01 abril 2025

Desafios para fomentara agropecuária sustentável

A COP30 é uma enorme oportunidade para tratar das soluções climáticas que o Brasil já adota e que são necessárias para o desenvolvimento do país, envolvendo não somente a conservação de florestas, mas a restauração, a agropecuária de baixo carbono e as múltiplas fontes de energias renováveis

A realização da 30ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima (COP30-UNFCCC), em Belém, marcará os 10 anos do Acordo de Paris e permitirá conhecer a ambição das contribuições nacionalmente determinadas (NDC na sigla em inglês) atualizadas para o período de 2031-2035.

Este artigo foi publicado na edição 69 da Revista Interesse Nacional – Clique aqui para ver a revista completa

Sediar uma conferência dessa magnitude enseja um olhar atento sobre problemas e soluções que o Brasil traz para a agenda. Os desafios para conter desmatamento, principal fonte de emissões de gases de efeito estufa (GEE) (39,5% das emissões em 2022), e como promover a produção agropecuária (30,5% das emissões em 2022) de forma sustentável certamente ganharão destaque.

De forma mais ampla, é essencial destacar que além dos debates sobre desmatamento e agropecuária, a maior fonte de emissões de GEEs provém do setor de energia (75,7% em 2021).

Neste sentido, a COP30 é uma enorme oportunidade para tratar das soluções climáticas que o Brasil já adota e que são necessárias para o desenvolvimento do país, envolvendo não somente a conservação de florestas, mas a restauração, a agropecuária de baixo carbono e as múltiplas fontes de energias renováveis.

Diante desse cenário, o propósito do presente artigo é situar a agropecuária brasileira no contexto internacional, salientando aspectos ambientais inerentes ao desenvolvimento do setor e desafios que emergem na regulamentação do comércio internacional quando se trata de produção sustentável.

Para tanto, a primeira parte tratará dos desafios para combater e gerir risco de desmatamento no Brasil, envolvendo a produção agropecuária. A segunda parte buscará situar o debate global sobre produção sustentável considerando o status das negociações sobre agropecuária na UNFCCC. Já a terceira parte trará uma discussão sobre as regras do comércio internacional e objetivos climáticos.

Desmatamento e cadeias produtivas

A aprovação da Regulation on Deforestation-Free Products (EUDR) pela União Europeia requer um estrito controle de desmatamento, considerando conversão zero a partir de 31 de dezembro de 2020, definindo exigências que podem impactar o comércio de carne, soja, café, papel e celulose, dentre outros produtos.

A EUDR é uma regulamentação que gera efeitos extraterritoriais sob a justificativa de que a União Europeia precisa controlar desmatamento nos produtos que importa, para contribuir com objetivos de mitigação. Os efeitos da EUDR ultrapassam o Código Florestal, que permite a conversão de vegetação nativa desde que os requisitos de conservação sejam cumpridos pelos produtores.

A produção agropecuária alinhada ao Código Florestal agrega a conservação ou a formação de estoques de carbono na vegetação nativa, além de contribuir com a biodiversidade, ativos que diferenciam a produção sustentável e acabam não sendo reconhecidos por medidas como a EUDR, dentre outras regulamentações e padrões privados de sustentabilidade.

As demandas para controlar desmatamento nas cadeias produtivas exigem monitorar e rastrear informações sobre uso da terra ao longo da logística de cada cadeia produtiva, o que traz custos e desafios operacionais.

O argumento de que a agropecuária brasileira representa 70% das emissões do país assume que a totalidade do desmatamento no país é causado pelos produtores, desmerecendo o papel da grilagem de terras, da exploração ilegal de madeira, da mineração e de uma infinidade de crimes que tornam o controle do desmatamento uma agenda extremamente complexa.

