06 outubro 2023

Favoritismo não ganha campeonato: avaliando a educação no novo governo

Ana Maria Diniz, empresária ativa no debate sobre Educação, insiste que mais do que talento e experiência é necessário ousadia para mudar o padrão educacional no Brasil. Para ela, a situação demanda gestão que saiba navegar na linha tênue entre a competência e a responsabilidade, interrompendo o crescimento lento e medíocre, que impede um verdadeiro salto na área. “Tomar decisões ousadas muitas vezes envolve enfrentar resistências e críticas, mas é precisamente essa postura que, alicerçada nas regras da democracia, impulsiona transformações significativas e progressos objetivos”, pontua

Ana Maria Diniz, empresária ativa no debate sobre Educação, insiste que mais do que talento e experiência é necessário ousadia para mudar o padrão educacional no Brasil. Para ela, a situação demanda gestão que saiba navegar na linha tênue entre a competência e a responsabilidade, interrompendo o crescimento lento e medíocre, que impede um verdadeiro salto na área. “Tomar decisões ousadas muitas vezes envolve enfrentar resistências e críticas, mas é precisamente essa postura que, alicerçada nas regras da democracia, impulsiona transformações significativas e progressos objetivos”, pontua

Por Ana Maria Diniz*

É fato incontestável que, em um campeonato de futebol, ter um time talentoso liderado por um técnico experiente pode ser uma vantagem significativa. Também é verdade que o favoritismo pode ser uma fonte poderosa de confiança, tanto no futebol quanto na política. No entanto, como diz o ditado, “favoritismo não ganha jogo”. Já vimos equipes consideradas favoritas serem surpreendidas por adversários mais determinados e bem preparados. Esse mesmo princípio pode ser aplicado na política, quando um grupo talentoso pode ser derrotado por um adversário mais forte e poderoso, no caso, a própria política, com sua complexidade e interesses do jogo político.  

Este texto foi publicado na edição 63 da revista Interesse Nacional. Clique aqui para ver a edição completa

Mais do que talento e experiência, é preciso ousadia. A Educação no Brasil há tempos demanda uma gestão que saiba navegar na linha tênue entre a competência, a responsabilidade e a ousadia, interrompendo o crescimento lento e, por vezes, medíocre. O que nos impede de dar um verdadeiro salto como nação. Tomar decisões ousadas muitas vezes envolve enfrentar resistências e críticas, mas é precisamente essa postura que, alicerçada nas regras da democracia, impulsiona transformações significativas e progressos objetivos. Governantes que tenham a coragem de tomar decisões sensatas, ainda que impopulares, são aqueles capazes de enfrentar os problemas reais e transformar realidades.

Deste ponto de vista, um importante passo foi dado pelo time do atual Ministério da Educação – reconhecido pela sua competência na implementação de reformas educacionais em seu estado de origem, o Ceará –, ao abandonar o ócio destrutivo do governo anterior e as distrações com polêmicas em torno de temas irrelevantes. Nestes seis meses de governo, o ministro e sua equipe tiveram foco em algumas das questões que devem estar no cerne dos debates atuais sobre educação.

O desafio referente ao crescimento alarmante de alunos não alfabetizados na idade certa em decorrência da pandemia (apenas 4 em cada 10 alunos do 2º ano do Fundamental estavam alfabetizados ao final de 2021 segundo a pesquisa AlfabetizaBrasil, realizada pelo MEC), finalmente foi endereçado, em 12 de junho por meio do Decreto 11.556/2023 – o Compromisso Nacional pela Criança Alfabetizada. A política aponta para um bom caminho. Prevê o protagonismo dos estados e municípios, que deverão elaborar estratégias locais de alfabetização, baseados nos bons exemplos nacionais. Dessa forma, o governo não impõe uma resposta única e reconhece os diferentes contextos locais, o que é ótimo. O MEC oferecerá apoio técnico e financeiro às redes e para isso serão investidos R$ 1 bilhão, em 2023, e mais R$ 2 bilhões entre 2024 e 2026.

