Para onde vão a China e a Índia?
Crescimento populacional e da economia impulsionam a Índia a se tornar uma nova potência global enquanto a China vê redução da sua população e riscos futuros. Para embaixador, o mundo pode estar no limiar de um novo cenário de disputas entre gigantes
Crescimento populacional e da economia impulsionam a Índia a se tornar uma nova potência global enquanto a China vê redução da sua população e riscos futuros. Para embaixador, o mundo pode estar no limiar de um novo cenário de disputas entre gigantes
Por Fausto Godoy*
O Fundo de Populações das Nações Unidas confirmou em 25 de abril que a Índia se tornará até o fim deste mês o país mais populoso do planeta, suplantando a China, que vem mantendo a liderança pelo menos desde a década de 50 do século passado, momento em que a organização começou a publicar estatísticas sobre a questão.
Segundo os últimos dados coligidos, a população da Índia já atingiu a casa dos 1,425,8 bilhão de indivíduos, num território de 3.277.300 km², ou seja, uma densidade de 433,7 habitantes por km². A China, por sua vez, abriga 1,425,7 bilhão de pessoas num território de 9.562.900 km², cerca de três vezes maior que a Índia, com uma densidade de 149,1 habitantes por km². Estes dados já por si sós revelam o primeiro desafio para os indianos: a distribuição e ocupação do solo que é muito mais problemática no seu caso.
Fator igualmente determinante do que será o século XXI asiático é que, desde o ano passado, pela primeira vez em seis décadas, a população da China está encolhendo. Isto poderá dar origem a uma crise demográfica aguda, porque ela não está apenas encolhendo; está também envelhecendo.
Recordando: As reformas econômicas de Deng Xiaoping no final da década de 1970 tiveram como consequência a rápida urbanização do país, com o consequente aumento dos níveis de renda da população em razão dos empregos melhores nas áreas urbanas. Combinadas, às políticas restritivas de planejamento familiar –de um só filho por família– impostas na década de 1970, com o impressionante “boom” econômico alavancado pela enorme força de trabalho do país, acabaram por modificar os valores tradicionais da cultura, que giravam em torno da família. Os chineses passaram a privilegiar o bem-estar.
Neste contexto, a atual autorização –e estímulo– das autoridades para que os chineses possam ter mais um filho não encontra eco. A maioria dos casais não considera esta opção. Em consequência, os institutos de análise preveem que a China perderá quase 50% de sua população até 2100, o que acarretará complexos desafios para encontrar fórmulas de assistir e prover assistência e previdência sociais para uma população crescentemente idosa, frente a uma mão-de-obra crescentemente escassa.
No caso da Índia acontece o contrário. Como assinalou o professor Oliver Stuenkel no artigo Índia está a caminho de se tornar uma grande potência, “o peso demográfico de uma nação não se traduz automaticamente em poder econômico ou político –mas quando se junta com dinamismo econômico, seu impacto é imenso. Segundo o FMI, a Índia deve crescer em torno de 6% em 2023, mais do que qualquer outra economia. Até o fim da década, pode se tornar a terceira maior economia do planeta, apenas atrás de EUA e China. Segundo o banco Morgan Stanley, a Índia tem o potencial de ser responsável por um quinto do crescimento global ao longo da próxima década”.
Ela está seguindo a mesma trilha que os chineses…
A este respeito, lançado em 25 de setembro de 2014, pelo primeiro ministro Narendra Modi, na presença de gigantes empresariais, o plano Make in India, é uma iniciativa do governo no sentido de estabelecer e incentivar empresas a desenvolver, fabricar e montar produtos dentro do próprio país e incentivar os investidores, inclusive estrangeiros a incluírem a Índia no seu roteiro. A abordagem política consiste em criar um ambiente propício aos investimentos e desenvolver uma infraestrutura moderna e eficiente. Para tanto, foram selecionados 25 setores da economia aos quais o governo dará prioridade através da criação de empregos e aprimoramento das habilidades.
O grande objetivo é “transformar a Índia num centro global de exportação de design e manufatura”, como especifica o documento, através das seguintes medidas:
1 – aumentar a taxa de crescimento da indústria de transformação em 12-14% ao ano;
2 – criar 100 milhões de postos de trabalho adicionais na indústria de transformação até 2022; e
3 – assegurar que a contribuição do setor de transformação com relação ao PIB aumente para 25 % até 2025.
O grande foco atualmente são as indústrias na área da tecnologia da informação –TI–, setor em que a Índia tornou-se potência global, inaugurando uma era de riqueza e criação de empregos nunca antes vista no país. Agora ela está pronta para a próxima grande fronteira na área da tecnologia, apostando numa nova geração de empresas de software. Para isto conta com uma população extremamente jovem –mais de 50% dos 1,4 bilhão de habitantes tem menos de 30 anos de idade (!)– e entusiasmada com as novas fronteiras do conhecimento científico-tecnológico. Acabo de retornar da Índia e sou testemunha desta nova onda de entusiasmo que contaminou as gerações urbanas mais jovens.
Estaríamos diante de um novo confronto de gigantes, desta vez vizinhos no próprio continente asiático? A pergunta que se fazem alguns analistas é se a China teria atingido o seu topo e passaria a partir de agora por um longo período de desfrute da sua afluência –a exemplo da Europa ocidental, e para os mais radicais, os próprios Estados Unidos– enquanto novos e sôfregos atores buscam ocupar seus espaços.
Digo sempre que nos meus quase 78 anos de vida passei por quatro hegemonias planetárias: quando nasci, em 1945, a do Império Britânico, já no ocaso, esfacelado pelos conflitos da Segunda Guerra Mundial; a disputa entre Estados Unidos e União Soviética, na détente da década de 1970, quando ingressei na carreira diplomática; a hegemonia absoluta dos americanos a partir da desconstrução da URSS, em 1991; e a atual, compartilhada entre os EUA e a China.
Estaríamos no limiar de um novo cenário, em que o poder seria disputado entre três e não mais dois gigantes? Instigante mundo novo…
To be continued… Certamente.
*Fausto Godoy é colunista da Interesse Nacional. Bacharel em direito, doutor em direito internacional público pela Universidade de Paris (I) e diplomata, serviu nas embaixadas do Brasil em Bruxelas, Buenos Aires e Washington. Concentrou sua carreira na Ásia, onde serviu em onze países. Foi embaixador do Brasil no Paquistão e Afeganistão (2004/2007) e Cônsul-Geral em Mumbai (2009/10). É coordenador do “Centro de Estudos das Civilizações da Ásia” da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e curador da Ala Asiática do MON.
Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional
Fausto Godoy é colunista da Interesse Nacional. Bacharel em direito, doutor em direito internacional público pela Universidade de Paris (I) e diplomata, serviu nas embaixadas do Brasil em Bruxelas, Buenos Aires e Washington. Concentrou sua carreira na Ásia, onde serviu em onze países. Foi embaixador do Brasil no Paquistão e Afeganistão (2004/2007) e Cônsul-Geral em Mumbai (2009/10). É coordenador do “Centro de Estudos das Civilizações da Ásia” da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e curador da Ala Asiática do MON.
Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional