O Brasil e o Brics ampliado
Inclusão de mais seis países no grupo de nações emergentes cria uma série de questões sobre o futuro do bloco. Para embaixador, a indicação de que o Brics+ pode ser um contraponto aos EUA e à UE pode colocar o Brasil num cenário delicado
Inclusão de mais seis países no grupo de nações emergentes cria uma série de questões sobre o futuro do bloco. Para embaixador, a indicação de que o Brics+ pode ser um contraponto aos EUA e à UE pode colocar o Brasil num cenário delicado
Por Fausto Godoy*
Confesso que estou confuso com a ampliação dos membros do Brics decidida na recente cúpula da África do Sul. Como sabemos, foram feitos no último dia 24 convites a seis países – Arábia Saudita, Argentina, Emirados Árabes Unidos, Egito, Irã e Etiópia – para se integrarem ao grupo.
Os analistas estão se debruçando sobre os motivos da expansão e da definição dos novos parceiros. O movimento, dizem, pode representar o fortalecimento desses países nos organismos multilaterais no médio e longo prazos e fazer frente ao Ocidente central – ou seja, contrapor-se aos Estados Unidos, e ao G-7 – na definição dos destinos do planeta globalizado. Este seria, segundo eles, o principal motivo.
Cismado, decidi voltar-me ao processo de criação do grupo a fim de buscar entender o roteiro do futuro. Recordando, foi o então analista do banco de investimentos Goldman Sachs, Jim O´Neill, que num estudo intitulado Building Better Global Economic BRICs, em 2001, cunhou o acrônimo BRIC – Brasil, Rússia, Índia e China, então sem a África do Sul – unindo as iniciais de países grandes em extensão territorial.
Eles se encontravam, então, entre as economias de mercado emergentes com crescimento mais rápido do planeta, graças aos baixos custos trabalhistas, demografia favorável e recursos naturais abundantes, num momento de boom global das commodities. A ideia subjacente era que esses países passariam a dominar até 2050 coletivamente o crescimento da economia global.
É importante notar que a tese do Goldman Sachs não afirmava que eles constituiriam uma aliança política, a exemplo da União Europeia, ou mesmo uma associação formal. Em vez disso, o Goldman então afirmava que eles tinham potencial para formar um bloco econômico poderoso.
A história andou, o grupo se formalizou em junho de 2009 numa reunião de chefes de Estado em Ecaterimburgo, na Rússia, e em 2011, na terceira reunião de cúpula, em Sanya/China, a África do Sul foi incluída, e o acrônimo ganhou a letra S.
Consultado a respeito da ampliação do grupo pela jornalista Cristiane Barbieri, do Estadão, Jim O´Neill afirmou que o Brics “quase acabou”. Dizendo-se “um pouco atordoado”, ele afirmou não entender a racionália empregada na escolha dos países. Para ele, essa inclusão deveria ser feita com critérios bastante transparentes. Acrescentou que o “Brics agora não faz muito sentido”, além de que “a entrada do Irã, pelo histórico de conflito com o Ocidente, pode trazer problemas ao bloco”.
Afirmou também, que “as adesões tornaram qualquer consenso entre 11 países bem mais difícil… elas também não trarão qualquer benefício ao grupo… se olharmos para os novos países, não é óbvio o que eles têm efetivamente de maneira individual para adicionar ao grupo”.
O´Neill indaga, ainda, “por que esses países e não outros? No contexto da América Latina: por que a Argentina e não o México? Por que a Etiópia e não a Nigéria? Particularmente até por causa do Irã, parece que o simbolismo do Brics está ficando mais e mais sem sentido e está muito, mas muito distante, mesmo, dos princípios econômicos que eu pensei, 20 anos atrás”.
Quanto de razão tem ele? O que será o BRIC+?
Primeiramente, vamos raciocinar em termos da equação política x economia.
Politicamente, o Brics significou na sua origem uma alternativa para uma “globalização mais democrática”, que rompesse a hegemonia dos países centrais da economia mundial. Parecia uma hipótese promissora. Só que, na realidade, as discrepâncias entre as cinco economias e os antagonismos históricos entre algumas delas – China X Índia – tornam difícil separar o “joio do trigo”, ou seja, dialogar sobre economia num ambiente político-militar de conflito nas fronteiras dos Himalaias e disputa por hegemonia na região da Ásia do sudeste, e se unir na pauta econômica, por exemplo.
