05 junho 2025

Brasil precisa atuar como alavanca de financiamento climático para o Sul Global

A crise climática, que ameaça o desenvolvimento econômico e social em todo o mundo, gera urgência de ação por parte de todos, principalmente, dos líderes cujas decisões influenciam o nível e trajetória do volume das emissões de gases de efeito estufa (GEE) globalmente

Obras do Parque da Cidade, espaço que sediará a programação da COP30, no Parque da Cidade. Foto: Ricardo Stuckert/PR

Por Maria Netto, Lucca Rizzo, e Vic de Castro*

O Brasil passa por um momento histórico ao sediar, no espaço de apenas dois anos, as presidências rotativas do G20, do BRICS+ e da COP30. Cada um desses blocos tem o poder de avançar em pautas de interesse planetário como o combate às mudanças climáticas e mecanismos de cooperação econômica.

A crise climática, que ameaça o desenvolvimento econômico e social em todo o mundo, gera urgência de ação por parte de todos, principalmente, dos líderes cujas decisões influenciam o nível e trajetória do volume das emissões de gases de efeito estufa (GEE) globalmente.

Uma década após a assinatura do Acordo de Paris e da Agenda 2030, o mundo enfrenta temperaturas recordes de aquecimento, com dias que já excedem 1.5ºC acima dos níveis pré-industriais, e a rota de emissões de CO2 segue aumentando.

Muitas formas de mitigação e adaptação às mudanças climáticas são conhecidas e escaláveis, mas a implementação dessas soluções ocorre num ritmo muito lento, e parte do motivo é a falta de financiamento.

Financiamento ainda aquém das necessidades

Apesar de os países terem chegado a um acordo sobre a nova meta coletiva de financiamento climático (NCQG, na sigla em inglês) ano passado, durante a COP29, no Azerbaijão, ampliando de US$ 100 bilhões para US$ 300 bilhões anuais, esse volume ainda é considerado muito aquém das reais necessidades. Por esse motivo, o acordo foi amplamente criticado por países em desenvolvimento.

A COP30, em Belém, poderá apresentar uma última saída para esse impasse, com o mandato que foi negociado momentos antes do fim do acordo climático do Azerbaijão. Junto com a Presidência da COP29, a Presidência da COP30 terá de apresentar até novembro deste ano um roteiro de ações concretas para que o volume de financiamento climático para países em desenvolvimento alcance a cifra de US$ 1.3 trilhão anuais por ano até 2035. Ou seja, a proposta do Brasil terá que ser capaz de multiplicar em pouco mais de quatro vezes os números de financiamento que estão sobre a mesa de negociações atualmente.

O tamanho do desafio traz oportunidades igualmente altas para a liderança brasileira à frente das questões climáticas no cenário internacional. As presidências brasileiras da COP30 e do BRICS criam uma oportunidade única para a construção de consensos entre países desenvolvidos e em desenvolvimento.

O espírito do mutirão, convocado nas cartas do embaixador André Corrêa do Lago, o presidente da COP 30, é uma boa metáfora que alude à necessidade de congregar os diferentes atores públicos, privados e do terceiro setor, internacionais e domésticos, para solucionar a complexidade das mudanças climáticas.

Círculo de Ministro de Finanças

Nesse sentido, a Presidência da COP 30 convidou o Ministério da Fazenda do Brasil a criar um grupo com mais de 30 ministros de finanças de países em diferentes estágios de desenvolvimento, com o objetivo de recomendar as ações necessárias para a entrega da nova meta de financiamento climático.

Até agosto, o Círculo de Ministros de Finanças estudará como Bancos Multilaterais de Desenvolvimento, Fundos Climáticos Multilaterais, setor privado e reguladores financeiros podem ser engrenagens mais eficientes para o fluxo de recursos aos países em desenvolvimento, inclusive o incentivando.

Em paralelo, pela primeira vez na história dos BRICS, o tema das mudanças climáticas foi estabelecido como uma das seis prioridades de pauta ao estabelecer a meta de construir um consenso entre os líderes do grupo sobre financiamento climático. A relevância da proposta é de orientar a mobilização deste que é um dos blocos de países que mais emite GEE na atualidade e a de estimular uma coesão do posicionamento do Sul Global no tema de financiamento climático.

Ainda que seja fundamental o aceno político-diplomático, o campo do engajamento de atores não estatais também tem que ser considerado uma prioridade, uma vez que a quantidade de recursos públicos não é suficiente para atender aos desafios de financiamento.

COP 30 precisa ressaltar potencial da bioeconomia

Em um momento em que parcela do setor privado empresarial se alinha com lideranças políticas negacionistas em relação aos efeitos das mudanças climáticas, a COP 30 deve ser utilizada como um chamado para ressaltar o potencial da bioeconomia em escala mundial e das oportunidades de negócios em áreas de descarbonização da indústria e transição energética.

No campo financeiro, esse chamado para a implementação tem que servir para a criação de uma espécie de princípio “Belém+10” para a mobilização de recursos privados. O roteiro de financiamento climático da COP30 deve incentivar bancos internacionais, gestoras, seguradoras e investidores institucionais a direcionar os seus investimentos para projetos em países em desenvolvimento que estejam alinhados com as prioridades climáticas, taxonomias e planos de descarbonização desses países.

A sociedade civil desempenha um papel significativo para exigir maior ambição e implementação desses compromissos, e o Fórum de Finanças Climáticas e da Natureza, realizado recentemente no Rio de Janeiro, é um exemplo dessa força. O evento reuniu mais de 1.500 participantes, incluindo lideranças climáticas, indígenas e comunitárias, e emitiu uma mensagem clara de que clima, natureza e desenvolvimento são temas indissociáveis e que ampliar o financiamento climático é uma forma de garantir crescimento econômico, geração de empregos e redução de desigualdades.

Ter o Brasil na presidência de três dos principais fóruns internacionais é um momento tão único quanto temporário, e o país tem que aproveitar essa oportunidade para criar um arcabouço perene de soluções para o financiamento climático.

Articular agendas convergentes nas diferentes óticas, seja Norte-Sul, Sul-Sul ou público-privado, é a única forma de pavimentar esse roteiro e atuar como alavanca de mobilização de recursos para conter os efeitos da crise climática.

Além de estimular um novo modelo de desenvolvimento global que seja compatível com o planeta, essa abordagem pode trazer enormes dividendos econômicos, sociais e diplomáticos para o país.


Maria Netto, Diretora executiva, Instituto Clima e Sociedade (iCS); Lucca Rizzo, Especialista em Finanças Climáticas, Instituto Clima e Sociedade (iCS) e Vic de Castro, Especialista em finanças climáticas e COP30, Instituto Clima e Sociedade (iCS)

This article is republished from The Conversation under a Creative Commons license. Read the original article.

Este texto é uma republicação do site The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original em https://theconversation.com/br

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