Há necessidade de nova regra global para o mercado de carbono
Iraê Amaral Guerrini é engenheiro florestal e destaca que há necessidade de mudança drástica na forma de contabilização dos créditos de carbono em florestas nativas, devendo-se considerar a floresta como um todo, considerando-se a biodiversidade e os serviços ambientais benéficos ao planeta. Essas mudanças, tanto na contabilização dos créditos de carbono como na metodologia de quantificação de carbono, já deveriam estar presentes no Projeto de Lei em discussão no Senado Federal/Câmara dos Deputados, pois a iniciativa tem que partir do Brasil, que é o país mais prejudicado pelas normas vigente.
Iraê Amaral Guerrini é engenheiro florestal e destaca que há necessidade de mudança drástica na forma de contabilização dos créditos de carbono em florestas nativas, devendo-se considerar a floresta como um todo, considerando-se a biodiversidade e os serviços ambientais benéficos ao planeta. Essas mudanças, tanto na contabilização dos créditos de carbono como na metodologia de quantificação de carbono, já deveriam estar presentes no Projeto de Lei em discussão no Senado Federal/Câmara dos Deputados, pois a iniciativa tem que partir do Brasil, que é o país mais prejudicado pelas normas vigente.
Por Iraê Amaral Guerrini*
O efeito estufa provocado pelo aumento da emissão de gases específicos para a atmosfera, como CO2, NO2, CH4, entre outros, derivados de diversas atividades humanas (indústrias, agricultura, queimadas etc.), tem provocado mudanças climáticas em nosso planeta, principalmente nos últimos 50 anos, com a ocorrência de inúmeros fatos dramáticos em diversos países, como secas, inundações, tempestades, incêndios florestais etc.
Visando procurar estudar e amenizar os efeitos dessas mudanças climáticas, a ONU criou o Intergovernmental Panel on Climate Chang (IPCC), em 1988, formado por pesquisadores de universidades e instituições de pesquisa de diversos países, no sentido de, entre outros objetivos, criar normas científicas para a quantificação de carbono nos diversos tipos de florestas do mundo, já que o CO2 é absorvido ou “sequestrado” pelas plantas durante o processo de fotossíntese, e, com isso, reduzir o impacto desse gás nas mudanças climáticas.
A metodologia criada pelo IPCC define os diversos depósitos de carbono que devem ser avaliados em um sistema florestal, assim como a forma de se quantificar o carbono em cada um desses depósitos (IPCC 2003 e 2019). Esse fato foi muito importante no sentido de direcionar e uniformizar a forma de coleta de amostras e análises no campo e em laboratório, mas, passados alguns anos, há a necessidade de ajustes nessas metodologias.
Metodologia da Unesp
Nesse sentido, uma nova metodologia está em desenvolvimento por pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e ligada à Agência de Inovação da mesma Universidade, baseada na metodologia do IPCC, mas que incorpora modificações específicas que alteram drasticamente a quantificação de carbono nos sistemas florestais. Com essa metodologia, que já foi testada na prática por alunos de graduação e pós-graduação da área florestal da FCA/Unesp, obtém-se resultados mais precisos e abrangentes, que podem ser empregados tanto nos solos que ocorrem em regiões tropicais como naqueles que ocorrem em regiões temperadas.
Além disso, essa metodologia incorpora a necessidade de levantamento da fauna e da flora da área em questão, com o objetivo de avaliar o grau de preservação da biodiversidade da região, assim como qualidade de água e outros fatores que quantificam e qualificam os serviços ecossistêmicos produzidos por uma floresta natural, que podem ser definidos como as muitas maneiras pelas quais a natureza sustenta a vida humana. Exemplos de serviços ecossistêmicos são a regulação do clima (temperaturas, chuvas etc.), volume e qualidade de água, redução da poluição, biodiversidade de fauna e flora, qualidade do solo (fertilidade, controle de erosão, biodiversidade do solo etc.), polinização das culturas, entre outros benefícios essenciais à vida do Homem na Terra.
