Copa do Mundo 2022: como o patrocínio passou a ser menos sobre venda de bebidas e mais sobre geopolítica
Enquanto os vendedores de refrigerantes e hambúrgueres ainda fazem parte da lista de patrocinadores, os principais parceiros da Fifa são cada vez mais grandes corporações de países interessados em se beneficiar do alcance global do futebol, argumenta o professor de esportes e economia geopolítica Simon Chadwick
Enquanto os vendedores de refrigerantes e hambúrgueres ainda fazem parte da lista de patrocinadores, os principais parceiros da Fifa são cada vez mais grandes corporações de países interessados em se beneficiar do alcance global do futebol, argumenta o professor de esportes e economia geopolítica Simon Chadwick
Por Simon Chadwick*
A Copa do Mundo masculina da Fifa em 2022 no Catar é sem dúvida a mais política da história.
Mesmo durante a performance aparentemente inócua da estrela pop sul-coreana Jung Kook na cerimônia de abertura do torneio, a geopolítica estava no centro do palco. Pois Kook, 25, não é apenas um jovem bonito com uma base de fãs global e uma fortuna multimilionária. Além disso, ele tem um lucrativo acordo de patrocínio com a montadora sul-coreana Hyundai-Kia, que também é um dos principais patrocinadores da Fifa.
Esse tipo de relacionamento não é um acidente nem um simples acordo comercial. Há anos, o governo sul-coreano segue uma estratégia voltada para a construção e projeção do soft power, o “poder brando”, desenvolvendo seu engajamento com públicos-alvo em todo o mundo. Isso aconteceu não apenas por meio de futebol, música e carros, mas também por meio de filmes vencedores do Oscar, como Parasita e a popular série de TV Round 6.
E não é só a Coreia do Sul que aproveita as audiências que a Fifa pode proporcionar. Enquanto os vendedores de refrigerantes e hambúrgueres ainda fazem parte da lista de patrocinadores, os principais parceiros da Fifa são cada vez mais grandes corporações de países interessados em se beneficiar do alcance global do futebol.
A estatal Qatar Airways, por exemplo, está ocupada vendendo passagens aéreas como parceira oficial da Fifa, mas também desempenha um papel fundamental nas tentativas do governo do Catar de estabelecer o Aeroporto Internacional de Hamad como um importante centro de viagens globais.
A premiada companhia aérea é um instrumento eficaz de soft power, transmitindo sinais para o público global sobre o que o Catar é e o que aspira ser. Por sua vez, a companhia aérea e o próprio ato de sediar a Copa do Mundo de 2022 são ilustrações de uma nação que pretende contar ao mundo uma história particular sobre si mesma – que é um membro legítimo, confiável e importante da comunidade internacional.
O mesmo se aplica à China, embora o progresso esportivo e industrial tenha parado um pouco desde a pandemia. Sua lista de quatro principais patrocinadores da Copa do Mundo, incluindo eletrônicos (Hisense), telefones celulares (Vivo), laticínios (Mengiu) e tudo, desde propriedades até mídia (Wanda), continua significativa para um país esperançoso de um dia sediar o torneio e um governo ansioso para espalhar a influência da China em todo o mundo.
Rebeldes com uma causa
Ao lado dos principais patrocinadores da Copa do Mundo, surgiu a tradição de empresas concorrentes durante o torneio fazerem marketing de “emboscada”. Isso envolve marcas usando o megaevento como uma ferramenta de marketing sem o gasto considerável de um link oficial (a Fifa está cobrando cerca de US$ 100 milhões por um contrato de patrocínio de quatro anos).
Uma emboscada notavelmente bem-sucedida foi perpetrada pelas campanhas provocativas da Bavaria Beer na Copa do Mundo de 2006 na Alemanha e novamente em 2010 na África do Sul. Essas estratégias envolviam equipar os espectadores com roupas de marca, que eram contrabandeadas para os estádios. Isso ganhou grande atenção global, o que sem dúvida foi frustrante para a cerveja “oficial” do torneio, a Budweiser.
No entanto, até mesmo o marketing de emboscada parece ter se tornado geopolitizado. Por exemplo, durante esta Copa do Mundo, as autoridades da vizinha Dubai têm tentado desviar a atenção do Catar com uma campanha de turismo com estrelas internacionais do futebol. O emirado rival também organizará seu próprio torneio de futebol ao mesmo tempo que a Copa do Mundo, com nomes como Liverpool, AC Milan e Arsenal.
E enquanto em 2010 a Bavaria Beer usou mulheres usando vestidos laranja em seu marketing de emboscada, a cervejaria e rede de pubs BrewDog, com sede no Reino Unido, está tentando entrar na ação deste ano com sua estridente campanha de marketing anti-Copa do Mundo.
Por meio de uma série de outdoors provocativos (no Reino Unido), BrewDog está usando referências à autocracia, abusos dos direitos humanos e corrupção, todos direcionados a bebedores de cerveja incomodados com a realização do maior evento global de futebol no Catar. Embora o resultado final permaneça o mesmo para a BrewDog – obter lucro com a venda de cerveja –, ela está contribuindo para a transformação da publicidade e do patrocínio de simples marketing em postura geopolítica.
De maneira semelhante, a marca de roupas Hummel decidiu ocultar seu nome e logotipos e o emblema da federação dinamarquesa de futebol de seu uniforme. Isso é um protesto contra o tratamento dos trabalhadores migrantes no Catar e em apoio às comunidades LGBTQ+.
Na declaração de missão da empresa, a Hummel enfatiza seu compromisso com o “dinamarquês” – e, de fato, a Dinamarca tem sido muito veemente em sua condenação ao Catar. Sempre que a Seleção entrar em campo, será com camisas que desafiam diretamente os anfitriões da Copa do Mundo.
Portanto, as caras ambições do Catar em sediar este torneio enfrentaram críticas e protestos de países e empresas. Em 2022 parece que o patrocínio de futebol não é mais apenas para diversão, ou mesmo para clientes. Para onde quer que você olhe, há pontos geopolíticos a serem marcados.
*Simon Chadwick é professor de esportes e economia geopolítica SKEMA Business School
Este texto é uma republicação do site The Conversation sob uma licença Creative Commons. Leia o artigo original, em inglês.
Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional
Editor-executivo do portal Interesse Nacional. Jornalista e doutor em Relações Internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Mestre pelo KCL e autor dos livros Brazil’s international status and recognition as an emerging power: inconsistencies and complexities (Palgrave Macmillan), Brazil, um país do presente (Alameda Editorial), O Brazil é um país sério? (Pioneira) e O Brasil voltou? (Pioneira)
Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional