20 julho 2023

A neutralidade como vantagem, e o Brasil como um dos Estados-pêndulo mais importantes do mundo

Analistas estrangeiros dizem que países intermediários podem se aproveitar da polarização, evitar alinhamento e conseguir ampliar seu poder no cenário global. Brasil aparece listado entre os que podem ajudar a decidir o futuro da geopolítica

Analistas estrangeiros dizem que países intermediários podem se aproveitar da polarização, evitar alinhamento e conseguir ampliar seu poder no cenário global. Brasil aparece listado entre os que podem ajudar a decidir o futuro da geopolítica

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante sessão de abertura do Fórum Empresarial União Europeia-América Latina (Foto: Ricardo Stuckert/PR)

Por Daniel Buarque*

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a defender uma postura mais neutra de países da América Latina em relação à guerra na Ucrânia durante a cúpula entre a União Europeia e a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), evitando uma condenação direta da Rússia e de Vladimir Putin. Criticado pelo Ocidente por declarar neutralidade e ficar “em cima do muro”, o Brasil pode, entretanto, se consolidar como uma das nações emergentes mais importantes da geopolítica global por conta justamente da sua postura “pendular” — movimento dos chamados swing states.

A ideia foi apresentada em dois importantes artigos publicados nos últimos meses em revistas de relações internacionais. A percepção de aumento da importância do Brasil e de outros países “intermediários” é destaque em 6 Swing States Will Decide the Future of Geopolitics, escrito pelo diretor da Eurasia Cliff Kupchan e publicado pela revista Foreign Policy; e em The rise of geopolitical swing states, de Jared Cohen, presidente de Assuntos Globais e codiretor do Escritório de Inovação Aplicada da Goldman Sachs.

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‘Países como Brasil, Índia, Indonésia e Arábia Saudita lideram o Sul Global e têm mais poder do que nunca’

Segundo eles, países como Brasil, Índia, Indonésia e Arábia Saudita lideram o Sul Global e têm mais poder do que nunca, se beneficiando da regionalização e se aproveitando das tensões entre os EUA e a China.

Segundo Cohen, o grupo é formado por países com vantagem competitiva em um aspecto crítico das cadeias de suprimentos globais, preparados para lidar com economia em nearshoring, offshoring ou friendshoring [com investimentos em países próximos, distantes ou aliados). Esses Estados têm uma quantidade desproporcional de capital e vontade de implantá-lo em todo o mundo, com economias desenvolvidas e líderes que perseguem visões globais — ainda que dentro de suas limitações.

‘Estados-pêndulo têm poder para traçar seu próprio curso caso a caso e podem decidir o futuro do equilíbrio de poder internacional’

“Na geopolítica, os Estados-pêndulo têm poder para traçar seu próprio curso caso a caso e podem decidir o futuro do equilíbrio de poder internacional. São países relativamente estáveis que têm suas próprias agendas globais independentes de Washington e Pequim, e a vontade e capacidade de transformar essas agendas em realidade”, diz.

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De acordo com Kupchan, potências médias como o Brasil têm mais poder para agir com independência do que em qualquer outro momento, desde a Segunda Guerra Mundial, e dizem muito sobre a dinâmica de mudança de poder e influência, pois evitam um alinhamento automático com os Estados Unidos. Ao não se alinhar, Brasil, Índia, Indonésia, Arábia Saudita, África do Sul e Turquia ficam livres para criar novas dinâmicas de poder e servem como um barômetro para tendências geopolíticas mais amplas no Sul Global.

Para ele, a crescente importância desses seis Estados se explica tanto por desenvolvimentos históricos de longo prazo quanto por tendências globais mais recentes. 

‘O mundo vem se desglobalizando, e novas relações geopolíticas e geoeconômicas estão se formando em nível regional’

“O mundo vem se desglobalizando de maneira importante nas últimas duas décadas e, como resultado, novas relações geopolíticas e geoeconômicas estão se formando em nível regional. Os Estados pendulares são todos líderes regionais e se tornam mais importantes à medida que o poder é transferido para suas regiões”, diz.  

https://interessenacional.com.br/edicoes-posts/sergio-abreu-e-lima-florencio-vargas-lula-e-o-dilema-da-neutralidade-na-politica-externa/

“A ausência de afinidade ideológica ajuda a liberar esses Estados para adotarem abordagens transacionais radicais na política externa, o que, por sua vez, eleva seu impacto agregado nos assuntos internacionais.”

