Notice: Function _load_textdomain_just_in_time was called incorrectly. Translation loading for the wordpress-seo domain was triggered too early. This is usually an indicator for some code in the plugin or theme running too early. Translations should be loaded at the init action or later. Please see Debugging in WordPress for more information. (This message was added in version 6.7.0.) in /home/storage/c/6b/bd/interessenaciona1/public_html/wp-includes/functions.php on line 6114
Interesse Nacional
28 outubro 2024

De Cali a Belém – Biodiversidade, florestas e além  

Brasil tem demonstrado interesse e capacidade de exercer protagonismo nas COPs, mas para que essa ambição se converta em resultados, o país terá que liderar pelo exemplo e mostrar que está disposto a contribuir para a reversão da atual tripla crise planetária de poluição, clima e biodiversidade

Abertura da plenária da COP16 da Biodiversidade, em Cali, na Colômbia (Foto: ONU Biodiversidade)

No fim de outubro ocorre em Cali, na vizinha Colômbia, a COP16 da Biodiversidade. Essa edição da conferência das partes acontece em um momento delicado do cenário nacional e global, em que o diálogo e a capacidade de criar pontes e consensos parecem verdadeiros animais em extinção.

Algumas semanas atrás, recebemos na Universidade de Oxford a secretária nacional de Biodiversidade, Florestas e Direitos Animais do Ministério do Meio Ambiente, Rita Mesquita. Em meio a sua atribulada agenda, a secretária se reuniu com um grupo de pesquisadores e ativistas que trabalham com essas questões ao redor do mundo, mas que sabem da importância do Brasil nestas agendas. O país lidera a lista de países mais biodiversos do planeta, e hoje também figura na lista dos maiores emissores de gases de efeito estufa.  

‘Nos últimos anos, as COPs do clima ganharam grande destaque na agenda internacional, mas a pauta da biodiversidade ainda não alcançou o mesmo patamar’

Nos últimos anos, as COPs do clima ganharam grande destaque na agenda internacional e nos debates internos no Brasil. Mas enquanto a pauta da descarbonização cresce em visibilidade, a pauta da biodiversidade (e o nexo entre ambas) ainda não alcançaram o mesmo patamar. 

No caso brasileiro, entretanto, ambas as agendas estão intimamente conectadas. Isso porque a maior fonte de emissões de carbono do país advém de mudanças no uso da terra e floresta, sobretudo da conversão de vegetação nativa em áreas de florestas tropicais para outros fins (tais como urbanização, agricultura ou especulação fundiária). 

Os ecossistemas brasileiros, a começar por florestas tropicais como a Amazônia, são fonte riquíssima de diversidade biológica e portanto, ao zerar o desmatamento, o Brasil também contribui para proteger a biodiversidade, atuando ao mesmo tempo em dois dos três pilares da atual tripla crise planetária

Ainda que a interface com a proteção das florestas seja inegável e fundamental, a biodiversidade do país vai muito mais além. Biomas como o Cerrado e a Caatinga também são ricos em biodiversidade, abrigando uma quantidade importante de espécies endêmicas e exclusivas e contribuindo para a riqueza e para o hercúleo desafio do país nessa agenda. 

‘Cabe ao Estado brasileiro construir uma agenda de proteção da fauna e flora do país em diálogo com a proteção de populações locais que há séculos atuam como guardiões dessa riqueza biológica’

Neste contexto, cabe ao Estado brasileiro construir uma agenda de proteção da fauna e flora do país em diálogo com a agenda de proteção e valorização de populações locais, sobretudo os povos indígenas e comunidades tradicionais que há séculos atuam como guardiões dessa riqueza biológica. 

Hoje, tanto a insegurança jurídica na posse da terra para certos grupos bem como as constantes invasões e múltiplas pressões econômicas (sobretudo do agronegócio) ameaçam o delicado equilíbrio entre homem e natureza e empurram comunidades inteiras para a desintegração social e cultural, marginalização e violência

O desafio brasileiro aqui, nos contou a secretária, é pensar e implementar políticas públicas a partir da matriz da sociobiodiversidade: avançando na criação de áreas protegidas (incluindo reservas extrativistas), na titulação de terras indígenas e quilombolas e na construção de modelos justos de pagamento por serviços ambientais focados em carbono e em biodiversidade que possam criar fontes de renda sustentáveis e compatíveis com a preservação da natureza.  

O diagnóstico e as propostas são claros – e por vezes até óbvios – para gestores como a secretária Rita Mesquita ou os especialistas que a escutaram em Oxford. Mas os desafios de implementação não são poucos. 

‘Termos como “bioeconomia” e “mercados de carbono” aos poucos se diluem ao ponto de tornarem-se ferramentas na manutenção de modelos e práticas econômicas que pouco ou nada alteram o “business-as-usual”’

Termos como “bioeconomia” e “mercados de carbono” – antes relegados às conversas entre especialistas e ativistas – já circulam amplamente e aos poucos se diluem ao ponto de inclusive tornarem-se ferramentas na manutenção de modelos e práticas econômicas que pouco ou nada alteram o “business-as-usual”. 

Pesquisas recentes, por exemplo no caso do açaí na Amazônia, alertam para os perigos de mercantilização, commodificação e financeirização da natureza, criando bonança para alguns poucos e produzindo (ironicamente) degradação ambiental e desigualdades, marginalizando populações locais que tanto anseiam por recursos e oportunidades. 