Na mesma linha das Conferências das Partes (COPs), em que os países-membros da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima (UNFCCC) encontram-se todo ano para discutir e organizar as iniciativas sobre os impactos das mudanças climáticas (a última foi a COP 27 no Egito), existe a Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas para a Diversidade Biológica, que ocorre a cada dois anos (a última foi a COP 15, em 2022, ocorrida no Canadá), em que os países discutem sobre como evitar a destruição da biodiversidade do planeta e a alocação de recursos para evitar a extinção das espécies. Portanto, é um evento de nível mundial com a preocupação exclusiva de preservação da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos do planeta, o que vai ao encontro da metodologia proposta pelos pesquisadores da Unesp.
Mercado de carbono a desenvolver
Um outro processo importante para o mercado de carbono foi a implementação dos projetos REDD+ durante a COP 16, em Cancun, no México. REDD+ é um incentivo desenvolvido no âmbito da Convenção das Nações Unidas sobre Mudança do Clima para recompensar financeiramente países em desenvolvimento por seus resultados de redução de emissões de gases de efeito estufa provenientes do desmatamento e da degradação florestal. Assim, os países que produzem créditos de Carbono em propriedades que possuem áreas ameaçadas de desmatamento seriam protegidas por um determinado tempo com o chamado “carbono evitado”, ou seja, os créditos de carbono só contabilizados para as áreas ameaçadas por desmatamento.
Entretanto, como fica o carbono estocado nas áreas que não estão ameaçadas e que estão protegidas? Afinal de contas, é a floresta como um todo que fornece biodiversidade e serviços ecossistêmicos ao planeta. O editorial da revista Nature Sustainability, de dezembro de 2022 (Biodiversity and climate COPs, 2022), comenta a urgência em se colocar atenção na deterioração da biodiversidade ocasionada pelas mudanças climáticas.
Desta forma, sobre os créditos de Carbono gerados em áreas de florestas naturais, porque considerar apenas o “carbono evitado”? E o carbono estocado na área total, não significa nada? Esse carbono estocado é o que está presente na floresta como um todo e que fornece todos os serviços ambientais – biodiversidade de fauna e flora, oxigênio, regulação climática, carbono estocado, qualidade de água etc. – benéficos ao homem, aos países e ao planeta, conforme mencionado no artigo Biodiversity and climate COPs, 2022.
Todos esses serviços ecossistêmicos são fornecidos pelas florestas naturais anualmente para o planeta e, portanto, deveriam ser contabilizados e valorados também anualmente. Eles estão lá, todos os dias, fornecendo qualidade de vida ao homem e, inclusive, evitando a ocorrência de novas pandemias, como a COVID-19, e a ocorrência de novas doenças, conforme evidências apresentadas no relatório do Workshop do Intergovernmental Science-Policy Platform on Biodiversity and Ecosystem Services, ligado ao Programa Ambiental das Nações Unidas, sobre Biodiversidade e Pandemia, ocorrido em 2020 (IPBES, 2020).
Além desses benefícios, de valores ainda não mensurados, mas que precisam ser valorados urgentemente pela comunidade científica (por exemplo: qual o valor dos “rios voadores” produzidos pela Floresta Amazônica e que beneficiam o Brasil e todos os países da América do Sul e, indiretamente, todo o planeta?). Temos o proprietário da área com floresta natural, que tem que preservá-la e ainda precisa gastar dinheiro para evitar invasões, desmatamento, queimadas etc., sob pena de receber multas vultuosas. Ou seja, o proprietário tem prejuízos financeiros para beneficiar o planeta inteiro, e não é recompensado por isso.
Urgência na contabilização de créditos
Portanto, há necessidade de uma mudança drástica na forma de contabilização dos créditos de carbono em florestas nativas, devendo-se considerar a floresta como um todo, que é o que realmente acontece, considerando-se a biodiversidade e os serviços ambientais benéficos ao planeta.
