José Alfredo Vidigal Pontes: Mercosul é primordial para o fortalecimento da região
Cenário internacional indica o fortalecimento progressivo de novos aglomerados comerciais em diferentes partes do mundo. Para historiador, Brasil precisa se unir a vizinhos e superar divergências, se quiser ser um ator de peso nesse novo arranjo pós-globalização Por José Alfredo Vidigal Pontes* Em recente artigo, o Embaixador Rubens Barbosa, muito oportunamente, comenta sobre os desafios […]
Cenário internacional indica o fortalecimento progressivo de novos aglomerados comerciais em diferentes partes do mundo. Para historiador, Brasil precisa se unir a vizinhos e superar divergências, se quiser ser um ator de peso nesse novo arranjo pós-globalização
Por José Alfredo Vidigal Pontes*
Em recente artigo, o Embaixador Rubens Barbosa, muito oportunamente, comenta sobre os desafios do Brasil perante o Mercosul. A integração econômica da América do Sul é primordial para o fortalecimento da região frente a uma crescente tendência de formação de grandes blocos comerciais. Para sermos atores robustos nesse novo arranjo pós-globalização temos que antes de tudo nos unir, superando as muitas divergências locais.
No momento preocupa muito o agravamento das relações entre Argentina e Uruguai, suscitadas pela enérgica critica argentina a Lacalle Pou e suas negociações independentes. Afinal, os uruguaios iniciaram conversações com outros parceiros comerciais sem consulta ao Mercosul. É dever e missão do Brasil assumir uma posição moderada, negociando uma superação dessa e de outras divergências, para que possamos evoluir na conclusão de acordos comuns ao bloco. Duas outras questões necessitam de mais tempo de maturação e cuidado, quais sejam a admissão da Bolívia e readmissão Venezuela ao Mercosul, com ênfase na complementaridade comercial.
Negociações entre blocos
Nas últimas semanas ganharam corpo as negociações para a aceleração do processo de discussão dos termos do pretendido acordo entre Mercosul e União Europeia, tratado há cerca de 20 anos! Há pouco esteve no Brasil o primeiro-ministro Olaf Scholz, enfatizando a necessidade de retomada das negociações com o Mercosul, concomitantemente ao anúncio de novos cortes de importações da Rússia. A mesma disposição foi manifestada por Ursula Von Der Leyden, a presidente da União Europeia, em recente conversa telefônica com o presidente Lula.
O peso do Mercosul
Não devemos subestimar nosso potencial, e nem exagerar nas reivindicações. Temos um papel importantíssimo nesse desejado arranjo. Em dezembro de 2020, um artigo de Josep Borrell no jornal espanhol El País, advogava uma inexorável aproximação da União Europeia com a América Latina e o Caribe. Borrell, político catalão que é vice-presidente da Comissão Europeia e também exerce o cargo de alto representante de Assuntos Exteriores e Política de Segurança da comunidade, dizia com todas as letras a respeito das possibilidades futuras da União Europeia que “não podemos ser uma potência geopolítica ou um ator global, como costumamos dizer, sem uma sólida presença na América Latina e Caribe”. Assim como desejam uma ampliação de escala produtiva, não querem subestimar a eventual criação de um bloco de bens e serviços com 780 milhões de consumidores e quase um quarto do PIB mundial, números estimados para a união dos mercados da América Latina e União Europeia, incluindo o Mercosul.
A urgência de um acordo com a União Europeia interessa a quem? É do interesse do Brasil e do Mercosul como um bloco regional avançar rapidamente num acordo com eles? Parece que sim, pois um bom acordo traria vantagens a todos. E no atual governo há uma vontade de que as negociações evoluam rapidamente. Lula chegou a falar em um eventual acordo em julho! Mas, em quais condições? Sabemos das resistências da França em ceder em questões relativas aos produtos agropecuários em geral. No mínimo, devemos ter cautela nessa negociação, confrontando o eficiente lobby protecionista europeu. Afinal, o eurocentrismo nunca deixou de existir na mentalidade dos agentes econômicos do velho continente.
Entretanto, cabe também ao Mercosul ter um olhar mais amplo quanto às possibilidades que se abrem com outros blocos comerciais, notadamente na Ásia e África. Para tanto, necessitamos, antes de tudo, de um entendimento consensual entre os membros, condição básica para qualquer negociação proveitosa aos nossos interesses comuns ibero-americanos. Interesses esses que ao longo da história foram convergentes comercialmente, embora às vezes as aparências enganassem ou conflitos na península ibérica interrompessem pontualmente. O mesmo se deu posteriormente com as disputas por fronteiras nacionais durante o século XIX.
Integração platina, berço do Mercosul
Qual o destino geopolítico da Bacia do Prata? Ligadas por centenárias vicissitudes históricas, muitas possibilidades se abrem para as nações platinas, riquíssimas em mananciais de água doce e de terras agriculturáveis. A região já concentra grande parcela de produção de grãos no mundo, além de inúmeras outras potencialidades econômicas. Mas ainda é tíbia sua integração regional na produção, processamento industrial e comercialização de suas mercadorias.
Essa é a missão do Mercosul, atualmente em grande crise de identidade. É imperioso que pensemos mais seriamente com ganhos de escala produtiva agregada para todos. Este processo resultará no empoderamento coletivo, com uma consequente melhora no poder de barganha nas acirradas negociações entre os blocos. De fato, o cenário internacional recente aponta para o fortalecimento progressivo de novos aglomerados comerciais. Quanto mais coesos, mais força teremos perante os demais.
*José Alfredo Vidigal Pontes é historiador, jornalista e autor do livro A política do café com leite: mito ou história?
Artigos e comentários de autores convidados não refletem, necessariamente, a opinião da revista Interesse Nacional
Editor-executivo do portal Interesse Nacional. Jornalista e doutor em Relações Internacionais pelo programa de PhD conjunto do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Mestre pelo KCL e autor dos livros Brazil’s international status and recognition as an emerging power: inconsistencies and complexities (Palgrave Macmillan), Brazil, um país do presente (Alameda Editorial), O Brazil é um país sério? (Pioneira) e O Brasil voltou? (Pioneira)
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