Como as mudanças climáticas interferem na saúde e aumentam a mortalidade nas grandes cidades
A cidade de São Paulo tem passado por muitas alterações no seu microclima, o que causa um impacto diário na saúde dos indivíduos. Os paulistanos convivem com uma verticalização acelerada que elimina as poucas áreas verdes na região metropolitana, modificando a circulação dos ventos e criando ilhas de calor, entre outras alterações. Como uma boca de fogão que fica ali acesa, cozinhando e aquecendo o ambiente.
A cidade de São Paulo tem passado por muitas alterações no seu microclima, o que causa um impacto diário na saúde dos indivíduos. Os paulistanos convivem com uma verticalização acelerada que elimina as poucas áreas verdes na região metropolitana, modificando a circulação dos ventos e criando ilhas de calor, entre outras alterações. Como uma boca de fogão que fica ali acesa, cozinhando e aquecendo o ambiente.
Por Micheline Coelho*
Amparado por estudos robustos, um grupo de pesquisadores começou a demonstrar, há mais de duas décadas, que estavam ocorrendo mudanças no clima da Terra. Obviamente, os gestores não nos deram ouvidos. Agora, não se trata mais de falar sobre frear os problemas climáticos. A questão é discutir como deve ser a adaptação humana aos extremos meteorológicos, como devemos nos preparar e quais as medidas necessárias para enfrentar os seus efeitos na saúde da população.
Recentemente, um artigo publicado pela revista Nature Communications chamou a atenção para o fato de as estações extremas e a alta mortalidade associada a elas estarem se tornando mais e mais frequentes. Se no século passado estimava-se que as ondas de calor na cidade de São Paulo capazes de provocar mortalidade ocorriam a cada 134 anos, nos dias atuais podem ser esperadas a cada cinco anos se a temperatura global continuar aumentando e chegar a 2ºC em média. O artigo foi escrito por cientistas de uma rede internacional de pesquisadores MCC (Multi-Country Multi City – muitos países, muitas cidades), da qual faço parte, que se dedica ao estudo e gera muitas evidências científicas sobre as relações entre clima e saúde.
No artigo mencionado, Rapid increase in the risk of heat-related mortality, identificamos que a cidade de São Paulo tem passado por muitas alterações no seu microclima, o que causa um impacto diário na saúde dos indivíduos. Os paulistanos convivem com uma verticalização acelerada que elimina as poucas áreas verdes na região metropolitana, modificando a circulação dos ventos e criando ilhas de calor, entre outras alterações. Como uma boca de fogão que fica ali acesa, cozinhando e aquecendo o ambiente.
Muitos anos de acompanhamento dos fenômenos meteorológicos nos permitem afirmar que o microclima da cidade, que já foi chamada de terra da garoa, mudou. Se antes raramente os paulistanos enfrentavam uma semana com mais de 36ºC a cada três décadas, agora isso é cada vez mais comum. E também sofrem com a baixa umidade do ar e a poluição.
População não está preparada para enfrentar os extremos de calor
Sempre que podemos, o professor Paulo Saldiva (USP) e eu, que somos os coordenadores do braço brasileiro da rede MCC, dizemos aos jornalistas durante as entrevistas que as pessoas não estão preparadas para enfrentar os extremos de calor causados pela mudança climática e que isso precisa ser colocado em pauta com urgência.
Da mesma forma, as instalações hospitalares, escolares e moradias construídas quando o clima não havia mudado também devem ser adaptadas para o que já esta acontecendo e para o que pode vir pela frente. Nós alertamos para a necessidade de se discutir as medidas de proteção necessárias e sua implementação para prevenir os impactos decorrentes dos extremos meteorológicos. Eles já ocorrem, e tem sido devidamente documentados nos diversos artigos publicados que estamos disponibilizando ao longo dos anos.
Na condição de acadêmica de medicina (depois de estudar meteorologia e matemática, estou estudando medicina na International University of Health Sciences, EUA-Caribe), tive oportunidade de ver in loco o que acontece quando o ser humano não está adaptado ou preparado para o extremo de temperatura. Especialmente no organismo de crianças e idosos (pessoas acima de 60 anos), o calor excessivo produz vários efeitos que precisam ser levados a sério e estudados, mas ainda não recebem a atenção suficiente.
O organismo humano busca manter o seu equilíbrio o tempo todo e tem uma regulação muito sutil. Quando o ambiente começa a aquecer, por exemplo, o cérebro alerta que está quente e precisa dissipar calor. O indivíduo busca a sombra, vai beber algo para se refrescar. Também é comum em dias muito quentes ver muita gente vomitando, passando mal, não querendo comer. Outros apresentam diarreia, cansaço, dor de cabeça. A situação é ainda mais complicada se a pessoa já tem uma descompensação, e toma medicamentos para manter a pressão arterial ou as taxas de glicemia nos níveis preconizados, para falar apenas de duas doenças crônicas como a hipertensão e o diabetes.