‘Não pode haver solução para os desafios da poluição e dos impactos climáticos sem a participação desses Estados’

O diretor da Eurasia aponta ainda a importância crescente do combate ao aquecimento global como um dos motivos para a importância de países intermediários como o Brasil.  “Não pode haver solução para os desafios da poluição e dos impactos climáticos sem a participação desses Estados. (…) as políticas de desmatamento e descarbonização precisam da participação construtiva dos Estados-pêndulo – como Brasil e Indonésia no caso do desmatamento”, diz.

Em artigo publicado no início do ano na revista Foreign Affairs, o professor Matias Spektor já argumentava que a estratégia de ficar “em cima do muro” usada pelo Sul Global pode ajudar a elevar o status desses países em um possível mundo multipolar — embora apontee que a competição de segurança em sistemas multipolares pode levar as grandes potências a criar hierarquias mais rígidas ao seu redor, limitando as chances de Estados menores expressarem suas preferências.

https://interessenacional.com.br/edicoes-posts/sergio-abreu-e-lima-florencio-multipolaridade-nao-alinhamento-e-a-politica-externa-brasileira/

Ainda que haja um reconhecimento da importância de países como o Brasil em um momento de polarização, é importante lembrar que, além de apostar de forma excessiva no multilateralismo, a decisão de “ficar em cima do muro” costuma ser mal-vista pelas grandes potências. Mesmo que os Estados-pêndulo ganhem influência internacional, isso dificilmente ajudaria o Brasil em sua busca por reconhecimento como uma das maiores potências do mundo.

‘Apesar do otimismo, a relevância desses Estados-pêndulo pode esbarrar nas limitações dessa multipolaridade’

De fato, apesar do otimismo dessas abordagens em relação ao Brasil e outras potências intermediárias, a relevância desses Estados-pêndulo pode esbarrar nas limitações dessa multipolaridade. Em artigo recente, os professores Stephen G. Brooks e William C. Wohlforth, do Dartmouth College, rejeitam a ideia de difusão do poder global e alegam que “o mundo não é bipolar nem multipolar e não está perto de se tornar nenhum dos dois”, pois ainda há uma prevalência dos EUA. 

De forma igualmente centrada na visão americana, o diretor do Center for a New American Security, Richard Fontaine, escreve que é um mito acreditar na possibilidade de uma neutralidade de países intermediários em uma crescente polarização entre EUA e China. “Os países vão ter que escolher um lado”, diz, incentivando os EUA a pressionar por isso.

https://interessenacional.com.br/edicoes-posts/o-sul-global-esta-forjando-uma-nova-politica-externa-diante-da-guerra-na-ucrania-e-de-tensoes-entre-china-e-eua-o-nao-alinhamento-ativo/

Kupchan admite que pode haver exagero na percepção de poder crescente dos países pêndulos, e que eles enfrentam problemas econômicos e sociais. “Em suma, porém, o argumento de que esses países se tornaram e continuarão a se tornar mais poderosos geopoliticamente permanece forte. Eles são capazes de obter alavancagem de algumas das tendências globais mais fortes, e já existem manifestações claras de seu novo poder”, diz.


*Daniel Buarque é colunista e editor-executivo do portal Interesse Nacional, pesquisador do pós-doutorado do Instituto de Relações Internacionais da USP e doutor em relações internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. É jornalista, tem mestrado em Brazil in Global Perspective pelo KCL e é autor dos livros “Brazil, um país do presente” (Alameda) e “O Brazil É um País Sério?” (Pioneira).


Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

Editor-executivo do portal Interesse Nacional. Jornalista e doutor em Relações Internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Mestre pelo KCL e autor dos livros Brazil’s international status and recognition as an emerging power: inconsistencies and complexities (Palgrave Macmillan), Brazil, um país do presente (Alameda Editorial), O Brazil é um país sério? (Pioneira) e O Brasil voltou? (Pioneira)

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