Com imagem desgastada, Brasil vai à Cúpula das Américas para tentar avançar agendas regional e global
Para Renata Amaral, os EUA precisavam da presença do Brasil na reunião, e o país pode se aproveitar do encontro para melhorar as relações bilaterais e evitar criar problemas econômicos com parceiros importantes em meio à polarização entre Ocidente, Rússia e China
Para Renata Amaral, os EUA precisavam da presença do Brasil na reunião, e o país pode se aproveitar do encontro para melhorar as relações bilaterais e evitar criar problemas econômicos com parceiros importantes em meio à polarização entre Ocidente, Rússia e China
Por Daniel Buarque
O encontro entre os presidentes Jair Bolsonaro e Joe Biden, marcado para esta semana durante a Cúpula das Américas, em Los Angeles, pode ser uma oportunidade para tentar melhorar as relações entre o Brasil e os Estados Unidos. Trata-se de um passo importante no projeto brasileiro de manter relações amistosas (especialmente do ponto de vista comercial) em meio à crescente polarização global entre o Ocidente e a parceria entre Rússia e China, exacerbada pela guerra na Ucrânia.
“Para o Brasil, que está com a imagem muito desgastada nos EUA e em muitos outros parceiros políticos econômicos relevantes, o encontro pode gerar frutos positivos com foco no encaminhamento de agendas conjuntas”, avaliou Renata Amaral, doutora em direito pela Universidade de Maastricht (Holanda), em entrevista à Interesse Nacional.
Para ela, que está em Los Angeles para acompanhar a Cúpula, apesar de ter manobrado para conseguir um encontro bilateral com Biden, não faz sentido dizer que Bolsonaro chega fortalecido à Cúpula. A importância do Brasil na reunião regional se dá por ela focar temas que o país tem papel de liderança, como sustentabilidade, saúde, resposta à pandemia e segurança alimentar.
Amaral é advogada especializada em comércio internacional, com atuação na Organização Mundial do Comércio. Além disso, é professora na American University Washington College of Law. Na entrevista, ela falou ainda sobre o pessimismo global com a economia e as oportunidades que o Brasil pode aproveitar para deixar de lado suas vulnerabilidades e “se tornar uma superpotência energética, vender mais alimentos para o mundo e, de quebra, utilizar sua agricultura como parte da solução para a crise climática global.”
Leia a entrevista completa abaixo
Daniel Buarque – O presidente brasileiro ameaçou não ir à Cúpula das Américas e conseguiu manobrar para conseguir reuniões bilaterais com Joe Biden. Acha que o país chega fortalecido ao encontro? O que o Brasil pode conseguir de vantagens a partir de uma possível aproximação com os Estados Unidos nesse momento tenso da política global?
Renata Amaral – Não acredito que o Brasil chegue necessariamente fortalecido, mas os Estados Unidos precisavam da presença do Brasil na Cúpula, e por isso fizeram um esforço de convencimento para que o presidente Bolsonaro estivesse presente em Los Angeles.
Sem dúvida o encontro dos dois presidentes, que deve acontecer no dia 9, é um momento muito aguardado, sobretudo pela diplomacia brasileira. O presidente Bolsonaro é visto aqui nos EUA como um aliado declarado do ex-presidente [Donald] Trump, e não fez questão da aproximação com a atual administração norte-americana.
A Cúpula das Américas neste ano foca em temas que o Brasil tem, by default, um papel de liderança como sustentabilidade, saúde, resposta à pandemia, (in)segurança alimentar. Uma declaração conjunta acertada entre os dois presidentes pode ser muito produtiva para a região e fortalecer compromissos regionais. Para o Brasil, que está com a imagem muito desgastada nos EUA e em muitos outros parceiros políticos econômicos relevantes, o encontro pode gerar frutos positivos com foco no encaminhamento de agendas conjuntas.
Daniel Buarque – O Brasil evitou condenar a Rússia pela invasão da Ucrânia, e tem tentado manter boas relações com o país (de quem compra fertilizantes), bem como com a China (aliada da Rússia) e com o Ocidente, que tem pressionado o governo brasileiro por uma postura mais dura em relação à Guerra. O que acha deste posicionamento do Brasil? Essa postura pode ter alguma influência sobre o comércio exterior do país? É possível continuar com uma posição neutra em uma crescente tensão global?
Renata Amaral – A questão dos fertilizantes é um tema de importância concreta para o agronegócio brasileiro. E a crise em relação ao produto já havia começado no pré-guerra, quando o Brasil já buscava alternativas. Com a guerra, a crise recrudesceu, e todos os países importadores foram buscar alternativas para o abastecimento de fertilizantes, como o Canadá. Consequentemente, os preços subiram. De acordo com o setor, os fertilizantes estão chegando no Brasil, ainda que por rotas alternativas. O preço subiu e o efeito é sentido em toda cadeia de produção.
A verdade é que entre Rússia, China e EUA, o ideal (economicamente) seria o Brasil manter relações amistosas para evitar disrupções ainda mais sérias nas cadeias de produção. Politicamente e diplomaticamente, a não condenação da Rússia pelo Brasil isola o país ainda mais no cenário global.