Essas mudanças, tanto na contabilização dos créditos de carbono como na metodologia de quantificação de carbono, já deveriam estar presentes no Projeto de Lei em discussão no Senado Federal/Câmara dos Deputados (PL 1.425/2022), pois a iniciativa tem que partir do Brasil, que é o país mais prejudicado pelas normas vigentes. O próprio Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), conselho que reúne mais de 100 dos maiores grupos empresariais do Brasil, entregou uma carta em julho deste ano, chamada de Plano de Transição Ecológica, ao governo brasileiro contendo, segundo eles, uma série de propostas para o desenvolvimento da economia brasileira, alinhadas a um novo paradigma econômico, mais sustentável, justo e inclusivo.
As recomendações do documento se dividem em seis eixos prioritários, sendo que em um deles, o de Bioeconomia, sugere, além de mecanismos de monitoramento e fiscalização para frear o desmatamento e a degradação dos biomas brasileiros, a regulamentação e a implementação de programas de Pagamentos por Serviços Ambientais. Ou seja, o pagamento pelos serviços ecossistêmicos fornecidos pela floresta nativa preservada, conforme já comentamos anteriormente. Esse mecanismo econômico servirá para estimular a conservação e dar escala à restauração de ecossistemas, com o potencial de gerar múltiplos benefícios sociais, ambientais e econômicos para produtores rurais e comunidades locais, conforme diz o próprio documento (CEBDS, 2023).
Com essa aprovação no Brasil, essas propostas deveriam ser levadas para serem discutidas na COP 28 que ocorrerá em Dubai, nos Emirados Árabes, em novembro deste ano. São alterações fundamentais para tornar os processos mais precisos e justos para com os países que ainda possuem suas florestas nativas preservadas.
*Iraê Amaral Guerrini é engenheiro florestal pela Esalq/USP, com mestrado e doutorado pela Esalq/USP, livre-Docência pela FCA/Unesp, e pós-doc no College of Forest Resources da University of Washington (EUA). É professor titular na área de Fertilizantes e Corretivos na FCA/Unesp
Referências:
Biodiversity and climate COPs. Nature Sustainability, v.5, p.1001, 2022. Doi: 10.1038/s41893-022-01031-2
CEDBS – Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável. Recomendações CEBDS para o Pacote Verde. Julho 2023. 33p. Disponível: https://cebds.org/publicacoes/recomendacoes-cebds-para-o-pacote-verde/
IPBES – Intergovernmental Platform on Biodiversity and Ecosystem Services. Workshop Report on Biodiversity and Pandemics of the Intergovernmental Platform on Biodiversity and Ecosystem Services. Daszak, P., Amuasi, J., das Neves, C. G., Hayman, D., Kuiken, T., Roche, B., Zambrana-Torrelio, C., Buss, P., Dundarova, H., Feferholtz, Y., Földvári, G., Igbinosa, E., Junglen, S., Liu, Q., Suzan, G., Uhart, M., Wannous, C., Woolaston, K., Mosig Reidl, P., O’Brien, K., Pascual, U., Stoett, P., Li, H., Ngo, H. T., IPBES secretariat, Bonn, Germany. 2020. 96p. DOI:10.5281/zenodo.4147317.
IPCC – Intergovernmental Panel on Climate Change. Refinement to the 2006 IPCC Guidelines for National Greenhouse Gas Inventories. Agriculture, Forestry and Other Land Use Report, 2019. Disponível: https://www.ipcc-nggip.iges.or.jp/public/2019rf/vol4.html
IPCC – Intergovernmental Panel on Climate Change. Good Practice Guidance for Land Use, Land-Use Change and Forestry (LULUC). Japan. 2003. 628p. Disponível: https://www.ipcc.ch/publication/good-practice-guidance-for-land-use-land-use-change-and-forestry/
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