Outro dos pactos importantes realizados refere-se à retomada de Obras e de Serviços de Engenharia Destinados à Educação Básica. Na prática, a intenção do governo federal é aplicar cerca de R$ 4 bilhões na conclusão de 3.540 obras em escolas de 1.659 municípios e, assim, abrir 450 mil vagas nas redes públicas de ensino até 2026.

Em paralelo, o ministro das Comunicações, Juscelino Filho, prometeu para agosto um programa para levar internet a todas as escolas públicas de ensino básico do país. As principais inovações tecnológicas na área da Educação já deveriam incluir o uso de realidade virtual e aumentada para experiências de aprendizado imersivas; a aplicação de inteligência artificial para personalizar a educação e automatizar tarefas administrativas; a gamificação para tornar o aprendizado mais envolvente; a adoção do ensino híbrido e móvel; a expansão do ensino de programação; o uso de plataformas de aprendizado social e o desenvolvimento de sistemas de aprendizado adaptativo, todos buscando oferecer uma educação mais acessível, personalizada e eficaz. 

Tecnologia sozinha não faz verão

Portanto, as escolas terem infraestrutura com conexão de internet de qualidade é fundamental, mas é importante deixar claro que tecnologia sozinha não faz verão. Diversos estudos comprovam que a tecnologia intermediada por professores bem preparados, sim, é que faz a diferença no aprendizado dos alunos. Por isso é muito importante uma ação intencional que prepare os professores para o uso das tecnologias e, dessa forma, potencialize a capacidade de eles fazerem realmente a diferença na vida dos alunos. No Brasil, apenas 94% das escolas públicas do ensino básico possuem acesso à internet, mas em 92% das escolas a velocidade da rede é considerada inadequada. Esse é a lacuna a ser superada, além de professores mais bem preparados para essa nova era.

Também foi sancionada a lei que cria o Programa Escola em Tempo Integral, que pretende ampliar em 1 milhão o número de matrículas de tempo integral na educação básica até 2024 — com investimento de R$ 4 bilhões. A ideia é espalhar pelo país as políticas exitosas de tempo integral de Pernambuco, no ensino médio, e no Ceará, no fundamental. Os dois modelos são um sucesso inconteste – não só promoveram uma reviravolta na educação desses estados, como reverberaram uma onda positiva pelo Nordeste, que fez da região o farol da educação nacional. O objetivo é que estados, municípios e o Distrito Federal alcancem 3,2 milhões de matrículas, na tentativa de cumprir uma das metas do Plano Nacional de Educação (PNE) que estabelece que a oferta de educação em tempo integral deve estar presente em, no mínimo, 50% das escolas públicas do país, e atender pelo menos 25% dos estudantes da educação básica até 2024.

As respostas até aqui são um conjunto de boas promessas e algumas decepções, como o que tenho chamado de “revogação branca”, do tipo não oficial, do Novo Ensino Médio. Quando o ex-presidente Michel Temer publicou a MP do Novo Ensino Médio, em 2016, transformada em lei pelo congresso, no ano seguinte, a situação desta etapa da educação beirava o colapso. Os baixíssimos índices de aprendizagem e as taxas de evasão nas alturas escancaravam a falência do modelo obsoleto adotado no final do ciclo básico no país até então. Éramos o único país no mundo com 13 disciplinas fixas e obrigatórias e nenhuma liberdade de escolha para os estudantes nesta etapa do ensino, onde suas habilidades e competências já começam a se manifestar com mais clareza. Além disso, tínhamos, e ainda temos, aulas entediantes e desinteressantes. Com as mudanças, que flexibilizavam o currículo dando ao aluno maior chance de poder escolher o foco do que gostaria de estudar dali para frente, de acordo com as suas aspirações, poderíamos certamente tornar as aulas mais interessantes e mais significativas, diminuindo, assim, a distância entre a escola e os interesses dos alunos em sua vida adulta profissional.  