Os dados da 5ª fase do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAM) mostram que, em 2022, o desmatamento na Amazônia ocorreu nas seguintes áreas: 28% nas glebas públicas não destinadas; 32% em áreas de assentamento da reforma agrária; 12% em Unidades de Conservação; 2% em terras indígenas e 25% em áreas privadas ou sem informação. Isso sugere que há inúmeros problemas que exigem estratégias e soluções distintas.

Não se conhece, com exatidão, quanto do desmatamento é causado diretamente pela agropecuária. A lentidão na avaliação do Cadastro Ambiental Rural (CAR) pelos órgãos estaduais obsta a efetiva implementação do Código Florestal. Esse objetivo permitirá evoluir na gestão e controle do desmatamento em áreas privadas, o que se torna cada vez mais relevante para garantir transparência nas cadeias produtivas.

A NDC atualizada que o Brasil apresentou na COP29, com metas de redução de emissões de 59% a 67% até 2035, com base nos níveis de 2005, propõe alcançar o desmatamento ilegal zero, estimular a restauração de florestas e fomentar a implementação do Código Florestal.

Aprimorar o combate ao desmatamento, para que seja possível garantir transparência quanto à conversão ilegal e legal, e desconectar a produção agropecuária do desmatamento ilegal é um desafio inerente à produção sustentável, que tende a ser cada vez mais relevante para o comércio internacional e para a agenda de financiamento.

É essencial, no entanto, pontuar que a produção sustentável vai muito além do combate ao desmatamento e enseja refletir, partindo-se dos debates que ocorrem em nível multilateral, quais são os desafios da produção agropecuária alinhada a elevados padrões ambientais, o que será feito a seguir.

Desafios para a agropecuária de baixo carbono

A integração da agricultura nas negociações climáticas começou em 2007, com o Plano de Ação de Bali. Em 2017, na COP23, foi criado o Trabalho Conjunto de Koronivia sobre Agricultura, que reconheceu a agropecuária como parte da solução para o enfrentamento das mudanças climáticas.

Ao longo do Roadmap de Koronivia, foi possível evoluir para uma visão de que a agropecuária deve integrar a melhoria da saúde e da fertilidade do solo, o uso eficiente de nutrientes, gestão de dejetos, o aprimoramento dos sistemas pecuários, bem como as dimensões socioeconômicas e de segurança alimentar.

Na COP27, em 2023, foi estabelecido o Trabalho Conjunto de Sharm el-Sheikh sobre a Implementação de Ação Climática de Agricultura e Segurança Alimentar, visando evoluir nas discussões sobre a relação intrínseca entre agricultura e mudanças climáticas, integrando abordagens baseadas em resultados de mitigação, adaptação e cobenefícios.

O Roadmap do Grupo de Sharm el-Sheikh foi aprovado na COP29, definindo que as discussões sobre agropecuária deverão avançar com base em três ações: i) criação do Portal on-line de Sharm el-Sheikh, por meio do qual as Partes submeterão suas ações climáticas de agricultura; ii) a realização de workshops temáticos; iii) a elaboração de relatórios síntese sobre financiamento e cooperação pelo Secretariado.

É essencial destacar que dentre as 168 NDCs submetidas até setembro de 2024, 141 contemplam a adoção de ações climáticas sobre agricultura e segurança alimentar. O portal on-line permitirá dar visibilidade para as ações de agricultura propostas pelas Partes, o que será fundamental para permitir conectar financiamento climático.

No entanto, é importante destacar a crescente mobilização de atores na adoção de ações climáticas. A iniciativa AIM for Climate exemplifica esse movimento, contando atualmente com 56 países e mais de 600 parceiros do setor privado e da sociedade civil. Até a COP28, a AIM for Climate mobilizou 17 bilhões de dólares para projetos que visam estimular inovação para a agropecuária resiliente de que permite reduzir emissões.

Desde 2011, o Brasil tem uma política voltada para estimular a agropecuária de baixo carbono. O Plano ABC+ define metas de descarbonização na agropecuária até 2030, visando atingir 72,6 milhões de hectares de novas áreas adotando tecnologias, que permitirão reduzir até 1 bilhão de toneladas de CO2 equivalente.