No campo das políticas públicas, há também desafios na pactuação e articulação interna ao Estado, a começar pela orquestração entre setores do próprio governo. Tal como na agenda climática, para ser efetiva a agenda de biodiversidade precisa ser encampada para além do Ministério do Meio Ambiente. E tal tarefa está longe de ser trivial no atual contexto da vida política nacional. 

Em sua conversa conosco em Oxford, Rita Mesquita foi clara quanto aos limites de seu Ministério e até mesmo do Executivo federal no diálogo e pactuação destas soluções, por exemplo no que tange à expansão de áreas protegidas, na Esplanada, com o Legislativo e com demais entes federativos. 

‘Ao se comprometer como zerar o desmatamento e investir em restauração florestal, o Brasil estará agindo também para uma transição ecológica pautada em biodiversidade’

Tendo posto os desafios na mesa, a secretária também apontou para algumas oportunidades. Na esfera nacional, o mais recente Plano Clima prioriza a restauração florestal, por meio de iniciativas como o Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa – PLANAVEG. Ou seja, ao se comprometer como zerar o desmatamento e investir em restauração florestal, o Brasil estará agindo não apenas para cumprir com sua parte no Acordo de Paris, mas também para uma transição ecológica pautada em biodiversidade. No caso do Brasil, argumenta Rita, a restauração florestal é também bioeconomia.

Com esse panorama em mente, como pensar a agenda brasileira na COP de Cali, em Baku e rumo à COP do Clima de Belém em 2025? 

Desde 2023 o Brasil tem demonstrado interesse e capacidade de exercer um papel de maior protagonismo e liderança nas COPs, criando ademais pontes entre processos de negociação no âmbito da ONU e os debates em outros foros (como o G20). Mas para que essa ambição se converta em resultados ao país (e à cooperação internacional), o Brasil terá que “liderar pelo exemplo”, mostrando que está disposto a contribuir com a parcela que lhe cabe das responsabilidades comuns, mas diferenciadas de todos os países na reversão da atual tripla crise planetária de poluição, clima e biodiversidade.  

O Brasil é bastante vocal e contundente na denúncia das assimetrias e desigualdades internacionais. Tal como outras potências emergentes, o país faz desta crítica um dos pilares de seu projeto de ascensão ao rol das grandes potências: uma potência reformista capaz de apoiar processos multilaterais em um mundo em ebulição. 

Potências médias, ou aspirantes a global players, como o Brasil têm a difícil missão de ascender por meio de um reformismo que seja compatível com a manutenção de sua reputação e de sua imagem enquanto países construtivos e responsáveis. 

‘Para lograr o sonho de potência, o Brasil terá que assumir de forma mais consistente e coerente a sua parcela de responsabilidade na solução de problemas globais pautados nos princípios de justiça e equidade’

Em questões como as agendas de clima e biodiversidade, a manutenção de tal reputação passa por saber equacionar o nexo entre política doméstica e externa e lograr converter vulnerabilidades em potencialidades. Para lograr o tal sonho de potência, o Brasil terá que enfrentar os muitos “trade-offs” impostos pelos imperativos de transição ecológica, bem como assumir de forma mais consistente e coerente a sua parcela de responsabilidade na solução de problemas globais pautados nos princípios de justiça e equidade na esfera doméstica e internacional.

Países como o Brasil têm o dever de atuar de maneira assertiva, cobrando o mundo desenvolvimento para que cumpra com compromissos assumidos no passado de apoiar o mundo em desenvolvimento com transferência de recursos e tecnologia, bem como oferecendo, na medida de suas capacidades, apoio (inclusive técnico) para demais países em desenvolvimento. 

Aqui a liderança brasileira para viabilizar uma maior cooperação e concertação entre países amazônicos – ou até mesmo entre países tropicais – é fundamental para garantir que recursos, tecnologias e saberes cheguem aonde devem chegar. 

‘Para além da região, o Brasil também pode e deve fazer uso de outras plataformas das quais participa, como no âmbito dos Brics+’

Para além da região, o Brasil também pode e deve fazer uso de outras plataformas das quais participa. No âmbito dos Brics+, um grupo que agora congrega diversos países na lista dos maiores poluidores atmosféricos, bem como importantes players da agenda energética, 

China e África do Sul também figuram na lista de países mega-diversos em termos de biodiversidade. Isso faz com que o grupo possa e deva funcionar como plataforma para uma maior e melhor articulação e cooperação em questões de clima e biodiversidade daqui para frente. 

Seja na seara internacional, seja em âmbito doméstico, os desafios não são poucos. E o Brasil, esse gigante por natureza, é em alguma medida “vítima”, nas palavras de Rita Mesquita, do seu tamanho e sociobiodiversidade. Ou seja, na pauta da biodiversidade, como em tantas outras agendas, não há uma solução única a ser aplicada em todo o país. Mas resolvendo problemas locais e colocando sua diplomacia e capacidade de inovação pública à serviço da cooperação e do consenso, o país contribuirá – e muito – com as dinâmicas globais. Mas para isso, o país vai precisar melhorar seu samba e sincronizar o ritmo da transição ecológica justa, com maior coordenação interna e mais diálogo e integração com vizinhos e parceiros estratégicos.

Laura Trajber Waisbich é cientista política afiliada ao Skoll Centre, na Said Business School da Universidade de Oxford. Foi diretora do Programa de Estudos Brasileiros e professora de estudos latino-americanos na universidade.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

Cadastre-se para receber nossa Newsletter