Cinquenta anos de diplomacia ambiental da ONU: o que funcionou e as tendências futuras
A Conferência de Estocolmo, realizada em junho de 1972, foi um ponto de virada na forma como o mundo pensava sobre o mundo natural e os recursos que todas as nações compartilham, como o ar; ao completar cinco décadas, mundo tem uma importante oportunidade para pensar sobre os direitos e responsabilidades de desenvolvimento para o futuro, usando a diplomacia ambiental hoje para preservar e regenerar a Terra
A Conferência de Estocolmo, realizada em junho de 1972, foi um ponto de virada na forma como o mundo pensava sobre o mundo natural e os recursos que todas as nações compartilham, como o ar; ao completar cinco décadas, mundo tem uma importante oportunidade para pensar sobre os direitos e responsabilidades de desenvolvimento para o futuro, usando a diplomacia ambiental hoje para preservar e regenerar a Terra
Por Mihaela Papa*
Em 1972, chuva ácida estava destruindo árvores. Aves estavam morrendo de envenenamento por DDT, e os países enfrentavam derramamentos de óleo, contaminação por testes de armas nucleares e os danos ambientais da Guerra do Vietnã. A poluição do ar atravessava fronteiras e prejudicava os países vizinhos.
A pedido da Suécia, as Nações Unidas reuniram representantes de países de todo o mundo para encontrar soluções. Essa cúpula –a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, realizada em Estocolmo há 50 anos, de 5 a 16 de junho de 1972– marcou o primeiro esforço global para tratar o meio ambiente como uma questão política mundial e definir os princípios fundamentais para sua gestão.
A Conferência de Estocolmo foi um ponto de virada na forma como os países pensavam sobre o mundo natural e os recursos que todas as nações compartilham, como o ar.
Isso levou à criação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) para monitorar o estado do meio ambiente e coordenar as respostas aos principais problemas ambientais. Também levantou questões que continuam a desafiar as negociações internacionais até hoje, como quem é responsável por limpar os danos ambientais e quanto se espera que países mais pobres façam.
No 50º aniversário da Conferência de Estocolmo, vejamos onde chegou meio século de diplomacia ambiental e quais as questões emergentes para as próximas décadas.
A Conferência de Estocolmo, 1972
Do ponto de vista da diplomacia, a Conferência de Estocolmo foi uma grande conquista.
Ela ultrapassou os limites de um sistema da ONU que se baseava no conceito de soberania do Estado e enfatizou a importância da ação conjunta para o bem comum. A conferência reuniu representantes de 113 países, bem como de agências da ONU, e criou uma tradição de incluir atores não estatais, como grupos de defesa do meio ambiente. Produziu uma declaração que incluía princípios para orientar a gestão ambiental global no futuro.
A declaração reconhecia explicitamente o “direito soberano dos Estados de explorar seus próprios recursos de acordo com suas próprias políticas ambientais, e a responsabilidade de assegurar que as atividades sob sua jurisdição ou controle não causem danos ao meio ambiente de outros Estados ou de áreas além dos limites de sua jurisdição nacional”. Um plano de ação fortaleceu o papel da ONU na proteção do meio ambiente e estabeleceu o PNUMA como autoridade global para o meio ambiente.
A Conferência de Estocolmo também colocou a desigualdade global no centro das atenções. A primeira-ministra indiana Indira Gandhi questionou a urgência de priorizar a proteção ambiental quando tantas pessoas viviam na pobreza. Outros países em desenvolvimento compartilharam as preocupações da Índia: esse novo movimento ambientalista impediria que pessoas empobrecidas usassem o meio ambiente e reforçaria sua privação? E os países ricos que contribuíram para o dano ambiental forneceriam financiamento e assistência técnica?
A Cúpula da Terra, 1992
Vinte anos depois, a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992 – a Cúpula da Terra – no Rio de Janeiro forneceu uma resposta. Abraçou o desenvolvimento sustentável –desenvolvimento que atende às necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de atender às suas próprias necessidades. Isso abriu o caminho para o consenso político de várias maneiras.
