Daniel Buarque: A Cúpula da Amazônia e dilemas da ‘graduação’ brasileira
Encontro de líderes de países amazônicos terminou sem consenso. Tentativa brasileira de projeção internacional cria atritos entre estratégias de desenvolvimento econômico, de condução regional e de liderança ambiental
Encontro de líderes de países amazônicos terminou sem consenso. Tentativa brasileira de projeção internacional cria atritos entre estratégias de desenvolvimento econômico, de condução regional e de liderança ambiental
Por Daniel Buarque*
A Declaração de Belém, aprovada pelos oito países da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) na Cúpula da Amazônia, frustrou a expectativa de criação de metas para o fim do desmatamento e gerou disputas a respeito da exploração de petróleo na região, revelando dissenso entre os vizinhos. Para o Brasil, que organizou o encontro com o objetivo de reconquistar prestígio internacional perdido durante o governo de Jair Bolsonaro, a cúpula evidenciou os dilemas da tentativa do país de aumentar seu status global, apontando as contradições entre diferentes estratégias de projeção de influência internacional.
Na ausência de uma fórmula universal que permita que diferentes Estados ampliem seu status na hierarquia global (ou seja, consigam sua “graduação”), as grandes potências tendem a apontar diferentes caminhos a serem seguidos por quem quer passar a ter uma voz mais influente no mundo — caso do Brasil. A estratégia mais consensual é a construção de poder bruto, especialmente econômico, que torne o país um ator importante nas questões globais. Mas os países poderosos também admitem reconhecer a relevância de nações que construam seu lugar de destaque mais lentamente por outras vias.
Entre as estratégias mais citadas, têm chance de terem status elevado Estados que sejam líderes regionais, tenham protagonismo das questões ambientais, se beneficiem de posições de destaque no crescimento do multilateralismo, tenha, uma diplomacia competente, participem de operações de paz da ONU, sejam democráticos, ajudem a mediar conflitos internacionais, tenham importância em políticas de alimentação e sejam relevantes na luta contra a proliferação de armas nucleares, por exemplo.
Enquanto o governo de Luiz Inácio Lula da Silva adota como sua “doutrina” a tentativa de restaurar a imagem do Brasil e suas relações, algumas das estratégias empregadas até o momento parecem entrar em conflito, como visto durante a cúpula em Belém.
Uma questão central é que um dos principais caminhos buscado pelo Brasil para desenvolver a economia esbarra nos caminhos das lideranças ambiental e regional.
A ideia de desenvolvimento econômico e a intenção de explorar petróleo na região, por exemplo, esbarram na tentativa de demonstrar protagonismo ambiental com foco na preservação da floresta. E essas duas estratégias também acabam criando controvérsias com os vizinhos e impedindo a atuação global na liderança de um bloco de países da América do Sul e da Amazônia.
Desde que foi eleito, Lula tem sido bem-sucedido em retomar um protagonismo das questões climáticas após Bolsonaro ter criado uma imagem negativa para o país. Parte central do discurso de Lula na cúpula tratou da importância de explorar os recursos da Amazônia de forma que sejam colocados a serviço de todos. Mas apesar de defender a transição energética e falar sobre desenvolvimento com proteção ambiental e geração de empregos, a manutenção de planos para explorar petróleo na região Norte gera críticas e evidencia essas controvérsias.
Por um lado, ambientalistas criticam os projetos que continuam focando na produção de combustíveis fósseis, o que pode criar desafios na tentativa brasileira de se consolidar como um protagonista nas ações globais contra as mudanças climáticas. A posição também gera respostas críticas de outros líderes da região, como o colombiano Gustavo Petro, que defende que a região abandone o foco em petróleo e ganha destaque internacional por sua postura de proteção ambiental.
Assim, parece difícil o país ganhar prestígio mundial buscando, ao mesmo tempo, ter mais força econômica (especialmente com o petróleo), ser um líder global na luta pela proteção do meio ambiente e ser um representante da região no resto do mundo. Isso cria o dilema, portanto, de escolher quais estratégias podem ser mais bem-sucedidas na construção do prestígio do Brasil.
Por mais que a economia seja o principal consenso como a melhor forma de tornar o país um ator importante no mundo, e mesmo que a exploração de petróleo ainda seja uma forma simples e relativamente rápida de alcançar riqueza, este caminho pode não ser o mais promissor para o Brasil hoje. E o foco nos frutos mais fáceis de alcançar, como as lideranças ambiental e regional, pode ser uma forma mais eficiente de o país consolidar sua relevância internacional.
Há uma consolidação crescente de preocupação global com a questão ambiental, e o aquecimento global está se mostrando acelerado, com registro de temperaturas recordes em todo o mundo. Isso faz com que o Brasil esteja numa posição-chave para ter um papel de protagonismo importante e fácil de ser consolidado a partir da sua localização geográfica, tendo em seu território a maior parte da Amazônia. Com a volta de Lula ao poder, o país já passou a ser visto com olhos mais positivos, e além disso há um vácuo na liderança ambiental global, que o Brasil pode ocupar sem muita dificuldade.
Da mesma forma, essa consolidação de uma postura ambientalmente responsável tende a diminuir atritos com outros atores importantes da região e dar ao país o papel de representante da Amazônia — e da América do Sul — aos olhos do mundo.
Isso tudo não precisa significar abandonar a ideia de desenvolvimento econômico do país e da Amazônia, mas apenas mudar o foco e deixar de lado a aposta em combustíveis fósseis.
O dilema dos caminhos para aumentar a importância do Brasil no mundo está posto, e é preciso tomar decisões inteligentes para que o país consiga consolidar uma estratégia eficiente para ampliar seu status.
*Daniel Buarque é colunista e editor-executivo do portal Interesse Nacional, pesquisador do pós-doutorado do Instituto de Relações Internacionais da USP e doutor em relações internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. É jornalista, tem mestrado em Brazil in Global Perspective pelo KCL e é autor dos livros “Brazil, um país do presente” (Alameda) e “O Brazil É um País Sério?” (Pioneira).
Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional
Editor-executivo do portal Interesse Nacional. Jornalista e doutor em Relações Internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Mestre pelo KCL e autor dos livros Brazil’s international status and recognition as an emerging power: inconsistencies and complexities (Palgrave Macmillan), Brazil, um país do presente (Alameda Editorial), O Brazil é um país sério? (Pioneira) e O Brasil voltou? (Pioneira)
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