Na agenda de biodiversidade, o Marco Global de Biodiversidade aprovado no âmbito da Convenção sobre Diversidade Biológica, define 23 metas globais de biodiversidade. A meta 10 visa estimular que a agricultura, aquicultura, pesca e silvicultura sejam feitas em sintonia com o uso sustentável da biodiversidade e contribuam para a resiliência e eficiência e produtividade a longo prazo, para a segurança alimentar e para conservar e restaurar a biodiversidade.

É evidente que o desmatamento causado pela agropecuária causa impactos enormes de perda de biodiversidade. Mas muito além disso, fomentar sistemas produtivos que recuperem o solo, mantenham sua fertilidade, evitem poluição, fomentem a conservação e uso de diversas espécies genéticas são fatores inerentes a promoção do uso sustentável da biodiversidade.

A despeito dos avanços, quando se trata de indicadores que permitam qualificar o que é produção sustentável, vale mencionar que não existe, do ponto de vista multilateral, regras que orientem esse reconhecimento quando se trata de comércio internacional. A próxima sessão busca situar esse debate, refletindo sobre a proliferação de medidas ambientais que afetam o comércio.

Produção sustentável no âmbito do comércio internacional

O debate multilateral sobre produção sustentável, quando se trata de sistemas agrícolas e pecuários, está amplamente vinculado à pauta de mudanças do clima e de biodiversidade. Isso sugere que demandas quanto à produção sustentável ganham espaço no comércio internacional, de acordo com objetivos e critérios definidos por meio de regulamentações, bem como de padrões voluntários de sustentabilidade.

A despeito da crise que afeta a Organização Mundial do Comércio (OMC), especialmente pela paralisação do Órgão de Apelação do Mecanismo de Solução de Controvérsias, a notificação de medidas com fins ambientais cresce ano a ano. Entre 1997 e 2022, 18.197 medidas foram mencionadas no mecanismo de revisão de políticas comerciais.

Apesar da intensificação dos debates sobre os temas ambientais no Comitê de Comércio e Meio Ambiente e no Comitê do Acordo sobre Barreiras Técnicas, não há clareza sobre como a OMC poderá evoluir visando regular a adoção de medidas ambientais que afetam o comércio internacional.

A definição de medidas lastreadas em objetivos climáticos, como é o caso da EUDR, do Carbon Border Adjustment Mechanism (CBAM) e da Diretiva 2018/2001 sobre energias renováveis (REDII) denota que medidas ambientais podem impor restrições ou custos que impactam no comércio internacional.

É válido citar os recentes relatórios do painel dos casos propostos pela Malásia e pela Indonésia contra a REDII da União Europeia. A restrição a importar biocombustível de óleo de palma, em função do risco de emissões de GEE, causadas por desmatamento gerado pelo chamado efeito indireto do uso da terra (iLUC na sigla em inglês), é uma medida de natureza ambiental que na visão da União Europeia é necessária para atingir objetivos climáticos.

É interessante destacar que nos dois casos o Painel entendeu que a medida é legítima diante do Acordo sobre Barreiras Técnicas ao Comércio (Acordo TBT), o que em um primeiro momento sugere que as medidas climáticas seguem, automaticamente, as regras da OMC.

No entanto, a aplicação da medida relacionada ao risco de iLUC pela União Europeia causou discriminação injustificada. A decisão fundamenta-se na ausência de uma revisão oportuna pela UE dos dados usados para determinar os biocombustíveis com alto risco de iLUC, em deficiências na operacionalização dos critérios de baixo risco de iLUC e no procedimento de certificação.