Primeiro, as mudanças climáticas estavam deixando claro que as atividades humanas podem alterar permanentemente o planeta, então as apostas eram altas para todos. O imperativo era estabelecer uma nova parceria global mobilizando Estados, setores-chave das sociedades e pessoas para proteger e restaurar a saúde dos ecossistemas da Terra.
Em segundo lugar, o desenvolvimento econômico, a proteção ambiental e o desenvolvimento social foram tratados como interdependentes.
Finalmente, embora se esperasse que todos os países buscassem o desenvolvimento sustentável, reconheceu-se que os países desenvolvidos tinham mais capacidade para fazê-lo e que suas sociedades pressionavam mais o meio ambiente.
A Cúpula da Terra produziu a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, lançando as bases para negociações climáticas que continuam até hoje; a Convenção sobre Diversidade Biológica; Princípios Florestais não vinculativos; e um plano de ação abrangente para a transição para a sustentabilidade.
Progresso, mas grandes desafios pela frente
A crescente conscientização sobre os desafios ambientais nos últimos 50 anos levou à disseminação de agências ambientais nacionais e ao crescimento da lei ambiental global.
O mundo se uniu para impedir a destruição da camada de ozônio, eliminar gradualmente a gasolina com chumbo e conter os poluentes da queima de combustíveis fósseis que criam a chuva ácida. Em 2015, os países membros da ONU adotaram 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável com metas mensuráveis e assinaram o Acordo de Paris. Os países em 2022 se comprometeram a desenvolver um tratado para reduzir a poluição por plásticos. As mudanças climáticas e o uso sustentável de recursos também se tornaram prioridades na formulação de políticas externas, organizações internacionais e salas de reuniões corporativas.
Embora a diplomacia ambiental tenha demonstrado que o progresso é possível, os desafios que o mundo ainda enfrenta são imensos.
As concentrações de gases de efeito estufa ainda estão aumentando, e o aumento das temperaturas está alimentando incêndios florestais devastadores, ondas de calor e outros desastres. Mais de um milhão de espécies de plantas e animais estão ameaçadas de extinção, levando potencialmente à pior perda de vidas no planeta desde a época dos dinossauros. E 99% da população global respira ar que excede as diretrizes da Organização Mundial da Saúde para poluentes.
Os próximos 50 anos: tendências a serem observadas
À medida que a diplomacia ambiental caminha para seus próximos 50 anos, as mudanças climáticas, a biodiversidade e os efeitos sobre a saúde humana estão no topo da agenda. Aqui estão algumas tendências mais recentes que também merecem atenção.
A ideia de uma economia circular está ganhando interesse. As pessoas produzem, consomem e jogam fora bilhões de toneladas de materiais todos os anos, enquanto reciclam ou reutilizam apenas uma pequena porcentagem. Esforços contínuos para criar uma economia mais circular, que elimine o desperdício e mantenha os materiais em uso, podem ajudar a mitigar as mudanças climáticas e restaurar os sistemas naturais.
A defesa dos direitos da natureza e dos direitos dos animais está se tornando mais proeminente na diplomacia ambiental.
O espaço é outro tema, à medida que se torna cada vez mais um domínio de exploração humana, e ambições de assentamento com o crescimento das viagens espaciais privadas. O lixo espacial está se acumulando e ameaçando o espaço orbital da Terra, e a exploração de Marte levanta novas questões sobre a proteção dos ecossistemas espaciais.
O 50º aniversário da Conferência de Estocolmo é uma importante oportunidade para pensar sobre os direitos e responsabilidades de desenvolvimento para o futuro, usando a diplomacia ambiental hoje para preservar e regenerar a Terra.
*Mihaela Papa é professora de desenvolvimento sustentável e governança global na Fletcher School, Tufts University.
Este texto é uma republicação do site The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original, em inglês.
Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional
Editor-executivo do portal Interesse Nacional. Jornalista e doutor em Relações Internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Mestre pelo KCL e autor dos livros Brazil’s international status and recognition as an emerging power: inconsistencies and complexities (Palgrave Macmillan), Brazil, um país do presente (Alameda Editorial), O Brazil é um país sério? (Pioneira) e O Brasil voltou? (Pioneira)
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