A reforma do ensino médio, inicialmente planejada para ser implementada gradualmente até 2024, enfrentou críticas desde o início do governo Lula. Essas críticas, justificadas devido a problemas em sua implementação, como a falta de estrutura escolar e capacitação inadequada de professores para atender à diversificação que pedia o novo currículo. Essas dificuldades de execução enfrentadas pela maioria dos estados brasileiros, foram agravadas pela falta de clareza e apoio do governo anterior em relação ao tema, causando assim uma grande bagunça, o que foi um prato cheio para o posicionamento contrário de setores mais à esquerda na política educacional, que viam na reforma do EM um resquício do “golpe”. O status quo, já estabelecido, resiliente às mudanças estruturais, resistiram e se manifestaram bravamente, com o agravante de que a pandemia tornou inviável uma avaliação séria da viabilidade da reforma neste ano.

Modelo jurássico de Ensino Médio

No afã de resolver a questão, técnica e politicamente, há cinco meses o governo federal suspendeu a implementação do novo ensino médio e abriu uma consulta pública para aperfeiçoar os detalhes e corrigir algumas rotas a partir de uma reavaliação mais participativa da reforma, o que me parecia uma ótima ideia. Agora o MEC deve encaminhar ao Congresso a sua proposta final a respeito do tema. Infelizmente, o resultado será o pior possível. Terão acabado com a reforma sem assumir abertamente que acabaram com ela, perpetuando o modelo jurássico de Ensino Médio, que vigorava até hoje e fazendo com que ele fique ainda mais defasado em relação ao restante do mundo. Acuada pelas críticas dos setores mais radicais do corporativismo ativo e atrasado deste país, a equipe do ministério cedeu, abrindo espaço para dúvidas sobre sua capacidade política de fazer o que precisa ser feito para melhorar a educação brasileira. 

Aprimorar políticas ao invés de simplesmente descartá-las é o único caminho para vencer o monstro da descontinuidade. É preciso reconhecer que a democracia é um organismo vivo, capaz de se adaptar e evoluir. Em uma sociedade democrática saudável, a avaliação constante, a crítica construtiva, o diálogo e as revisões contínuas e inteligentes são as ferramentas que permitem avanços consistentes e mensuráveis, mantendo a confiança dos cidadãos nas instituições democráticas e na classe política. Essa ideia precisa estar nos radares daqueles que tomam decisões e o fazem com base em consensos e desejos da maioria. 

Semelhante risco enfrentam as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial de professores em nível superior, assunto fundamental para a evolução da qualidade da educação no país. Isto é, a regulamentação dos cursos de licenciaturas, cursos de formação pedagógica para graduados e cursos de segunda licenciatura e para a formação continuada, definidas pela Resolução do Conselho Nacional de Educação em 2 de julho de 2019. Diretrizes que, sem desconsiderar as revisões necessárias, apontadas em uníssono pelas instituições de ensino superior, cumpriram o papel de colocar em pauta a importância de uma formação de professores estreitamente vinculada à prática, tendo a escola como espaço privilegiado de experimentação e coleta de matéria real a ser iluminada pela reflexão apoiada na teoria. Ocorre que, mesmo tendo sido pronunciadas em 2019, essas diretrizes ainda não estão em prática e, apesar de irem na direção corretíssima, estão sob ameaça. A ideia que circula é a de sua revogação, com volta à resolução anterior, feita há uma década, quando ainda nem existia a BNCC – Base Nacional Comum Curricular com a qual obrigatoriamente as diretrizes de formação devem se articular. Isso seria mais um atraso fenomenal.

Sem diretrizes, como avaliar, por exemplo, a formação inicial de professores, garantindo a qualidade? Neste assunto, mais uma vez o MEC, e sua competente equipe técnica, se equilibra entre as questões técnicas e as questões políticas para poder se posicionar. E, portanto, sugeriu um grupo de trabalho para propor políticas de melhoria da formação inicial de docentes, em resposta aos indicadores de qualidade da educação superior dos cursos de licenciatura apresentados pelo INEP. Ainda não temos propostas concretas neste sentido, mas há muito medo no ar diante de especulações ao redor do tema. Este, porém, para além de impor restrições a um mercado predatório de instituições de ensino superior na formação inicial de professores (com cursos à distância que chegam a custar menos de R$50,00 mensais), também daria conta de “levantar a barra” para a reformulação da avaliação das licenciaturas (essa sim, já anunciada pelo INEP).

