o Brasil ainda tem muitas vulnerabilidades em seu comércio exterior. O país ainda é dependente de um número pequeno de parceiros e de produtos que são exportados, o que cria limites e torna o Brasil dependente dessas poucas pontes. Para completar, uma reputação crescentemente negativa no resto do mundo nos últimos anos torna ainda mais difícil a projeção do país e dos seus produtos no exterior.

Segundo Augusto Pestana, presidente da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil), por mais que essas vulnerabilidades sejam reais, o país tem o potencial de transformá-las em oportunidades para um desenvolvimento maior do país e das suas exportações.

Em entrevista à Interesse Nacional, Pestana falou sobre o trabalho de longo prazo desenvolvido pela agência para diversificar o número de parceiros, com foco especialmente na Ásia e no Oriente Médio. Além disso, ele diz que há uma atuação para a multiplicação do número de empresas e produtos do Brasil com presença global – apostando especialmente no comércio eletrônico. Por último, o presidente diz não acreditar que problemas e instabilidades políticas do Brasil possam ter efeitos de longo prazo sobre a imagem do país, e que o desafio vai ser trabalhar para projetar no mundo a ideia de desenvolvimento sustentável da Amazônia ao lado de uma promoção de produtos exclusivamente brasileiros que podem conquistar mercados por sua qualidade e promover a Marca Brasil.

Formado em direito pela Universidade de São Paulo em 1993, Pestana é diplomata desde 1995 e serviu nas Embaixadas do Brasil na Nova Zelândia (ministro-conselheiro), no Japão (ministro, encarregado dos temas políticos e da promoção da imagem do Brasil), na Alemanha (chefe do setor econômico) e no México (estágio profissional). Ele atua na ApexBrasil, desde maio de 2019.

Leia abaixo a entrevista completa

Daniel Buarque – Quais o senhor vê como sendo as principais vulnerabilidades do Brasil no setor externo atualmente?

Augusto Pestana – Nós temos ainda um perfil de comércio exterior que é muito concentrado em alguns poucos produtos. É óbvio que se a gente for analisar numa escala de tempo, em comparação com os últimos cem anos, vamos ver que tivemos um avanço considerável. Cem anos atrás a única coisa que o Brasil exportava era café. Seguimos como um grande exportador de café, mas exportamos vários outros produtos, muitos deles commodities, alguns que não são commodities, mas é óbvio que esse resultado extraordinário que tivemos no ano passado –e foi um resultado extraordinário, não é para a gente desmerecer o que aconteceu em 2021, não só no contexto da pandemia na comparação com 2020, mas também pensando em 2019 e nos anos anteriores, quando tivermos um recorde de exportações, um recorde de superávit comercial e um recorde de fluxo comercial, que chegou a meio trilhão de dólares pela primeira vez na história. Mas é inegável que estamos falando ainda de poucos produtos que respondem por uma parcela expressiva dessas exportações, e muitos deles são commodities, que agregam pouco valor aqui no Brasil. Embora muitos deles surpreendem pelo componente tecnológico, por exemplo o agronegócio, que não é meramente um setor mais simples e sem valor agregado. Mesmo a soja, que vem do nosso cinturão do agronegócio, do Centro-Sul, se deu graças a muita tecnologia. É uma soja que embarca uma componente tecnológico considerável. Mas o fato é que a ideia central de uma agência como a Apex é que a gente amplie o número de produtos dessa pauta, aproveitando os nichos da nossa indústria em que somos competitivos e procuremos desenvolver esses nichos, mas que a gente crie condições para que mais valor seja agregado a esses produtos.