Qualquer mudança, para esse organismo, poderá ter um efeito em cascata. Idosos e crianças são ainda mais vulneráveis porque desidratam mais facilmente. As crianças porque não desenvolveram bem a percepção da sede e do calor, e o idoso porque não consegue mais identificar se está sentindo sede ou não e provavelmente convive com uma ou mais comorbidades. Com a desidratação, cresce o risco também de infecções.
Os gestores públicos e privados necessitam ter maior clareza de que os prejuízos à saúde de todos provocados pelas mudanças climáticas são cumulativos e não estão unicamente associados aos extremos do clima. Seu alcance é muito mais disseminado. As pessoas estão morrendo por um estímulo à descompensação das doenças crônicas que elas já têm e que o organismo não consegue mais reverter devido ao avanço da idade.
A presença de diabetes ou esclerose, por exemplo, impede a regulação do tônus vascular na circulação periférica, favorecendo a formação de trombos. Ou é o sistema respiratório que não consegue mais esfriar ou aquecer o ar respirado para que atinja a temperatura ideal para o organismo, o que força outros sistemas, como o renal, a trabalharem mais, algo também mais custoso para o organismo.
Nossas pesquisas mostram que todos esses problemas tendem a sofrer um agravamento a partir da quarta idade – os 70 anos – e nos pequenos, que ainda não desenvolveram os mecanismos necessários para promover os ajustes térmicos.
Pouco se tem falado sobre todas essas questões. Encerrada no dia 13 de dezembro último, a 28ª Conferência de Mudanças Climáticas da Organização das Nações Unidas, que deixou a desejar na sua recomendação para o fim da queima dos combustíveis fósseis, deu um passo importante ao reconhecer a necessidade de trazer a discussão sobre o impacto das mudanças climáticas na saúde para o centro dos debates. A realização de uma mesa inteiramente dedicada a esse tópico, embora devesse ter ocorrido anos antes, é um grande avanço.
Nosso grupo de pesquisadores na Monash University, em Melbourne, na Austrália, trabalha com dados do Brasil. Estamos estudando a relação entre o clima e todo tipo de doenças, usando informações de milhares de cidades brasileiras. No entanto, desde que começamos falar nas mudanças climáticas, há mais de vinte anos, como eu disse no início desse artigo, percebemos que os gestores parecem dar muito pouca importância às evidências oferecidas pelos resultados das pesquisas acadêmicas, ainda que elas sejam baseadas em dados reais e seus resultados possam ajudar e subsidiar decisões importantes no âmbito da saúde pública. Muitas vezes, o dado está ali, evidente, mas o problema só será tratado quando as mortes associadas às estações extremas saltarem para as primeiras páginas dos jornais e manchetes das tevês e forem necessárias medidas extraordinárias e, certamente, tardias.
Há uma profusão de estudos feitos pelas mais renomadas universidades do mundo sobre os impactos dos eventos climáticos extremos e os danos à saúde; sobre a associação direta da inalação dos gases resultantes da queima dos combustíveis fósseis com o aumento das mortes nas últimas duas décadas; sobre o risco de extinção de pelo menos um quinto das espécies de animais vertebrados e sobre os efeitos do uso cada vez intensivo de agrotóxicos, entre outros. Além disso, o aquecimento está favorecendo a disseminação de doenças infecto-contagiosas como dengue, Zika e chikungunya, levando-as até regiões que eram mais frias do planeta, mas cuja temperatura aumentou.
Medidas preventivas são necessárias
É completamente possível tomar medidas preventivas amparadas pelos dados já apurados e compartilhados, como definir que a partir de uma determinada temperatura e umidade do ar não é saudável trabalhar ao ar livre ou fazer campanhas para explicar e lembrar a importância de cuidar da hidratação de idosos e crianças e a necessidade de ficar de olho em pacientes crônicos.
A mensagem central é que os gestores públicos e privados precisam ser mais resilientes às evidências científicas e considerá-las seriamente no seu planejamento. Se deixarem os dados que estão sendo produzidos na gaveta novamente, mais uma vez perderemos o bonde da história e o prejuízo à saúde das pessoas não poderá ser evitado.
*Micheline Coelho, Pesquisadora colaboradora do LPAE da Faculdade de Medicina -USP, Representante do Brasil no Multi-Country Multi-City Collaborative Research Network London School of Hygiene & Tropical Medicine, Londres., Universidade de São Paulo (USP)
Este texto é uma republicação do site The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original
Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional
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