Crise política coloca Bangladesh no centro da atenção internacional
Após renúncia da primeira-ministra, Exército anunciou formação de governo interino no país que tem registrado grande crescimento econômico
A primeira-ministra de Bangladesh, Sheikh Hasina, renunciou ao cargo na última segunda-feira (5) e fugiu, aparentemente para a Índia. O chefe do Exército, general Waker-Uz-Zaman, confirmou em um discurso na televisão que ela havia deixado o país e que um governo interino seria formado. Este evento complexo voltou as atenções da política internacional para Bangladesh, pouco presente nos noticiários mundiais.
A decisão ocorre em meio aos episódios das piores manifestações de violência desde o nascimento do país, há mais de cinco décadas. Elas tiveram início no mês passado depois que grupos de estudantes exigiram o fim de um controvertido sistema de cotas para cargos públicos, que se transformou numa campanha para a destituição de Hasina. Esta havia conquistado o quarto mandato consecutivo em janeiro deste ano, numa eleição boicotada pela oposição e marcada pela violência, com pouco comparecimento às urnas.
Hasina é filha do Sheikh Mujibur Rahman, o herói nacional que liderou o processo de independência do então Paquistão Oriental do Paquistão Ocidental, na chamada “guerra de liberação”, em 1971, e foi morto num golpe militar em 1975, juntamente com a maioria dos membros da sua família.
Eleita primeira-ministra em 1996, ela exerceu seu mandato até 2001, quando seu partido, a Liga Popular de Bangladesh (BPL) foi derrotado pelo Partido Nacionalista de Bangladesh (BNP), da sua arquirrival, Khaleda Zia, viúva do ex-presidente Ziaur Rahman, igualmente assassinado. Zia chefiou a nação em dois períodos, entre 1991/1996 e 2001/2006.
A este respeito, uma primeira constatação é como Bangladesh, país de maioria absoluta muçulmana, tem sido governado nestas últimas décadas em alternância por duas mulheres, caso único, a meu conhecimento, no universo islâmico. A disputa entre ambas é acirrada, como pude constatar quando tive a oportunidade de servir na nossa Embaixada em Daca.
A este respeito, cabe ponderar como neste universo político rarefeito de predominância absoluta de dois partidos – e suas líderes – na alternância do poder, com as “bênçãos” dos militares, Bangladesh, com extensa população – 171,2 milhões de habitantes, segundo o censo de 2022 -, e enfrentando obstáculos aparentemente insuperáveis, muitos deles de natureza geográfica, foi incluído pelo Goldman Sachs entre os Next-Eleven, o grupo de nações que acompanhará o Brics entre as economias que mais se destacarão neste século… A este propósito, o país registrou uma taxa de crescimento do PIB de 7,2% após a pandemia da Covid-19, tornando-se uma das economias que mais crescem no mundo.
Quais seriam as razões?
Basta olharmos para as etiquetas das roupas vendidas nos nossos magazines para constatarmos que muitas delas são Made in Bangladesh; outras labeled Made in China são, na realidade, fabricadas em Bangladesh, para se beneficiar dos custos inferiores de produção locais.
Ou seja, a República Popular recorre cada vez mais à sua vizinhança para se expandir… Para dinamizar as relações e forjar vínculos duradouros, os dois países lançaram o Forum da Rota da Seda Bangladesh-China, no âmbito da Iniciativa do Cinturão e Rota (BRI).
Nos meus contatos com o mundo empresarial notei que, para ele, as divergências políticas não obstaculizam e nem distorcem o foco que têm no desenvolvimento econômico. Ou seja, enquanto as duas líderes batalham entre si, o país avança…
Com isto, Bangladesh tornou-se um dos principais “mercados dos pobres”. Muito se deve ao empreendedorismo do economista e banqueiro Muhammad Yunus, muito conhecido entre nós, brasileiros.
Ele pretende erradicar a pobreza no mundo e afirma que é impossível alcançar a paz com miséria. Para tanto, fundou em 1976 o Grameen Bank, do qual é presidente e o governo de Bangladesh o principal acionista. O nome Grameen significa “vila” ou “rural” em bengali, e reflete o foco nas comunidades mais pobres. O banco é o primeiro especializado em microcrédito. Atualmente tornou-se uma cooperativa, onde 90% das ações são propriedade de seus 5 milhões de clientes, e os outros 10% pertencem ao governo. O seu foco é sobretudo as mulheres. Com esta política o Grameen Bank já ajudou mais de 10 mil famílias a escapar da situação de miséria.
Por seus propósitos, o Banco e Yunus ganharam o Prêmio Nobel da Paz, em 2006.
Fausto Godoy é colunista da Interesse Nacional. Bacharel em direito, doutor em direito internacional público pela Universidade de Paris (I) e diplomata, serviu nas embaixadas do Brasil em Bruxelas, Buenos Aires e Washington. Concentrou sua carreira na Ásia, onde serviu em onze países. Foi embaixador do Brasil no Paquistão e Afeganistão (2004/2007) e Cônsul-Geral em Mumbai (2009/10). É coordenador do “Centro de Estudos das Civilizações da Ásia” da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e curador da Ala Asiática do MON.
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