Claro que nas relações internacionais, tudo acontece, como sabemos bem, mas assim mesmo. E, em termos econômicos, como equacionar PIBs tão discrepantes? Por esta e outras razões, o resultado mais concreto da associação, por ora, tem sido o Banco do Brics, financiado, aliás, em grande parte pela China, e ainda assim longe das ambições iniciais.
Mas como será o futuro de cada um destes países? Segundo Luiz Guilherme Gebelli, “durante esta década, a Índia terá o crescimento mais forte entre os Brics e, em 2030, provavelmente estará próxima a ultrapassar o Japão e a Alemanha. Já a China está enfrentando uma série de problemas e tenho preocupações com relação a eles pela primeira vez em muitos anos. A China deveria priorizar o crescimento ao se engajar com a atual ordem global, em vez de criar uma ordem global alternativa, que não é muito sensato”.
Outra questão: quem “manda no pedaço”, apesar do discurso acordado? Como foi feita a escolha dos novos candidatos? Foi consensual? Em termos de comércio, os membros do Brics não têm acordos entre si: eles são de caráter bilateral. “E em termos concretos, o comércio com esses países que entraram é bem restrito”, afirma Lia Valls Pereira, pesquisadora da Fundação Getúlio Vargas. Ela conclui que “o que eles podem formar é uma possível frente para ter mais voz nos organismos multilaterais”.
Com este ponto concorda a maioria dos especialistas, para os quais “o movimento pode significar o fortalecimento desses países nesses organismos no médio e longo prazos e tem mais a ver com um movimento geopolítico para contrapor a China aos Estados Unidos e à União Europeia”.
Para os críticos, “a China está pilotando tudo isso. Nada do que está acontecendo é sem querer”, afirma José Augusto de Castro, presidente-executivo da Associação de Comércio Exterior (AEB). “É um novo mundo geopolítico que está se ajustando. São países satélites que vão ficar ao redor da China, teoricamente, dando apoio.”
Será? E o Brasil?
A indicação de que os países do Brics+ podem ser um contraponto aos Estados Unidos e à União Europeia também pode colocar o Brasil num cenário delicado.
“Com essas inclusões, a característica geopolítica do Brics foi reforçada no sentido de ter países com alinhamentos mais próximos da Rússia e da China”, afirma Silvio Campos Neto, economista e sócio da consultoria Tendências. Segundo ele, “tem de ver como o Brasil vai navegar nesse mar complicado. No fundo, um alinhamento muito pleno às ambições da China pode gerar um certo contraponto aos Estados Unidos e à Europa Ocidental”, afirma; sobretudo no que diz respeito à adoção de uma moeda para substituir o dólar nas trocas comerciais entre os países-membros, como pleiteia o presidente Lula.
Ou seja, desafios, oportunidades e obstáculos. Para onde vai o Brics+?
To be continued… E como!.
*Fausto Godoy é colunista da Interesse Nacional. Bacharel em direito, doutor em direito internacional público pela Universidade de Paris (I) e diplomata, serviu nas embaixadas do Brasil em Bruxelas, Buenos Aires e Washington. Concentrou sua carreira na Ásia, onde serviu em onze países. Foi embaixador do Brasil no Paquistão e Afeganistão (2004/2007) e Cônsul-Geral em Mumbai (2009/10). É coordenador do “Centro de Estudos das Civilizações da Ásia” da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e curador da Ala Asiática do MON.
Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional
Fausto Godoy é colunista da Interesse Nacional. Bacharel em direito, doutor em direito internacional público pela Universidade de Paris (I) e diplomata, serviu nas embaixadas do Brasil em Bruxelas, Buenos Aires e Washington. Concentrou sua carreira na Ásia, onde serviu em onze países. Foi embaixador do Brasil no Paquistão e Afeganistão (2004/2007) e Cônsul-Geral em Mumbai (2009/10). É coordenador do “Centro de Estudos das Civilizações da Ásia” da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e curador da Ala Asiática do MON.
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