A neutralidade como vantagem, e o Brasil como um dos Estados-pêndulo mais importantes do mundo
Analistas estrangeiros dizem que países intermediários podem se aproveitar da polarização, evitar alinhamento e conseguir ampliar seu poder no cenário global. Brasil aparece listado entre os que podem ajudar a decidir o futuro da geopolítica
Analistas estrangeiros dizem que países intermediários podem se aproveitar da polarização, evitar alinhamento e conseguir ampliar seu poder no cenário global. Brasil aparece listado entre os que podem ajudar a decidir o futuro da geopolítica
Por Daniel Buarque*
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a defender uma postura mais neutra de países da América Latina em relação à guerra na Ucrânia durante a cúpula entre a União Europeia e a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), evitando uma condenação direta da Rússia e de Vladimir Putin. Criticado pelo Ocidente por declarar neutralidade e ficar “em cima do muro”, o Brasil pode, entretanto, se consolidar como uma das nações emergentes mais importantes da geopolítica global por conta justamente da sua postura “pendular” — movimento dos chamados swing states.
A ideia foi apresentada em dois importantes artigos publicados nos últimos meses em revistas de relações internacionais. A percepção de aumento da importância do Brasil e de outros países “intermediários” é destaque em 6 Swing States Will Decide the Future of Geopolitics, escrito pelo diretor da Eurasia Cliff Kupchan e publicado pela revista Foreign Policy; e em The rise of geopolitical swing states, de Jared Cohen, presidente de Assuntos Globais e codiretor do Escritório de Inovação Aplicada da Goldman Sachs.
Segundo eles, países como Brasil, Índia, Indonésia e Arábia Saudita lideram o Sul Global e têm mais poder do que nunca, se beneficiando da regionalização e se aproveitando das tensões entre os EUA e a China.
Segundo Cohen, o grupo é formado por países com vantagem competitiva em um aspecto crítico das cadeias de suprimentos globais, preparados para lidar com economia em nearshoring, offshoring ou friendshoring [com investimentos em países próximos, distantes ou aliados). Esses Estados têm uma quantidade desproporcional de capital e vontade de implantá-lo em todo o mundo, com economias desenvolvidas e líderes que perseguem visões globais — ainda que dentro de suas limitações.
“Na geopolítica, os Estados-pêndulo têm poder para traçar seu próprio curso caso a caso e podem decidir o futuro do equilíbrio de poder internacional. São países relativamente estáveis que têm suas próprias agendas globais independentes de Washington e Pequim, e a vontade e capacidade de transformar essas agendas em realidade”, diz.
De acordo com Kupchan, potências médias como o Brasil têm mais poder para agir com independência do que em qualquer outro momento, desde a Segunda Guerra Mundial, e dizem muito sobre a dinâmica de mudança de poder e influência, pois evitam um alinhamento automático com os Estados Unidos. Ao não se alinhar, Brasil, Índia, Indonésia, Arábia Saudita, África do Sul e Turquia ficam livres para criar novas dinâmicas de poder e servem como um barômetro para tendências geopolíticas mais amplas no Sul Global.
Para ele, a crescente importância desses seis Estados se explica tanto por desenvolvimentos históricos de longo prazo quanto por tendências globais mais recentes.
“O mundo vem se desglobalizando de maneira importante nas últimas duas décadas e, como resultado, novas relações geopolíticas e geoeconômicas estão se formando em nível regional. Os Estados pendulares são todos líderes regionais e se tornam mais importantes à medida que o poder é transferido para suas regiões”, diz.
“A ausência de afinidade ideológica ajuda a liberar esses Estados para adotarem abordagens transacionais radicais na política externa, o que, por sua vez, eleva seu impacto agregado nos assuntos internacionais.”
O diretor da Eurasia aponta ainda a importância crescente do combate ao aquecimento global como um dos motivos para a importância de países intermediários como o Brasil. “Não pode haver solução para os desafios da poluição e dos impactos climáticos sem a participação desses Estados. (…) as políticas de desmatamento e descarbonização precisam da participação construtiva dos Estados-pêndulo – como Brasil e Indonésia no caso do desmatamento”, diz.
Em artigo publicado no início do ano na revista Foreign Affairs, o professor Matias Spektor já argumentava que a estratégia de ficar “em cima do muro” usada pelo Sul Global pode ajudar a elevar o status desses países em um possível mundo multipolar — embora apontee que a competição de segurança em sistemas multipolares pode levar as grandes potências a criar hierarquias mais rígidas ao seu redor, limitando as chances de Estados menores expressarem suas preferências.
Ainda que haja um reconhecimento da importância de países como o Brasil em um momento de polarização, é importante lembrar que, além de apostar de forma excessiva no multilateralismo, a decisão de “ficar em cima do muro” costuma ser mal-vista pelas grandes potências. Mesmo que os Estados-pêndulo ganhem influência internacional, isso dificilmente ajudaria o Brasil em sua busca por reconhecimento como uma das maiores potências do mundo.
De fato, apesar do otimismo dessas abordagens em relação ao Brasil e outras potências intermediárias, a relevância desses Estados-pêndulo pode esbarrar nas limitações dessa multipolaridade. Em artigo recente, os professores Stephen G. Brooks e William C. Wohlforth, do Dartmouth College, rejeitam a ideia de difusão do poder global e alegam que “o mundo não é bipolar nem multipolar e não está perto de se tornar nenhum dos dois”, pois ainda há uma prevalência dos EUA.
De forma igualmente centrada na visão americana, o diretor do Center for a New American Security, Richard Fontaine, escreve que é um mito acreditar na possibilidade de uma neutralidade de países intermediários em uma crescente polarização entre EUA e China. “Os países vão ter que escolher um lado”, diz, incentivando os EUA a pressionar por isso.
Kupchan admite que pode haver exagero na percepção de poder crescente dos países pêndulos, e que eles enfrentam problemas econômicos e sociais. “Em suma, porém, o argumento de que esses países se tornaram e continuarão a se tornar mais poderosos geopoliticamente permanece forte. Eles são capazes de obter alavancagem de algumas das tendências globais mais fortes, e já existem manifestações claras de seu novo poder”, diz.
*Daniel Buarque é colunista e editor-executivo do portal Interesse Nacional, pesquisador do pós-doutorado do Instituto de Relações Internacionais da USP e doutor em relações internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. É jornalista, tem mestrado em Brazil in Global Perspective pelo KCL e é autor dos livros “Brazil, um país do presente” (Alameda) e “O Brazil É um País Sério?” (Pioneira).
Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional
Editor-executivo do portal Interesse Nacional. Jornalista e doutor em Relações Internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Mestre pelo KCL e autor dos livros Brazil’s international status and recognition as an emerging power: inconsistencies and complexities (Palgrave Macmillan), Brazil, um país do presente (Alameda Editorial), O Brazil é um país sério? (Pioneira) e O Brasil voltou? (Pioneira)
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