Defesa e soberania nacional
Notícia sobre articulação americana para usar aeroportos brasileiros não tem confirmação oficial e pode ser fake news ou balão de ensaio, e uma ação assim seria rechaçada pelo governo, mas o caso reforça a necessidade de se dar importância a questões de defesa para uma potência média regional como o Brasil

O Defesanet, importante portal de notícias nas áreas de defesa, estratégia, inteligência se segurança na América Latina, divulgou, com exclusividade, que diplomatas vinculados a setores republicanos dos Estados Unidos, diretamente associados ao núcleo político do presidente Donald Trump, vêm articulando informalmente com interlocutores brasileiros o uso irrestrito do Aeroporto de Fernando de Noronha (SBFN) e da Base Aérea de Natal (BANT), no Rio Grande do Norte. O argumento empregado remete ao conceito de “direito histórico de retorno operacional”, com base em investimentos realizados pelos EUA durante a Segunda Guerra Mundial e o período da Guerra Fria.
O mesmo argumento foi recentemente utilizado em declarações de Donald Trump sobre o Canal do Panamá, onde setores trumpistas passaram a defender publicamente que os EUA deveriam reivindicar o controle técnico-operacional da estrutura interoceânica, sob a alegação de que “foram os Estados Unidos que construíram, pagaram e defenderam a instalação durante o século XX”.
‘O Aeroporto de Fernando de Noronha e a Base de Natal permitiriam aos Estados Unidos estabelecer uma base estratégica no Atlântico que complementaria sua atual malha de pontos de apoio’
O Aeroporto de Fernando de Noronha e a Base de Natal permitiriam aos Estados Unidos estabelecer uma base estratégica no Atlântico que complementaria sua atual malha de pontos de apoio, como Ilha de Ascensão, a Ilha de São Tomé e instalações em Dakar.
Como observa o Defesanet, este cinturão de vigilância e prontidão ampliaria substancialmente a capacidade de inteligência, vigilância e reconhecimento (ISR) dos EUA sobre o Atlântico Sul, onde se observa crescente atividade de potências extrarregionais, inclusive por meio de embarcações de pesquisa, pesqueiros industriais e plataformas marítimas de duplo uso, potencialmente vinculadas a operações de coleta de dados sensíveis.
‘Não houve nenhum contato oficial ou oficioso de representantes do governo norte-americano com o Itamaraty. Trata-se de fake news ou um balão de ensaio’
Ao contrário do que foi divulgado pelo Defesanet, não houve nenhum contato oficial ou oficioso de representantes do governo norte-americano com o Itamaraty ou o Ministério da Defesa. Nem em Brasília, nem em Washington. Até aqui, trata-se de fake news ou um balão de ensaio para sondar a reação brasileira ou para dar um recado tendo em conta as viagens de Lula à Rússia e à China.
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 49, inciso I, veda expressamente a cessão de instalações militares a forças estrangeiras sem prévia autorização do Congresso Nacional e formalização em decreto legislativo. Trata-se de um dispositivo de salvaguarda de soberania — ignorá-lo equivaleria a permitir, sob pretexto diplomático, a instalação de postos de controle militar externo em território nacional, à margem do Estado brasileiro.
‘Caso essa intenção do governo de Washington venha a se confirmar no futuro – o que parece improvável – o governo brasileiro não hesitará em rechaçar a demanda norte-americana’
Caso essa intenção do governo de Washington venha a se confirmar no futuro – o que parece improvável – o governo brasileiro não hesitará em rechaçar a demanda norte-americana. Além de considerações politico-ideológicas, as circunstâncias internas, vésperas de eleição presidencial, tornariam o tema como centro da campanha eleitoral, com forte tom nacionalista.
Esse é mais um exemplo da necessidade de se dar importância a questões de Defesa para uma potência média regional, como o Brasil. Nem o Congresso, nem o governo podem continuar a ignorar o peso geopolítico do país e as demandas para que as Forças Armadas sejam adequadamente equipadas, tenham orçamento previsível e consigam uma relativa autonomia tecnologia e estratégica para fazer frente os desafios globais.
Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.
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