O conflito iniciado pela Rússia pôs em destaque a polarização crescente entre EUA e China, ambos parceiros comerciais extremamente relevantes para o Brasil. O ideal é manter relações com as duas potências, mas navegar nessas águas nos próximos anos de profundas mudanças geopolíticas no poder global exigirá habilidade e competência da diplomacia e da Presidência brasileiras.
Daniel Buarque – O Fórum Econômico Mundial ocorreu no mês passado com um clima tenso sobre os efeitos da guerra na Ucrânia e a continuação da pandemia, especialmente na China. Em meio ao Fórum de Davos, o chefe do Banco Mundial David Malpass alertou que a invasão da Ucrânia e a inflação de alimentos, energia e fertilizantes podem levar a uma recessão global. Como vê a situação atual da economia mundial? Há espaço para alguma forma de otimismo, ou vivemos tempos realmente problemáticos?
Renata Amaral – O Fórum deste ano teve realmente um tom e um desfecho mais negativo do que em anos anteriores. Já vínhamos de um cenário complicadíssimo na economia global em resposta à crise da Covid-19, e a guerra tem piorado o cenário a passos largos. A disparada nos preços dos combustíveis e dos alimentos tem levado a uma onda inflacionária no planeta inteiro, e a previsão é que as economias desacelerem ainda mais. O cenário é realmente problemático, e para além dos riscos econômicos há um problema humanitário (mais um) claro no horizonte: a fome. Insegurança alimentar é realmente um tema para o qual o mundo precisa olhar e se preparar. O momento não é bom, mas reforça a minha crença de que para problemas desta grandeza precisamos de cooperação internacional e soluções multilaterais. Nenhum país sairá sozinho desta crise global enorme.
Daniel Buarque – A situação de aumento da inflação e risco de recessão global gera riscos para economias emergentes, como o Brasil, que já vê inflação crescente. Como fica a situação do Brasil nesse contexto global?
Renata Amaral – O Brasil é um dos países que, de fato, têm ferramentas para transformar essa tristeza da atual crise global em oportunidade para se tornar uma superpotência energética, vender mais alimentos para o mundo e, de quebra, utilizar sua agricultura como parte da solução para a crise climática global. As ferramentas estão aí, o Brasil tem tudo para ter liderança na agenda de ESG global e ser um ator relevante para a crise econômica e humanitária que deve se estender pelos próximos meses/anos.
Daniel Buarque – Apesar da pressão externa, sabemos que o Brasil também tem problemas internos que pressionam a economia. O que acha que deveria ser feito para tentar reduzir as vulnerabilidades da economia brasileira?
Renata Amaral – Apesar de trabalhar sempre com temas econômicos, não sou economista, então vou arriscar na resposta. Sempre tive o olhar para o cenário global e a partir desta perspectiva entendo que política e economia não devem andar separadas. Desde janeiro de 2019 moro em Washington, DC., e uma das questões claras para mim assistindo aos movimentos do Brasil a partir daqui é que a deterioração crescente da imagem do país no exterior é também um fator de vulnerabilidade para a nossa economia. O risco Brasil está alto, investidores sentem insegurança de investir num país com uma administração que demonstra desprezo pela democracia e que está isolado no cenário global. Esse talvez seria o lado externo do problema que é responsabilidade do governo.
Além disso, a pandemia e as restrições por ela causadas na atividade econômica no Brasil e no mundo resultaram em uma queda abrupta na demanda externa e interna, limitações de oferta, e incertezas para a estrutura de política macroeconômica, especialmente na área fiscal. Desde o início, o atual governo montou uma equipe econômica muito competente, com servidores de carreira e indicações políticas para as lideranças. No entanto, todas as iniciativas positivas – por exemplo, o Brasil foi um dos primeiros países a zerar a alíquota do imposto de importação para produtos essenciais ao combate da Covid – são diluídas por declarações infelizes do alto escalão, que parece até hoje não ter conexão com a realidade do Brasil e com as necessidades da população. Talvez um olhar honesto para os problemas do país já seria um grande passo na direção de redução das vulnerabilidades da nossa economia.
Daniel Buarque – Uma das questões fundamentais no caso do Brasil é a influência de decisões políticas sobre a economia, com o furo do teto de gastos, por exemplo, e aumento do endividamento. Como vê a relação entre economia e política no Brasil atualmente?
Renata Amaral – Boas decisões econômicas que foram tomadas ao longo destes três anos e meio de governo foram suplantadas por declarações políticas infelizes e, em diversas oportunidades, por uma absoluta falta de habilidade na condução das relações entre Ministério da Economia com o Congresso Nacional. Economia e política não andam separadas, e em administrações bem sucedidas, o respeito ao bom funcionamento da engrenagem entre essas duas disciplinas é um dos pilares para o sucesso.
Atualmente, o foco da atual administração é a campanha para a reeleição do Presidente Bolsonaro, e política está acima de tudo. Para o azar do Brasil, todas as grandes decisões econômicas daqui para outubro terão esta prioridade e estarão contaminadas pelos interesses eleitorais. O Brasil fica em segundo plano.
Editor-executivo do portal Interesse Nacional. Jornalista e doutor em Relações Internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Mestre pelo KCL e autor dos livros Brazil’s international status and recognition as an emerging power: inconsistencies and complexities (Palgrave Macmillan), Brazil, um país do presente (Alameda Editorial), O Brazil é um país sério? (Pioneira) e O Brasil voltou? (Pioneira)
Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional