27 junho 2025

Desdobramentos da guerra entre Israel e Irã

Trégua no Oriente Médio não representa o fim da guerra, especialmente depois que todos os envolvidos declararam guerra, e vários cenários podem se desenvolver a partir de agora, levando a um possível rompimento do cessar-fogo em algum momento

Jatos de Israel durante o conflito com o Irã (Foto: IDF)

O cessar-fogo conseguido por Donald Trump entre Israel e Irã não representa o fim da guerra entre os dois países. Como era de se esperar, todos proclamaram vitória, mas os três governos – EUA, Israel e Irã – têm motivações diferentes para indicar que a paz poderá ser quebrada no futuro, talvez não muito distante. 

Cessar-fogo, até quando?

Israel declarou vitória, mas disse que o objetivo último é destruir as bases do programa nuclear iraniano. Os serviços de inteligência israelenses em breve terão uma avaliação do grau de destruição das centrífugas e das instalações nucleares iranianas.

O Irã declarou vitória, mas disse que vai dar continuidade ao seu programa nuclear e não vai se render incondicionalmente. Eventuais negociações manterão os impasses que abriram caminho para a guerra no futuro. 

Os EUA declararam vitória, mas continuam afirmando que a política de Washington é impedir que o Irã consiga produzir uma bomba atômica e que obliterou as instalações nucleares iranianas. 

‘Trump, surpreendentemente, disse não acreditar que a negociação sobre o programa nuclear iraniano seja tão necessária’

Talvez por isso, na reunião da Otan, nesta semana, Trump, surpreendentemente, disse não acreditar que a negociação sobre o programa nuclear iraniano seja tão necessária, mas anunciou que os EUA manterão diálogo com o Irã na próxima semana. As informações iniciais do serviço de inteligência de Washington são contraditórias quanto à extensão dos danos. 

Abaixo, apresento alguns desdobramentos possíveis da crise no Oriente Médio

Redesenho do Oriente Médio

A política declarada de Israel de redesenhar o Oriente Médio está avançando com sucesso. 

Israel tornou-se uma superpotência nuclear regional. O enfraquecimento do principal inimigo na região, o Irã, é uma realidade depois dos 12 dias de conflito: os proxies foram aniquilados (Hamas e Hezbollah), a defesa aérea iraniana foi severamente afetada, alvos militares e estratégicos foram destruídos, a liderança do exército e da guarda nacional foi eliminada, e as instalações nucleares foram, pelo menos, parcialmente destruídas.

‘Com a cessação das hostilidades, Israel volta sua atenção principal para Gaza e para a Cisjordânia, afastando de vez a hipótese de um segundo Estado palestino’

Com a cessação das hostilidades, Israel volta sua atenção principal para Gaza (que mesmo com o conflito iraniano continuou a ser atacada) e para a Cisjordânia, que poderá ser anexada a Israel, afastando de vez a hipótese de um segundo Estado palestino.

Programa nuclear iraniano

O governo islâmico de Teerã reafirmou, depois do cessar-fogo que continuará a manter seu programa nuclear. Dependendo do grau de destruição ocorrido, o programa sofrerá atraso de meses ou anos, mas continuará prioritário. 

Duas questões poderão complicar o quadro político e militar: a proteção do urânio enriquecido, que não deve ter sido destruído pelos bombardeios, e a permanência do Irã no Tratado de Não Proliferação (TNP). 

‘A cobrança de Israel e dos EUA para a entrega do urânio enriquecido será a próxima etapa da disputa com o Irã’

A cobrança de Israel e dos EUA para a entrega do urânio enriquecido será a próxima etapa da disputa com o Irã, e o governo de Teerã deverá dar seguimento a medidas para a saída do TNP, já aprovada pelo Parlamento iraniano, impedindo os inspetores da Agência de Energia Atômica de visitar os locais atacados e verificar os danos efetivados, o que acarretará reação dos EUA e de Israel.

Mudança de regime no Irã

Embora enfraquecido, sem uma intervenção militar externa, dificilmente o regime será ameaçado por forças oposicionistas internas. O sentimento nacionalista fortalecido pelos ataques externos resguardará o regime, que poderá tomar algumas medidas para mitigar a reação negativa da maioria da população.

Caso esses desdobramentos se confirmem, dificilmente haverá espaço para negociações visando a superação das diferenças. Israel voltará a pressionar os EUA para novas medidas contra o regime islâmico. 

Sanções e ataques poderão ser retomados, apesar da declaração desta semana de Trump pela qual diz que o Irã precisa do dinheiro do petróleo para se reconstruir, insinuando que poderia retirar as sanções contra a venda de petróleo para o mundo, inclusive para a China.

A divisão interna no partido republicano, no Congresso e na sociedade norte-americana será ampliada e poderá ter influência sobre as decisões de Trump no segundo semestre, pela proximidade das eleições para renovação do Congresso.

Enquanto isso, aumentam as incertezas e inseguranças na economia global pela maneira como a questão das medidas tarifárias restritivas estão sendo tratadas pelos EUA, rasgando as regras previsíveis estabelecidas pela OMC, e na ordem internacional, onde a Carta das Nações Unidas, base para a paz e a segurança mundial, está sendo seguidamente desrespeitada e o Conselho de Segurança da ONU está paralisado, sem perspectiva de mudança, pela divisão entre os países que detém o poder de veto. 

Os EUA perdem a credibilidade, e aumenta a desconfiança quanto aos rumos da política econômica e externa da maior potência global.

Presidente e fundador do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (IRICE). É presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da FIESP, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), presidente do Centro de Defesa e Segurança Nacional (Cedesen) e fundador da Revista Interesse Nacional. Foi embaixador do Brasil em Londres (1994–99) e em Washington (1999–04). É autor de Dissenso de Washington (Agir), Panorama Visto de Londres (Aduaneiras), América Latina em Perspectiva (Aduaneiras) e O Brasil voltou? (Pioneira), entre outros.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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Guerra 🞌

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