‘É inegável que estamos falando ainda de poucos produtos que respondem por uma parcela expressiva dessas exportações, e muitos deles são commodities, que agregam pouco valor’

Isso tem que ser um projeto do Estado e do setor privado. Ele é um grande projeto nacional. É importante ter em foco a identificação de o que é o interesse nacional e formular alternativas. Isso vem muito dessa parceria entre o público e o privado. E a Apex é um bom exemplo disso, pois nos vemos como uma grande parceria público-privado. E queremos trabalhar para que tenhamos este ganho de competitividade, para explorar nichos em que somos referência e possamos ter uma posição de relevo no mercado internacional, agregar valor a produtos do agro. Uma imagem que eu gosto muito é a ideia que o Brasil é o celeiro do mundo, mas que pode perfeitamente se tornar o supermercado do mundo. Porque sabemos que com alimentos e bebidas a gente exporta algo a mais, que vai além da venda e dos dólares que entram e geram empregos no Brasil, mas também estamos exportando uma ideia de Brasil. E essa questão de imagem é chave para o país.

Um outro ponto fundamental é a questão da diversificação de parceiros. É um objetivo permanente nosso no diálogo com o governo, com o Itamaraty, com o Ministério da Economia, o Ministério da Agricultura e mais ministérios relevantes, bem como nossos parceiros privados, entidades setoriais, empresas, para garantir que a gente consiga uma cesta, para que em momento como o que a gente vive hoje não tenhamos um padrão de dependência por uma única região, ou um único parceiro. mas eu diria que no geral, quando olhamos para os dados e vemos a China como maior parceiro comercial do Brasil, se a gente for pegar outros países de tamanho semelhante ao Brasil, até mesmo aqui na região, vamos ver que nossa dependência não é tão grande assim por um mercado específico.

E algo muito curioso dos números de 2021 é que a China começou uma tendência da sua importância relativa. Ainda tênue, é verdade, e precisamos ver como vai ser no ano de 2022. Mas o ano foi pensado de forma a trabalhar pela diversificação de mercados, o que inclui um aumento das nossas exportações e da participação reativa da Ásia no nosso comércio exterior. A Ásia é o grande motor e centro de dinamismo econômico, mas a Ásia não é só a China. Já vemos uma alta perceptível no comércio com a Índia, que hoje é uma das grandes certezas de crescimento, com milhões de indianos que vão demandar mais alimentos, mais insumos para a construção de casas.

‘A Ásia é o grande motor e centro de dinamismo econômico, mas a Ásia não é só a China’

Daniel Buarque – E a pauta de exportações para a Índia seria semelhante à do Brasil com a China?

Augusto Pestana – Aí é que está a oportunidade que temos. É parecido com o que se pensava 20 anos atrás em relação à China. E talvez tenha faltado esse tipo de visão naquele momento, para ter um perfil mais equilibrado do comércio. No caso da Índia é uma possibilidade e é algo que vamos ter que construir. Isso é um grande desafio do setor exportador brasileiro é que é preciso ir além de apenas oferecer o nosso catálogo de produtos. Nós precisamos entender do que a Índia precisa, quais são os produtos que têm uma demanda, quais os nichos em que vamos ter mais facilidade para entrar. É um país que caminha para ser uma das maiores economias do mundo e que não tem condições de buscar um desenvolvimento autárquico. Eles vão precisar de parceiros externos. E aí temos uma excelente oportunidade. E temos procurado fazer isso aqui na Apex, garantindo que o planejamento de longo prazo do comércio Brasil-Índia daqui a dez anos sejamos grandes exportadores de commodities para a Índia, mas também criar oportunidades para setores da indústria de construção, alimentos, bebidas, por exemplo, identificando nichos adequados, fazendo um trabalho consistente de promoção comercial e conquistando um espaço diferente, que permita termos uma pauta mais diversificada e com maior valor agregado.

