Desaparecimento de jornalista na Amazônia amplia projeção internacional e piora a imagem do Brasil no exterior
Índice de Interesse Internacional (iii-Brasil) registrou o maior número de reportagens com menções ao país e a maior proporção de textos com tom negativo; exposição se concentrou em problemas do país como sendo marcado por violência, impunidade, desrespeito aos direitos humanos e descaso do governo federal com a proteção da floresta, dos povos indígenas e dos jornalistas
Índice de Interesse Internacional (iii-Brasil) registrou o maior número de reportagens com menções ao país e a maior proporção de textos com tom negativo; exposição se concentrou em problemas do país como sendo marcado por violência, impunidade, desrespeito aos direitos humanos e descaso do governo federal com a proteção da floresta, dos povos indígenas e dos jornalistas
Por Daniel Buarque e Fabiana Mariutti*
iii-Brasil – 6 a 12 de junho de 2022
Visibilidade: 81 textos
Classificação das notícias:
39% Neutras
55% Negativas
6% Positivas
A imagem internacional do Brasil tende a ser fortemente impactada pelo desaparecimento do jornalista britânico Dom Phillips e do indigenista Bruno Araújo Pereira no Vale do Javari, na Amazônia. O caso ampliou a visibilidade do país no exterior, levando à publicação de mais notícias a seu respeito na mídia estrangeira, e projetou uma reputação seriamente negativa da realidade nacional – com problemas de violência, impunidade, desrespeito aos direitos humanos e descaso do governo federal com a proteção da floresta, dos povos indígenas e dos jornalistas.
No total, a coleta de informações do Índice de Interesse Internacional encontrou nesta segunda semana de junho 81 reportagens com menções de destaque ao Brasil nos sete veículos de imprensa estrangeiros analisados pelo iii-Brasil. Trata-se da maior quantidade registrada desde o início da coleta e análise do índice, em abril de 2022. Além disso, é um volume 33% maior de menções do que as encontradas nas duas semanas de maior visibilidade internacional até então, quando haviam sido encontradas 61 menções ao país nos veículos estudados.
Além do aumento da visibilidade do país, a semana também registrou a mais alta proporção de reportagens com tonalidade negativa sobre o país. No total, 55% de todos os textos a respeito do Brasil tinham juízo de valor com potencial de afetar e piorar a reputação brasileira no exterior.
A alta visibilidade do desaparecimento do jornalista britânico lembra a imagem negativa que foi projetada no exterior quando a missionária norte-americana Dorothy Stang foi assassinada na Amazônia. Naquela ocasião, em 2005, se reforçou em todo o mundo a imagem da região norte do Brasil e das florestas como uma terra sem lei e sem segurança. Esta imagem se repetiu nas descrições encontradas na última semana, com uma maior responsabilização do governo brasileiro, acusado de reduzir o empenho em proteger as florestas, os indígenas e as populações que defendem a Amazônia.
Entre os sete veículos da imprensa estrangeira analisados pelo iii-Brasil, apenas o China Daily ignorou notícias sobre o desaparecimento do jornalista e do indigenista na Amazônia. Nos outros seis veículos, foram registradas 34 reportagens sobre o desaparecimento, o equivalente a 42% do total das menções ao Brasil no período.
A cobertura mais intensa sobre o caso na imprensa internacional se deu no jornal britânico The Guardian, para o qual Phillips escrevia regularmente. Ao longo da semana, o jornal publicou um total de 20 textos diferentes sobre o desaparecimento e as buscas pelos dois – todas reportagens com ênfase realmente negativa sobre o Brasil.
Logo na quarta-feira, quando aparentemente ainda havia esperanças de encontrar Phillips e Pereira com vida, o Guardian publicou um editorial cobrando das autoridades brasileiras a intensificação das buscas. “A resposta das autoridades brasileiras tem sido, na melhor das hipóteses, lenta e abaixo do esperado”, dizia. O texto direcionava a crítica diretamente ao governo. “Infelizmente, o presidente Jair Bolsonaro tem demonstrado pouco interesse em uma resposta adequada. Pior ainda, tendo demorado dois dias para tratar do desaparecimento, ele parecia culpar os desaparecidos”, complementava.
Além do editorial, o Guardian também foi um dos primeiros jornais internacionais a publicar um manifesto de editores de algumas das mais importantes publicações estrangeiras exigindo do governo brasileiro um esforço maior nas buscas pelos desaparecidos.
A postura crítica ao Brasil apareceu também em um artigo de uma correspondente internacional no Brasil. Lucy Jordan publicou um texto alegando que o desaparecimento de Phillips e Pereira deveria deixar a todos “incandescentes de raiva”. “Esta é a consequência lógica de três anos de encorajamento à violência contra populações indígenas e jornalistas”, dizia, responsabilizando o governo Bolsonaro.
O jornal também publicou uma reportagem longa sobre a região em que aconteceu o desaparecimento, descrevendo a área na Amazônia como “uma zona sem lei onde criminosos agem com impunidade”.
Nessa mesma direção editorial sobre o sumiço dos dois homens, o francês Le Monde informa que a Funai disse à AFP que está colaborando com as autoridades locais para as buscas. Já o NY Times afirma em destaque que jornalista britânico e especialista indígena estão desaparecidos na Amazônia após ameaças. O espanhol El País, visualmente descreve o fato com imagens ao intitular um dos textos: “A busca pelo jornalista e indigenista desaparecido na Amazônia, em fotos”.
Além da proporção mais elevada de notícias ser prejudicial, nitidamente, sobre o Brasil, a semana registrou também o menor percentual de menções positivas sobre o Brasil. Apenas 5 das 81 reportagens coletadas na semana (o equivalente a 6%) tinham potencial de melhorar a imagem internacional do Brasil. Como em análises anteriores, essas menções positivas em sua maioria diziam respeito a praias e lugares paradisíacos com potencial de turismo no país, como em reportagens publicadas pelo jornal português Público.
* Daniel Buarque é editor-executivo do Interesse Nacional, pesquisador no programa de doutorado em Relações Internacionais do Brazil Institute do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. É jornalista, tem mestrado em Brazil in Global Perspective pelo KCL e é autor do livro “Brazil, um país do presente” (Alameda)
Fabiana Mariutti é pesquisadora doutora e consultora sobre gestão de marca de lugar e negócios internacionais; pós-doutorado, doutorado e mestrado em Administração com Bacharel em Comunicação Social. Estuda a marca Brasil desde 2010.
Editor-executivo do portal Interesse Nacional. Jornalista e doutor em Relações Internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Mestre pelo KCL e autor dos livros Brazil’s international status and recognition as an emerging power: inconsistencies and complexities (Palgrave Macmillan), Brazil, um país do presente (Alameda Editorial), O Brazil é um país sério? (Pioneira) e O Brasil voltou? (Pioneira)
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