27 maio 2022

Eleição presidencial nas Filipinas: o triunfo do nepotismo dinástico

Com a vitória de Ferdinand Romualdez “Bonbong” Marcos, filho de Ferdinand Marcos e sua esposa Imelda, as Filipinas bateram os recordes de nepotismo dos Estados asiáticos. Toda a política do país é uma questão de dinastias, sendo a conquista do poder e sua preservação baseada no sistema de sucessão dentro das principais famílias oligárquicas do país.

Com a vitória de Ferdinand Romualdez “Bonbong” Marcos, filho de Ferdinand Marcos e sua esposa Imelda, as Filipinas bateram os recordes de nepotismo dos Estados asiáticos. Toda a política do país é uma questão de dinastias, sendo a conquista do poder e sua preservação baseada no sistema de sucessão dentro das principais famílias oligárquicas do país.

O presidente-eleito das Filipinas, Ferdinand Romualdez “Bonbong” Marcos, filho de Ferdinand Marcos e sua esposa Imelda

Por Jean-Luc Maurer*

As eleições presidenciais de 9 de maio nas Filipinas permitiram ao país bater o recorde mundial de nepotismo dinástico de natureza oligárquica para uma democracia.

As Filipinas são consideradas uma “democracia falha” no conhecido ranking anual da Economist Intelligence Unit, que lhe dá uma pontuação de 6,62 de um máximo de 10 e um 54º lugar (logo atrás da Indonésia com 6,71, classificado em 52º), e um “regime parcialmente livre” pelo não menos respeitável relatório anual da Freedom House, com uma pontuação de 55 em um máximo de 100 (em comparação com 59 para a Indonésia).

Este nepotismo dinástico é um mal muito difundido no mundo e especialmente na Ásia onde se espalha de leste a oeste, dos quatro países do subcontinente indiano aos dois irmãos inimigos da península coreana, passando pela maioria das nações do Sudeste Asiático.

Um nepotismo característico dos Estados asiáticos…

Obviamente, existem diferenças de grau de um país para outro, mas o fenômeno é onipresente em toda a Ásia:

  • Paquistão (famílias Bhutto e Sharif);
  • Índia (família Nehru-Gandhi);
  • Bangladesh (famílias Mujibur Rahman e Ziaur Rahman);
  • Sri Lanka (famílias Bandaranaike e Rajapaksa);
  • Mianmar (família Aung San);
  • Tailândia (família Thaksin);
  • Camboja (família Hun);
  • Cingapura (família Lee);
  • Indonésia (famílias Sukarno e Suharto);
  • Taiwan (família Chiang);
  • Coreia do Sul (família Park);
  • Coreia do Norte (a irremovível e onipresente dinastia Kim, que constitui o recorde mundial absoluto em termos de nepotismo dinástico).

… ao qual as Filipinas não são exceção

Desde a sua independência em 1946 e até hoje, as Filipinas sempre se distinguiram nesta área. Este é particularmente o caso no que diz respeito à função presidencial. Já houve dois casos na história recente em que um “filho ou filha de” sucedeu seu pai ou sua mãe como líder do país.

O primeiro foi o de Glória Macapagal, que liderou o país de 2001 a 2010 com sob suspeita de corrupção desenfreada, na continuidade de seu pai Diosdado Macapagal, que governou de 1961 a 1965, ano em que foi derrotado nas urnas por Ferdinand Marcos, que viria a impor uma ditadura violenta e venal por mais de vinte anos.

O segundo foi o de Begnino Aquino III, que foi presidente de 2010 a 2016, duas décadas depois de sua mãe, Cory Aquino, que ocupou esse cargo entre 1986 e 1992. As duas famílias fazem parte dessa oligarquia política e agrária que domina o país desde sempre e que gerou a maioria de seus primeiros presidentes, de Manuel Quezon (1935-1944) a Manuel Roxas (1946-1948) e Ramon Magsasay (1953-1957).

Mas desta vez, todos os recordes anteriores foram batidos.

Os filipinos acabam de eleger triunfantemente Ferdinand Romualdez “Bonbong” Marcos, filho de Ferdinand Marcos, e sua insaciável esposa Imelda, que governou através de lei marcial, corrupção e violência, desencadeando a Revolução do Poder Popular que levou Cory Aquino ao poder em 1986 .

Além disso, em uma eleição separada – as Filipinas não adotam o método de chapa presidencial de sua antiga potência colonial, os Estados Unidos, e as eleições presidenciais e vice-presidenciais ocorrem no mesmo dia, mas separadamente –, eles optaram por confiar a Vice-Presidência a Sara Duterte.

