Créditos de carbono de baixa qualidade colocam em xeque mecanismos de compensação
Apesar da notícia auspiciosa divulgada internacionalmente nesta segunda-feira, dia 11, de que os países participantes da COP29 chegaram a um acordo para a regulamentação de um mercado global de carbono, até o momento o que existe é um ceticismo crescente sobre muitas das compensações vendidas nos mercados voluntários de carbono já existentes
Por Sehoon Kim*
Os créditos de carbono se tornaram um grande negócio à medida que mais empresas prometem proteger o clima, mas não conseguem cumprir as metas por conta própria. Quando uma empresa compra créditos de carbono, ela paga um projeto em outro lugar para compensar as emissões de gases de efeito estufa em seu nome – plantando árvores, por exemplo, ou gerando energia renovável. A ideia é que reduzir as emissões de gases de efeito estufa em qualquer lugar vale a pena para o clima global.
Mas nem todas as compensações têm o mesmo valor, e isso tem colocado em cheque a credibilidade de muitas dessas transações. Apesar da notícia auspiciosa divulgada internacionalmente nesta segunda-feira, dia 11, de que os países participantes da COP29 chegaram a um acordo para a regulamentação de um mercado global de carbono, até o momento o que existe é um ceticismo crescente sobre muitas das compensações vendidas nos mercados voluntários de carbono já existentes.
Em contraste com os mercados de conformidade, em que as empresas compram e vendem um número limitado de permissões emitidas pelos órgãos reguladores, esses mercados voluntários de carbono têm poucas regras que possam ser aplicadas de forma consistente.
Investigações descobriram que muitos projetos de compensação voluntária, especialmente projetos de gestão florestal, têm feito pouco para beneficiar o clima apesar de suas alegações.
Sou especializado em finanças sustentáveis e governança corporativa. Meus colegas e eu realizamos recentemente a primeira análise sistemática e baseada em evidências do cenário global de compensações voluntárias de carbono usadas por centenas de grandes empresas de capital aberto em todo o mundo.
Os resultados levantam questões sobre como algumas empresas usam essas compensações e lançam dúvidas sobre a eficácia dos mercados voluntários de carbono – pelo menos em seu estado atual – para auxiliar uma transição global para emissões líquidas zero.
Empresas usam compensações de baixa qualidade
Nossa análise mostra que o mercado global de créditos de carbono cresceu e passou a incluir uma grande variedade de projetos de compensação. Alguns geram energia renovável, contribuem para casas e eletrodomésticos com eficiência energética ou capturam e armazenam carbono. Outros preservam florestas e pastagens. A maioria deles está localizada na Ásia, na África e nas Américas, mas também existem em outras regiões.
As empresas usam esses projetos para reforçar suas declarações ambientais a fim de ajudar a atrair investidores, clientes e o apoio de vários grupos. Essa prática disparou, de praticamente nada em 2005 para cerca de 30 milhões de toneladas métricas de compensação de carbono por ano em 2022. Em 2023, o banco de investimentos Morgan Stanley previu que o mercado de compensação voluntária cresceria para cerca de US$ 100 bilhões até 2030 e para cerca de US$ 250 bilhões até 2050.
Para nossa análise, examinamos 866 empresas de capital aberto que usaram compensações entre 2005 e 2021.
Descobrimos que as grandes empresas com uma alta porcentagem de grandes investidores institucionais e compromissos de atingir emissões líquidas zero são particularmente ativas nos mercados voluntários de carbono.
Nossos resultados também revelam um padrão peculiar: setores com emissões relativamente baixas, como serviços e financeiro, são muito mais intensivos no uso de compensações. Alguns usaram compensações para quase todos os cortes de emissões que reivindicaram.
Por outro lado, setores com altas emissões, como petróleo e gás, serviços públicos ou transporte, usaram quantidades insignificantes de compensações em comparação com suas pesadas pegadas de carbono.
Esses fatos lançam uma sombra de dúvida sobre a eficácia dos mercados voluntários de carbono na redução das emissões globais de gases de efeito estufa. Eles também levantam questões sobre os motivos das empresas para usar compensações.