Esse objetivo não inclui apenas a Índia, mas também o Oriente Médio, que é outro motor relevante, e o Sudeste Asiático, que é outro espaço de muito dinamismo, onde temos um país como a Indonésia, que já é um dos grandes países do mundo em termos de população e vem crescendo num ritmo grande. São países complexos, que não quero minimizar, e que precisamos aprender a navegar. Tudo isso começa com um bom planejamento, o reconhecimento do papel central da Ásia, mas sem descuidar dos mercados onde já estamos. Aí temos a importância da América Latina, podemos voltar a pensar na África como um potencial mercado para exportações brasileiras, e nos mercados de economias avançadas e mesmo o fato de o Brasil por muito tempo ter sido uma economia mais fechada. Em determinados momento da nossa história o país buscou um desenvolvimento mais autárquico, buscou formas de diversificar sua economia com mecanismos de substituição de importações e acabou se acostumando com uma lógica mais protecionista, mas que isso mudou. Não mudou só meramente por conta do governo atual que tem uma abordagem mais liberal, mas pela construção de um consenso com a sociedade, o Legislativo, e com o setor privado. É fundamental que o setor privado embarque nisso. E essas associações têm sido cuidadosas, têm levado em conta interesses, e depende de um trabalho muito hábil dos nossos negociadores, da indústria brasileira, do agronegócio brasileiro, do setor de serviços, o que pode abrir oportunidades relevantes.

Daniel Buarque – O senhor fala muito da importância do planejamento de longo prazo, do consenso e da política de Estado em parceria com o setor privado, mas o governo atual viveu grandes instabilidades políticas, o que levou a incertezas tanto dentro da própria Apex quanto no Ministério de Relações Exteriores. De que forma isso pode atrapalhar o trabalho de promoção das exportações e como a Apex trabalha hoje para evitar que instabilidades assim atrapalhem o comércio exterior?

Augusto Pestana – É importante deixar claro que de fato houve questões no início, mas que foram rapidamente corrigidas. Desde que vim para cá no início de 2019, os ajustes foram feitos quase de imediato e não houve nenhuma descontinuidade nas grande ações de promoção comercial e atração de investimentos. Muito do êxito da agência vem justamente dessa lógica de ela ser uma grande parceria público-privada. Seus recursos veem do setor privado, da contribuição que abastece o Sebrae, e prestamos conta às empresas brasileiras que bancam nossos recursos. Mas além disso, temos uma lógica de trabalho com as entidades, associações representativas de grandes segmentos da economia brasileira. É um modelo de projetos setoriais que é muito bem sucedido. A agência tem um conselho deliberativo em que o governo está ao lado do setor privado, orientando nossas ações, mas com a participação de outros órgãos do governo e associações privadas. Os recursos que nós investimos nos projetos têm uma contrapartida das respectivas entidades representativas dos setores. E em muitos deles, para cada R$ 1 que a agência coloca, o setor privado coloca mais R$ 1. Isso mostra que o trabalho independe da questão política, de governos, do que está acontecendo neste momento. A agência está muito articulada com grandes setores da economia, com cerca de 50 setores que envolvem indústria, agronegócio, serviços. Nosso trabalho é feito em conjunto com o setor privado. Não somos formuladores de política pública. Não somos um órgão público. Somos um serviço social autônomo e nos vemos como aproximadores das políticas públicas legitimamente determinadas pelo setor público e ao mesmo tempo garantimos que as empresas possam ter seus interesses adequadamente harmonizados com essas diretrizes que veem do governo, e com esse olhar externo, onde o Itamaraty entra também como chave para termos acesso a mercados e possamos identificar barreiras e oportunidades. É fundamental que haja esse entrosamento entre o público e o privado. E é aí que está a perspectiva de longuíssimo prazo da agência.

‘O trabalho independe da questão política, de governos, do que está acontecendo neste momento. A agência está muito articulada com grandes setores da economia’