Ela é filha do presidente Rodrigo Duterte, eleito em 2016 e tendo cumprido um único mandato de seis anos autorizado pela Constituição. Este líder nacionalista, populista, violento e vulgar, mas ainda muito popular, trouxe ordem através do terror ao arquipélago. Sara já o sucedeu em 2016 como prefeita de Davao, a grande cidade na ilha meridional de Mindanao, a fortaleza sobre a qual reinou por quase 25 anos e onde havia “restaurado a ordem” pelos métodos violentos que privilegia. Muitos certamente acharão a amnésia, a cegueira e o gosto obstinado e masoquista dos filipinos por esse tipo de personagem de partir o coração…

A política das Filipinas, fundada sobre dinastias

Ao ampliar a reflexão para além das eleições presidenciais, vemos que esse modelo dinástico molda profundamente toda a vida política de um país em que as elites oligárquicas sempre dominaram. Em uma democracia como as Filipinas, onde as eleições são questão de dinheiro, clientelismo e desinformação, os partidos políticos são muito fracos e estão a serviço dos representantes dessas ricas famílias dinásticas.

Segundo Julio Teehankee, professor da Universidade La Salle, em Manila, cerca de 320 famílias dinásticas se consolidaram no país desde 1898, quando os Estados Unidos suplantaram a Espanha como potência colonial, e até 2009 membros de 234 delas ocuparam sempre funções eletivas!

E, segundo ele, este domínio sobre a política nacional só está se agravando. Assim, 80% dos governadores provinciais pertencem a essas dinastias ricas, e atualmente controlam 67% dos assentos na Câmara dos Deputados e 53% dos cargos de prefeito, em comparação com 57%, 48% e 40%, respectivamente, em 2004. Sua estratégia é baseada no controle hereditário dos feudos regionais, provinciais e municipais.

A manutenção dos clãs Marcos e Duterte

O clã Marcos foi particularmente eficaz nesta área. Desde o retorno do exílio de sua mãe Imelda em 1991, após a morte de seu marido Ferdinand em 1989, em Honolulu, seu filho “Bonbong” e sua filha Imee “passaram” um para o outro, e depois para seus próprios filhos e filhas ou sobrinhos e sobrinhas, os cargos de governador, senador e deputado da província de Ilocos Norte.

Assim, depois de já ter sido governador da província pela primeira vez de 1983 a 1986, antes da queda de seu pai, “Bonbong”, tornou-se governador novamente de 1998 a 2007, depois passou o cargo para sua irmã Imee de 2010 a 2019 para ocupar os cargos de deputado de 2007 a 2010 e depois de senador de 2010 a 2016, ano em que tentou, sem sucesso, ser eleito vice-presidente de Rodrigo Duterte, candidato que havia apoiado à presidência.

Atualmente, o filho de Imee, Michael Keon Marcos, é governador, enquanto ela própria detém uma das duas vagas do Senado da província e o filho de “Bonbong” é candidato a deputado. A família Duterte, formada mais recentemente, menos rica e mais distante de Manila, não fica de fora. O presidente em fim de mandato reconhece isso abertamente quando diz que está orgulhoso de seu histórico, declarando: “Tenho uma filha concorrendo à vice-presidência, um filho que é parlamentar e outro prefeito de Davao, estou encantado.”

Que futuro para o nepotismo nas Filipinas?

Como podemos ver, toda a política filipina é uma questão de dinastias, sendo a conquista do poder e sua preservação baseada no sistema de sucessão de nepotismo dentro das principais famílias oligárquicas do país.

Claro que seria necessário legislar para pôr fim a este controle da democracia e reformar o sistema eleitoral do país, mas é impensável que um Parlamento povoado por representantes de dinastias políticas adote medidas que impeçam o seu poder. Como o mesmo professor Teehankee citado acima coloca com humor: “É como pedir para o Drácula guardar o banco de sangue!”

É claro que o nepotismo dinástico não é exclusivo da Ásia e pode ser encontrado de várias formas em outras partes do mundo. Nossas democracias não estão isentas desse tipo de mal, como prova em particular o caso das famílias Kennedy, Bush e Clinton nos Estados Unidos. No entanto, isso merece uma análise mais ampla e profunda que vá além do objetivo limitado deste artigo sobre as Filipinas.


Jean-Luc Maurer é professor de estudos de desenvolvimento do Institut de hautes études internationales et du développement (IHEID).


Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional


Este artigo é uma republicação do site The Conversation sob uma licença Creative Commons license. Leia o artigo original.

Editor-executivo do portal Interesse Nacional. Jornalista e doutor em Relações Internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Mestre pelo KCL e autor dos livros Brazil’s international status and recognition as an emerging power: inconsistencies and complexities (Palgrave Macmillan), Brazil, um país do presente (Alameda Editorial), O Brazil é um país sério? (Pioneira) e O Brasil voltou? (Pioneira)

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