O relatório dos painéis estabelece um precedente relevante para a interação entre comércio e sustentabilidade, especialmente em um cenário de múltiplas medidas comerciais com objetivos ambientais. Embora medidas de carbono possam ser consideradas como legítimas pela OMC, sua conformidade com as regras multilaterais de comércio dependerá da aplicação da medida, caso a caso.

A proliferação de medidas ambientais, de regulamentações unilaterais aplicadas por países como instrumentos para promover o desenvolvimento sustentável e de padrões de sustentabilidade propicia a criação de um cenário onde não existem regras mínimas comuns, o que contraria o racional da OMC de acordar um level playing field para orientar as políticas comerciais.

Isso evidencia que o debate sobre produção sustentável na OMC imersa em uma crise do multilateralismo dificilmente permitirá enfoques comuns sobre como qualificar a agropecuária que entregue resultados de mitigação e adaptação.

Isso sugere a importância de ampliar a adoção de políticas e medidas que fortaleçam critérios ambientais na agropecuária brasileira, que permitam evidenciar de forma transparente, atributos ambientais associados à produção agropecuária.

Reflexões sobre a produção sustentável

É notório que o debate sobre produção sustentável perpassa objetivos climáticos e de biodiversidade, que ultrapassam requisitos de mercado e chegam à agenda de financiamento.

O debate global sobre agropecuária na agenda climática reconhece que é preciso fortalecer inovação de forma contínua, visando alcançar resultados de mitigação e adaptação, tendo como objetivo maior, garantir a segurança alimentar global diante de cenários cada vez mais evidentes dos impactos climáticos.

Nesse contexto, a agropecuária brasileira tem oportunidades enormes para a evoluir na adoção de tecnologias e práticas que permitam expandir a produção, promover o uso racional de insumos, reduzir emissões e promover a captura de carbono, fortalecer o uso sustentável da biodiversidade e contribuir com a segurança alimentar.

A despeito dessas oportunidades, dissociar a produção agropecuária do desmatamento é um caminho inevitável quando se observa que a conversão de vegetação nativa gera emissões de carbono e perda de biodiversidade, independentemente de ser legal. Criar incentivos econômicos para desestimular o desmatamento legal e dar transparência para a gestão do desmatamento e o papel da conservação de vegetação proporcionada pelas cadeias produtivas são aspectos essenciais para fortalecer a agropecuária e evitar barreiras não tarifárias no comércio internacional.

A COP30 representa uma enorme oportunidade para ampliar o debate sobre o que precisa ser considerado para qualificar produção sustentável. Apesar de o debate global, em grande parte, dar foco ao tema do desmatamento, é preciso ampliar as discussões para integrar a recuperação de áreas degradadas e fertilidade do solo como requisito-base para qualquer sistema produtivo.

A agropecuária resiliente, no Brasil e em qualquer outro país, depende necessariamente da adoção contínua de tecnologias, o que exige acesso a financiamento e cooperação em escala. Isso ressalta a oportunidade de usar a COP30 como encontro para fortalecer uma visão multilateral de que é essencial promover soluções para estimular a agropecuária sustentável alinhada aos desafios existentes em cada país, como condição para alcançar a segurança alimentar global.


Rodrigo C. A. Lima é advogado, doutor em Direito das Relações Econômicas Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e sócio-diretor da Agroicone

Sabrina Kossatz Borba é advogada e pesquisadora na Agroicone, com expertise em mudanças climáticas, comércio internacional, mercado de carbono, biodiversidade e agricultura sustentável


Referências Bibliográficas

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Ministério do Meio Ambiente. Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm) – 5ª Fase (2023 a 2027). https://www.gov.br/mma/pt-br/assuntos/combate-ao-desmatamento-queimadas-e-ordenamento-ambiental-territorial/controle-do-desmatamento-1/amazonia-ppcdam-1/5a-fase-ppcdam.pdf
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UNFCCC. Decision 1/CP.13: Bali Action Plan. Disponível em: https://unfccc.int/resource/docs/2007/cop13/eng/06a01.pdf#page=3
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Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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