Um outro ponto muito importante que levamos em consideração ao pensar comércio exterior é que não se trata apenas de diversificar os mercados para onde exportamos, mas também a origem dessas exportações. Ainda há uma concentração muito grande do Centro-Sul, que vem de fatores de competitividade. Mas tem sido gratificante ver que nossos programas de qualificação nos fazem presentes em um número crescente de cidades e regiões, o que gera oportunidades concretas para o Centro-Oeste, para o Nordeste e para o Norte, que talvez seja um dos grandes desafios, pois poderemos finalmente ver a Amazônia como um ativo do Brasil e não como um passivo. Nosso desafio é mostrar que é possível ter o desenvolvimento sustentável e equilibrado para a Amazônia. E o eixo transversal de qualificação com que trabalhamos é extremamente importante para isso. Ele ajuda a criar raízes e permite aumentar o número de empresas capazes de exportar. hoje ainda temos um número relativamente pequeno de empresas exportadoras no Brasil, e temos certeza de que podemos ampliar este número, com uma oportunidade de ouro nos mercados externos. E assim o Brasil vai ser cada vez mais internacionalizado.

Daniel Buarque – O que precisa acontecer para que esse passo seja dado?

Augusto Pestana – Precisamos dar continuidade a esse trabalho. Isso é uma visão que vem desde o começo da história da Apex. E acreditamos que o aumento vai ocorrer. E há influências externas também, como a onda do comércio eletrônico, que foi objeto de grandes medidas na Apex há bastante tempo. Estamos aumentando a parceria com market places internacionais, que permite que produtos importados sejam comprados direto no Brasil, e serem entregues já com todas as taxas pagas, permitindo que os brasileiros comprem coisas do mundo inteiro. E isso pode valer para nossos empresários, que permite que eles tenham acesso a um mercado verdadeiramente global. Em alguns setores isso pode ser complicado como no de alimentos e do agronegócio. Há limitações de natureza sanitária e de transportes. Mas há uma série de produtos que não encontram essas mesmas barreiras, e os microempresários brasileiros podem colocar seus produtos em grandes market places internacionais e começar a exportar para o mundo inteiro. Isso acontece muito com roupas, por exemplo. E a Apex tem oferecido mentorias e apoios de especialização deste tipo. Queremos qualificar um número crescente de empresários do Brasil para terem acesso a este mercado, e alguém do interior de Pernambuco vai poder vender diretamente para um consumidor da Austrália, por exemplo. Isso é revolucionário. E a pandemia de certa forma acelerou isso.

Daniel Buarque – Eu comecei a conversa falando sobre vulnerabilidades do comércio exterior brasileiro, depois perguntei sobre as instabilidades políticas e como elas afetam essas relações comerciais, mas gostaria de entender também a importância da questão da imagem externa do país. É evidente que desde meados da década passada o Brasil vive uma piora da sua reputação, o que se tornou ainda mais problemático desde a eleição de Jair Bolsonaro para a presidência. Até que ponto isso também pode ser visto como uma vulnerabilidade para o comércio do Brasil com o resto do mundo?

Augusto Pestana – Infelizmente há uma componente de vulnerabilidade nisso. Mas o que queremos é que a imagem na verdade se permita ser o diferencial do Brasil, especialmente quando pensamos hoje no setor de alimentos e de bebidas. A marca Brasil precisa fazer com que as pessoas comprem os produtos brasileiros.

Os problemas de imagem do Brasil são muito antigos. Em um livro do Richard Burton, que foi cônsul do Reino Unido em Santos e viajou por todo o Brasil, ele cita um outro livro do naturalista suíço-americano [Louis] Agassiz, dizendo que os brasileiros têm um problema sério de imagem, eles se promovem muito mal e tem muitas distorções, com estrangeiros que viajam ao país, conhecem a sua realidade, mas não conseguem desfazer essas distorções, e que recentemente o país estava fazendo um trabalho mais consistente nas exposições universais. E falava da exposição de 1867 como um exemplo de que o Brasil tinha começado a se promover. Então vê-se que é um problema de mais de dois séculos. E o próprio Rio Branco trabalhou muito para promover e divulgar o Brasil –óbvio que o Brasil dele era diferente, menor e com muitos problemas amis graves e sérios. Sempre houve essa tradição da diplomacia brasileira, além de uma crença no nosso futuro e uma busca consistente por tentar gerar oportunidades, sabendo que a imagem era uma questão-chave. São, portanto, questões muito antigas. E algumas das distorções da imagem do país veem de séculos.