Por que as empresas dependem de compensações
Uma explicação para esses padrões é que a compensação é um meio de “terceirizar” os esforços de transição para reduzir as emissões de gases de efeito estufa. As empresas com pegadas de carbono menores acham mais barato comprar compensações do que fazer investimentos caros para reduzir suas próprias emissões.
Ao mesmo tempo, descobrimos que as empresas com alto índice de emissões eram mais propensas a reduzir suas próprias emissões internamente, porque compensar grandes quantidades de emissões todos os anos em um futuro indefinido seria mais caro.
Uma explicação mais perniciosa para o crescimento das compensações voluntárias é que as compensações permitem a “lavagem verde” (greenwashing, no original em inglês). Nessa visão, as empresas usam compensações para melhorar sua imagem de forma barata para partes interessadas ingênuas que não estão bem informadas sobre a qualidade das compensações. Agências classificam os projetos de compensação de acordo com a probabilidade de cumprirem suas alegações climáticas, entre outros indicadores da confiabilidade das compensações. Nossas análises dos dados de preços e classificações constataram que os projetos classificados como de baixa qualidade têm preços substancialmente mais baixos.
Constatamos que relativamente poucos dos 1.413 projetos de compensação usados pelas empresas em nossa amostra foram verificados como de alta qualidade por uma agência externa de classificação de carbono. A maioria dos créditos de compensação usados pelas empresas era surpreendentemente barata. Mais de 70% das compensações aposentadas tinham preços abaixo de US$ 4 por tonelada.
Essas explicações não são mutuamente exclusivas. Descobrimos que as empresas com baixas emissões poderiam facilmente alterar as classificações de seus pares em relação ao desempenho de ESG (desempenho em questões ambientais, sociais e de governança) por meio da compensação de uma pequena quantidade de emissões.
Consertando o mercado voluntário
Nossas descobertas têm implicações importantes à medida que os formuladores de políticas e reguladores debatem regras para os mercados voluntários de carbono.
Os dados sugerem que os mercados voluntários de carbono estão atualmente inundados com compensações baratas e de baixa qualidade, provavelmente devido à falta de diretrizes e regulamentos de integridade para os mercados voluntários de carbono para garantir a transparência e a autenticidade dos projetos de compensação. Essa falta de diretrizes também pode incentivar o uso de compensações de baixa qualidade.
Desde que o Artigo 6 do Acordo de Paris criou princípios para os mercados de carbono e maneiras pelas quais os países poderiam cooperar para atingir as metas climáticas, chegar a um acordo sobre como implementar esses princípios tem sido um desafio. Para que os princípios sejam bem-sucedidos, os negociadores devem chegar a um cponsenso sobre a elegibilidade do projeto e os padrões de divulgação de informações, entre outras questões.
Em abril de 2024, a SBTi, o principal árbitro de metas climáticas corporativas com base científica do mundo, acrescentou urgência a esse processo quando anunciou que permitiria que as empresas cumprissem suas metas de carbono com compensações de carbono para cobrir as emissões em suas cadeias de suprimentos.
No mês seguinte, os departamentos do Tesouro, de Energia e de Agricultura dos EUA publicaram conjuntamente uma declaração de política estabelecendo seu próprio modelo de regras para governar os mercados voluntários de carbono. “Os mercados voluntários de carbono podem ajudar a liberar o poder dos mercados privados para reduzir as emissões, mas isso só poderá acontecer se enfrentarmos os grandes desafios existentes”, disse na época a secretária do Tesouro dos EUA, Janet Yellen.
O Artigo 6 e padrões para compensações de carbono estão na pauta da conferência climática das Nações Unidas de 2024, a COP-29, que acontece de 11 a 22 de novembro em Baku, Azerbaijão.
Com muitos segmentos de mercados voluntários de carbono débeis, a COP-29 pode ser um momento decisivo para que as compensações voluntárias de carbono se tornem uma contribuição viável para a descarbonização no futuro.
Sehoon Kim, Assistant Professor of Finance, University of Florida
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