Reduzir o abandono nas licenciaturas

Para endereçar esse problema, é preciso pensar em uma política nacional de incentivo à docência que diminua a evasão (55% dos alunos que entram nas licenciaturas abandonam os cursos), garantir que a oferta de professores atenda à demanda das redes, não só em quantidade, mas em qualidade dos professores que serão formados para atender às escolas de todo o país.  

Esse, certamente, não é um problema menor. Vale lembrar que as principais políticas educacionais são colocadas em prática na ponta, por professores. Eles serão os formadores de 100% de nossas futuras gerações. De acordo com as evidências, os professores são peça-chave no aprendizado escolar.

Nos países mais bem posicionados nas avaliações internacionais – como Alemanha, China, Cingapura, Coreia do Sul, Estônia, Finlândia, Japão, Polônia ou Suécia – professores gozam de prestígio social para além de condições atrativas de carreira. A formação é rigorosa, o ingresso na profissão é concorrido e garante um lugar de respeito e destaque na sociedade a este ator tão importante: o professor. Um bom professor muda a realidade de um aluno. Bons professores mudam a Educação de um país, e por consequência mudam o país para melhor

Atrair jovens talentosos para a carreira de professores, aumentando o prestígio social da profissão; oferecer uma formação inicial que tenha a prática em sala de aula como laboratório vivo de aprendizados e experiências construtivas  para os alunos; repensar os mecanismos de incentivos para a carreira e toda sua estrutura (que não se resume a salários justos e competitivos); garantir condições de trabalho adequadas e possibilidades reais de desenvolvimento ao longo da profissão são uma forma de enxergar o problema em sua complexidade, buscando soluções efetivas. Políticas públicas voltadas para a valorização e o desenvolvimento de professores são o caminho mais rápido para conseguirmos a qualidade que nossa educação precisa, posicionando-a como parte fundamental da estratégia de desenvolvimento de nosso país.

Melhorar a qualidade do ensino público é o nosso grande desafio comum. Não se trata apenas de defender os direitos de todas as nossas crianças à educação de qualidade – sim, isso é fundamental. Mas trata-se de enxergar além, de entender que somente uma educação de qualidade pode nos dar o país que todos sonhamos. Para além da justiça queremos as mesmas oportunidades para todos. E não há maior política social do que igualdade de oportunidade para todos através da oferta de uma educação de qualidade para todos.

Os problemas da educação brasileira são muitos, complexos e precisam ser atacados com celeridade. Não precisamos mais de diagnósticos – sabemos o que precisa ser feito –, basta ter a educação como uma real prioridade, colocar a mão na massa e fazer acontecer. Eu acreditei que este governo poderia ter essa vontade e coragem política para fazer o que precisa ser feito. Sua escolha de uma equipe competente nos deu esperança, ela está habilitada a executar essa agenda para conseguirmos uma educação de qualidade, baseada em dados e evidências. Mas, para isso, é preciso mais do que competência e experiência. É preciso vontade. Está na hora de demonstrar tudo o que foi prometido para a educação deste país, impedindo, assim, que cresçam dúvidas sobre a força política desta equipe do MEC para tirar este plano do papel.   


*Ana Maria Diniz é empresária, conselheira da Península Participações e criadora do Fundo de impacto Polvolab. É também fundadora do Instituto Península e dos movimentos “Todos Pela Educação”, além de conselheira da Parceiros da Educação


Referências

Segundo dados do Gape (Grupo de Acompanhamento do Custeio a Projetos de Conectividade de Escolas da Agência Nacional de Telecomunicações do Governo Federal).

Desafios da profissão docente: experiência internacional e o caso brasileiro / Fernando Luiz Abrucio, Catarina Ianni Segatto; [organização Instituto Península, Instituto Ayrton Senna]. – São Paulo: Moderna, 2021.

Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional

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