No caso atual, um dos dois pontos mais marcantes de uma vulnerabilidade do Brasil, na medida em que é cada vez mais associado de forma negativa em relação ao Brasil, é a questão ambiental. E isso é algo bastante injusto, e que tem motivações por trás delas. É preciso saber que o Brasil ajudou a plasmar o conceito de desenvolvimento sustentável no grande regime multilateral. Precisamos falar de meio ambiente em conjunto com o social e o econômico. O equilíbrio é fundamental. E hoje está na moda falar em ESG, que na verdade é nada mais nada menos do que o desenvolvimento sustentável. não adianta nada ignorar a existência de 30 milhões de pessoas que moram na Amazônia, fechar tudo e transformar em uma grande reserva. Isso é até contraditório, pois se não se dá oportunidade de vida para essas pessoas, os problemas ambientais vão ser ainda mais sérios. E o Brasil tem alguns exemplos bons a mostrar. Temos nossa matriz energética, o biocombustível, que é algo que efetivamente contribui para a vida no país, especialmente nas grandes cidades. Então há distorções. Precisamos estar atentos ao que se diz lá fora, e realmente aparenta haver uma piora dessa percepção. Há problemas, sim, mas há uma série de soluções que precisam ser apresentadas. Isso diz respeito até mesmo ao agronegócio. E a agência tem programas históricos de promoção da imagem do agronegócio. A Apex sabe da importância de reduzir essa vulnerabilidade, especialmente em relação à questão ambiental, e da imagem de que o Brasil está em processo de destruição da Amazônia. E sabermos que a melhor forma de manter a preservação ambiental impressionante que foi feita até hoje…

Daniel Buarque – Pelo que o senhor descreve, parece haver uma desconexão entre o tempo da promoção do comércio exterior, da política externa, da diplomacia, e o tempo da comunicação. No caso, a imagem negativa do Brasil que se vê hoje é fruto de algo ligado ao momento atual, enquanto o olhar da promoção da Apex não vê só o último noticiário e pensa no longo prazo…

Augusto Pestana – É exatamente isso. O salto para o Brasil é inverter essa lógica. Precisamos transformar as vulnerabilidades em potenciais positivos. Se existe uma preocupação tão grande do resto do mundo com a Amazônia, queremos mostrar que temos produtos dessa região que oferecem uma garantia de que a Amazônia vai ser preservada. Alguns produtos se popularizaram por seus próprios meios. Veja o caso dão açaí, que é um fenômeno global. Ele é essencialmente um produto brasileiro que ainda é muito exportado como commodity, mas que ele mantém a floresta. Para ter açaí, é preciso manter a floresta. Assim como o açaí, há uma série de produtos de extrativismo ligados ao agronegócio que permitem uma utilização da Amazônia como um ativo da nossa imagem. Mas é fundamental deixar claro para nossos consumidores e a opinião pulica internacional é que embora a Amazônia seja muito importante, e seja elemento chave dessa vulnerabilidade, ela não é o Brasil todo. O Brasil é um país muito maior, com realidades distintas. Recentemente fui a Petrolina, por exemplo, onde há uma grande produção de frutas para exportação. Temos vários casos assim por todo o Brasil, onde há uma dimensão social. E o grande ponto da nossa imagem é mostrar que o produto brasileiro tem um potencial positivo. Eu vivi no Japão, onde tudo é etiquetado, e há uma obsessão pela qualidade dos produtos. Para eles, quando pensam em moda de praia, o país em que eles pensam é o Brasil. A música que se ouve em Tóquio é dominada pela bossa nova. O café também é parte disso. Existe uma ideia de país no Japão que está associada a uma sociedade alegre, que sabe comer bem… Quando saí de Tóquio em 2017 havia 400 churrascarias ligadas à ideia do Brasil. E olha que não exportamos carne bovina para o Japão. Então eles estão comprando o conceito brasileiro, uma ideia do país. Temos, portanto, alguns avanços importantes. E o consumidor pode optar por um produto brasileiro ao ver nele um diferencial positivo. E isso ajuda a criar um círculo vicioso da imagem do país.

‘Precisamos transformar as vulnerabilidades em potenciais positivos. Se existe uma preocupação tão grande do resto do mundo com a Amazônia, queremos mostrar que temos produtos dessa região que oferecem uma garantia de que a Amazônia vai ser preservada’

Daniel Buarque – E como é possível separar isso da política? Com a invasão da Ucrânia, por exemplo, vê-se uma reação global contra o país e seus produtos, e já houve até manifestações de boicote à vodca e outros produtos russos. Claro que o Brasil não está nesse nível, mas existe uma imagem muito negativa da política brasileira no resto do mundo, e não só por causa da Amazônia. Isso é levado em consideração também?

Augusto Pestana – Esse caso da Rússia é uma reação sanguínea que não deve se revelar numa grande tendência. Depois do 11 de Setembro os Estados Unidos tentaram rebatizar as batatas fritas de french fries para freedom fries, o que não durou muito tempo. As pessoas não levam isso em consideração. Quando as pessoas olharem para o Brasil, elas não vão olhar quem está no governo, quem são os ministros, elas vão pensar no conjunto do povo e da sociedade. Elas vão continuar a ver a gente como um povo feliz, de bem com a vida, otimistas. Isso pode ser uma visão estereotipada, é verdade, mas convenhamos que não é uma imagem negativa. As pessoas não olham para a política, e a tradução do produto numa questão econômica vai vir do povo, e não de um governo eventual.

‘Quando as pessoas olharem para o Brasil, elas não vão olhar quem está no governo, quem são os ministros, elas vão pensar no conjunto do povo e da sociedade’

O que há de risco embutido aí é a questão da Amazônia, que se associa à imagem do Brasil. Por desinformação, as pessoas acham que o país é todo da floresta. E é algo que o Brasil precisa resolver melhor em sua projeção internacional. Isso não vai ser resolvido com rapidez, e que precisa de um trabalho consistente e por décadas. Mas que é fundamental para evitar que as pessoas pensem em destruição da Amazônia quando pensarem no Brasil. Acho muito difícil que isso aconteça porque acredito no pragmatismo dos atores econômicos brasileiros, e que por questões óbvias a Amazônia é parte de um sistema hidrológico extremamente relevante, que pode vir a nos afetar e causar prejuízo considerável no longo prazo. E isso não é só uma questão de imagem, é uma questão de realidade.

A história do Brasil tem muitas oscilações, e às vezes isso chega lá fora e marca a imagem com a percepção que vai de um lado ao outro. A percepção extremamente positiva que havia no início deste século sobre o Brasil era inflado pelo lado errado. Era um exagero. Havia uma visão quase romântica do que estava acontecendo. E as pessoas no exterior tendem a pensar que ou estamos fazendo tudo certo ou estamos fazendo tudo errado, e acho que não é bem assim. Tem nuances, matizes. E é muito importante a gente olhar em profundidade para o país e ajudar o mundo a entender o Brasil. Estamos em um processo permanente me melhoria, de aprimoramento crescente. Precisamos ver esta evolução de pelo menos cem anos, e que nos dá motivo para otimismo, pois os fundamentos do Brasil foram essencialmente os mesmos, de ser um país grande, com uma grande população, com dinamismo e muito espaço para aproveitar, e que podemos pensar com otimismo no futuro.

Editor-executivo do portal Interesse Nacional. Jornalista e doutor em Relações Internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Mestre pelo KCL e autor dos livros Brazil’s international status and recognition as an emerging power: inconsistencies and complexities (Palgrave Macmillan), Brazil, um país do presente (Alameda Editorial), O Brazil é um país sério? (Pioneira) e O Brasil voltou? (Pioneira)

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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